Cerca de DEZ horas da noite, eu e minha amiga Daomanda, recém-chegada de Brasília, nós dois caminhando pela Siqueira Campos como se estivéssemos em 1983. O novo velho bar aos pés da Ladeira dos Tabajaras com a televisão desligada, alguém no violão plugado cantando algo dançante e antigo, as meninas gostando, nós loucos para ver o jogo do Fluminense.
Na esquina seguinte, Tonelero, um belo bar vazio com um cliente solitário e um belo aparelho de TV também, mas assistindo o jogo do Cruzeiro. Caos. Sinal de que os presságios não era os melhores. Nossa salvação foi o boteco de antigamente onde meu pai bebia amargas cervejas em 1980, agora quase reformado e com um bom frango à passarinho. Uma tela boa. Um tricolor de seus quarenta e poucos anos, com sua humilde camisa oficiosa do clube, nos cedeu lugar à mesinha. Em nossa primeira espiada, o susto: o jogo estava empatado em 1 x 1 – Conca tinha acabado de igualar o marcador. Copacabana ainda ruge.
O que se pode falar de uma parte do jogo reflete a tônica dele como um todo e mesmo do Fluminense em 2014 – ou um 2013 que não acaba, salvo por acontecimentos extemporâneos: ao mesmo tempo em que cria boas jogadas, algumas ótimas, ou o último passe não chega à finalização ou a mesma é espúria. Conca é um monstro e parece o Multi-Homem em campo, mas nem sempre consegue fazer retomada da bola, ligação e conclusão em todos os lances, dado que é um ser humano e não um alienígena. Walter também joga muita bola, mas seus passes rápidos e inteligentes não costumam ser entendidos pelos interlocutores. Para evitar melindres na escalação de começo, ocasionalmente barrando algum jogador de renome, Renato quase sempre opta por escalações convencionais – e mais lentas. E Fred, que é um dos maiores artilheiros da história do clube, mesmo com seu enorme e indiscutível talento, tem brilhado bem pouco desde a volta – ontem, perdeu dois gols inacreditáveis, da pequena área, logo ele que é uma referência nas conclusões.
Quando Conca saiu, aí o Fluminense – que já não vinha bem –foi de mal a pior. Sem o principal condutor criativo das jogadas rumo ao ataque, voltamos a ver em campo o time que penou em partidas contra Madureira, Bonsucesso, o time reserva do Botafogo, Cabofriense, Duque de Caxias e, agora, o Horizonte, na única competição que disputa por ora além do campeonato carioca. É pouco. Bem pouco. Mesmo com as substituições (duvidosas) feitas, o novo caminhão de gols desperdiçados deu as mãos a um sistema de marcação claudicante – para não dizer coisa pior – que permitiu ao modesto time cearense fazer o que quisesse na frente. Marcaram dois, três e poderia ter sido pior: a inviabilização do jogo de volta, para enfrentar um placar ainda mais elástico. Do nosso lado, gente andando, línguas de fora e a certeza de que não é pecado algum substituir qualquer jogador numa tarde ou noite de má performance. Pode ser Jean, Fred, qualquer um.
Sem fazer gratuitamente o papel de carrasco corneteiro de Renato (a quem sou eternamente grato pelo que já fez pelo Flu, demonstrando isso inclusive na literatura), entendo que o treinador precisa de uma reflexão profunda sobre o trabalho que realiza no cotidiano do clube. Profunda. Tirando o Fla-Flu, nosso 2014 está muito longe do brilho que se esperava, ainda mais depois do caos do ano passado e como resposta a todas as agressões midiáticas que temos sofrido.
O que se viu no segundo tempo de ontem foi um bando desgovernado.
Quem tem a missão de escalar e montar um time com bom funcionamento tático é o treinador.
Eu mesmo, que costumo ver futebol com calma e tranquilidade, cheguei a perder a paciência em vários momentos neste jogo. As lições de 2013 parecem não ter sido bem aprendidas.
Um pouco de humildade para reconhecer os problemas de agora cai bem, muito bem. O Fluminense precisa recompor seu papel de destaque no futebol brasileiro, não o de figurante em pastelões recheados do que há de mais chinfrim, logo às vésperas das semifinais do campeonato carioca e tendo que reverter um péssimo resultado para evitar o pior na Copa do Brasil.
Não é hora de esperar para ver o que acontece, nem de atender a caprichos.
Panorama Tricolor
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Imagem: PRA