Ele jogou apenas três meses no Fluminense, os últimos de sua carreira começada em 1962 no XV de Novembro de Jaú, interior paulista. Estava às vésperas de completar 34 anos, em forma e o com o talento que o consagrou.
Quem disse que a eternidade se mede pelo número de meses?
Ao chegar às Laranjeiras, Afonsinho já era uma legenda do futebol brasileiro. Craque de bola, jogava de volante (ou meia também), camisa 6 ou 8, a posição que hoje passou a ser do “homem de contenção” (ou de porrada). Ele, não: era homem de criação artística. Barbudo, cabeludo, fala mansa na rebeldia das atitudes, não da aparência física.
O pioneiro do passe livre no Brasil, lutando (literalmente) contra a ditadura do futebol que, dentre outras coisas, simplesmente deixava encostado o jogador que não quisesse renovar contrato, pelo tempo que fosse necessário.
Dífícil entender que não tenha passado pela Seleção Brasileira, exceto ao se saber que ele era uma figura, digamos, “desagradável ao sistema” (nos anos de chumbo, aquilo se chamava de sistema…).
Afonsinho jogou 13 partidas do clube pelo campeonato carioca. Estreou em Petrópolis contra o Serrano, vitória por 2 x 1. Era um time em crise, na transição entre o grande campeão de 1980 e a futura diáspora da equipe, que voltaria com toda força aos caminhos dos títulos em 1983.
Pensar em crise e reler a escalação do time chega a causar espanto. Quase todos campeões pelo clube, vários com passagem pela Seleção. Mas o cenário era de dificuldade. O Flu estava quebrado financeiramente com altos salários sem maiores resultados esportivos.
Afonsinho, Delei e Gilberto. Afonsinho, Delei e Mário. Quem os viu jogar sabe da alta qualidade técnica destes trios. Cristóvão era banco.
Numa vitória contra o América por 3 a 2 em 19 de setembro, fizemos os gols antes dos 20 minutos do primeiro tempo. E o pessoal que não sabe direito do Edinho…
Dias antes da partida derradeira de Afonsinho, contra o Vasco, a preocupação de João Saldanha era a máfia da Loteria Esportiva, desbaratada a posteriori. Juca Kfouri denunciou, mas era 1981 e não 2013.
Em campo, Afonsinho mostrava a mesma categoria e arrumava o meio campo do Flu. Delei, nosso jovem craque já feito e campeão de 1980, talvez tenha aprendido muita coisa com ele naqueles três meses – dois anos depois, era o nosso maestro condutor nos gramados em conquistas imortais. Ambos, aliás, tinham estilos de jogo bastante parecidos.
FLUMINENSE 2 X VASCO 2
Local: Maracanã (Rio de Janeiro);
Juiz: Alvimar Gaspar dos Reis (MG);
Renda: Cr$ 6.627.050,00; Público: 31.551;
Gols: Cláudio Adão 8 e Roberto 37 do 1.°; Roberto 27 e Paulo Lino 43 do 2.º; Cartão Amarelo: Delei, Mazarópi
Fluminense: Paulo Vitor, Edevaldo, Tadeu, Edinho e Rubem Galaxe; Afonsinho, (Zezé Gomes), Delei e Gilberto (Valtair); Gilcimar, Cláudio Adão e Paulo Lino. Técnico: Dino Sani
Vasco: Mazarópi, Rosemiro, Serginho, Chagas e João Luis; Ricardo, Dudu e Amauri (Marco Antônio); Wilsinho, Roberto e Silvinho (Zé Luis). Técnico: Antônio Lopes
O clássico da despedida terminou em 2 a 2. E o Fluminense, por três meses de um ano sem títulos e muita confusão nos bastidores, teve um grande craque a defendê-lo, dos maiores de nosso futebol. Não lhe bastou o talento com a bola nos pés: era preciso ter caráter.
Depois Afonsinho seguiu sua vida como médico, clinicou 30 anos no Hospital Philippe Pinel, aposentou-se, passou a atender em Paquetá.
Muito antes de tudo isso, com elegância e calma, desafiou cartolas, generais, treinadores. Montou o time do Trem da Alegria, que abrigava jogadores sem clube ou já veteranos, tal como ele foi algumas vezes. Jogou ao lado de Garrincha e Pelé. Sua vida cabe em grandes livros e documentários.
Definitivamente, tudo bem diferente do mundo “moderno”, de jogadores que fazem corpo mole proposital e lesivo aos interesses dos clubes; treinadores que lucram com negociações dos direitos federativos de atletas; empresários de sucesso que surgem do nada para mandar e desmandar nas contratações e escalações.
Ao contrário do que muitos pensavam, aquele Fluminense de 1981 não era um derrotado. Não era uma vergonha. Vencer não se resume a conquistas. O futebol, a dignidade e a vida são bem mais do que isso. Basta reler a escalação daquele time.
Amigos, vergonha é outra coisa. Outras, aliás.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: jb/placar
Muito legal, Andel.
——-
Obrigado pelo ótimo texto Paulo.
Também vivenciei esta época de vacas magras entre o bom timinho de 80 e o melhor time da Flu que vi jogar ; o glorioso Tri carioca 83,94,85 e Brasileiro de 84.
E olha que sou Flu desde Samarone, meu primeiro ídolo junto com Denilson, e depois do campeão brasilero de 71 e depois maravilhado com as máquinas do Horta.
Tinha me esquecido desta passagem de Afonsinho, realmente um jogador admirável, não só pelo futebol mas também pela personalidade e caráter…
Mazaropi só não é pior que Carlos Germano. Miserável! E ainda foi campeão do mundo… 🙂