A estreia do Fluminense na Libertadores foi emocionante e o resultado excelente. O Tricolor enfrentou um time organizado taticamente, com padrão de jogo. Além disso, o Millonarios também possui jogadores talentosos, principalmente no meio, como o baixinho Ruiz, o melhor do time. A partida foi fora de casa, torcida contra e altitude. Tivemos uma disputa ríspida, brigada, típica de Libertadores. Oito vitórias consecutivas é uma marca expressiva e merece respeito. Todos esses fatos acima citados são inegáveis. Porém, a torcida do Tricolor não pode se iludir e nem deixar de assumir que esse duelo deixou as feridas do time expostas. Um fato que também é inegável, por exemplo, é que o Flu precisa ter um mecanismo tático eficaz para agredir o adversário com mais competência. Assim como foi contra a Portuguesa no Estadual, ter um jogador a mais em campo não se transformou em vantagem. A resposta do enigma é simples: com a pelota no pé, praticamos um jogo pobre.
O Millonarios tem uma forma de atacar bem definida. Vega recua entre os zagueiros para fazer a saída de três, Vásquez mergulha entre as linhas para aproveitar o bom passe perto da área, Sosa busca associação com Erazo e Ruiz. Este, o craque do time, sai da ponta esquerda para o centro para criar jogadas e fazer gols. Os laterais, que viram alas nesse momento, ficam espetados pelas beiradas, o que fornece ao time amplitude e profundidade. As triangulações pelos lados são recorrentes e abrem espaço no meio, onde o time tem qualidade para criar e finalizar. Mas, e o Fluminense? Quando tem a bola, qual a forma de atacar do Flu? Infelizmente, não conseguimos definir. Independente do esquema, circunstância ou adversário, a equipe de Abel tem extrema dificuldade em criar jogadas. O problema não reside no sistema tático, mas sim na falta de ideia, na pobreza coletiva e, principalmente, na insistência com alguns jogadores que estão muito abaixo de seus reservas.
Desde o início da temporada, está nítido que Samuel Xavier, Cris Silva, Yago, Bigode e Fred estão muito abaixo. Enquanto isso, Martinelli, Arias e Cano, que estão muito bem, continuam no banco. Nathan está esquecido e Ganso parece ter assumido o posto de reserva do meia de criação do time que não tem essa espécie de meia. A insistência com Yago improvisado nessa função irrita e chega a ser incompreensível. Para o jogo de ontem, Abel surpreendeu e mudou de esquema tático. Como o Millonarios possui apenas um atacante que joga fixo para reter a bola, o treinador do Flu abriu mão do 3-4-3 e lançou a equipe no 4-1-4-1, com Felipe Melo entre as linhas. Outra motivação deve ter sido espelhar o sistema tático, o que facilita os encaixes da marcação em todos os setores. O time até começou bem, valorizando a posse, mas tomou o gol precocemente com Ruiz livre entre três volantes e Cris Silva tomando drible de pelada, duro como uma geladeira. Aos 18’ da etapa inicial, o jogo mudou completamente com a expulsão de Sosa. Esse foi o primeiro evento que ajudou Abel na conquista do triunfo. Abaixo, o 4-1-4-1 com Felipe Melo entre as linhas e o corredor central desabitado.
Infelizmente a expulsão não motivou Abel no sentido de deixar a equipe mais ofensiva e partir para cima. O Fluminense manteve Felipe Melo amarelado, André fora de função e Yago tentando, sem qualquer chance de êxito, ser o meia de criação que não tinha na equipe. O técnico do Millonarios foi audacioso. Ao invés de colocar o time no 4-4-1 e se fechar, Gameiro optou por um 4-3-2 para poder continuar agredindo. Ruiz foi deslocado para a direita e Silva se juntou a Erazo no ataque. Para defender, o time colombiano montava uma linha de quatro eventual, com Silva saindo do ataque e retornando ao meio de campo. Ou seja, o balanço defensivo da linha de meio do adversário estava fragilizado e a equipe menos organizada. Isso significa espaço, mas o Flu não soube e nem apresentou qualquer estratégia visível para se aproveitar. O gol de empate podia sair a qualquer momento, mas o Tricolor era previsível, tocava a bola de forma lenta e não possuía mobilidade no ataque.
O Flu conseguiu empatar com David Braz na base da raça, mas produziu abaixo no primeiro tempo, sobretudo após a expulsão precoce de Sosa. É tanta dificuldade para criar jogadas, que nem o fato de ter um jogador a mais melhorou nossa situação. No intervalo, Abel fez sua primeira alteração colocando Arias na vaga de Bigode. Mas o treinador manteve a forma opaca de jogar com o mesmo 4-1-4-1 do primeiro tempo, com Árias aberto pela esquerda na mesma posição em que atuava Bigode. Aos 15’ da etapa derradeira, o comandante tricolor fez sua primeira alteração tática e desenhou em campo um 4-4-2 com André e Felipe Melo na volância, Luiz pela direita, Yago pela esquerda e uma dupla de ataque que tinha Árias e Cano. Com dois homens na frente e com a queda física do Millonarios, o Flu começou a encontrar mais espaços para criar jogadas, mas faltava alguém por dentro para fornecer aos atacantes os passes de gol. Abaixo, o 4-4-2 citado acima.
O Fluminense só conseguiu se encontrar na partida, principalmente com a bola nos pés e no campo de ataque, após as alterações realizadas no terço final do jogo. Ganso entrou na vaga de Felipe Melo, Pineida no lugar de Cris e, a alteração mais importante, foi a entrada de Martinelli na vaga de Yago. Enfim, o Flu tinha um 4-2-3-1 básico com meias técnicos e uma cobertura qualitativa do corredor central. Finalmente, o time que é armado para não ter a bola, soube usar sua posse com passes que aproveitaram o espaço e as qualidades do elenco. Além do meio com André (monstro), Martinelli e Ganso, o Flu ainda tinha Árias e Luiz Henrique com bastante movimentação pelas beiradas. Martinelli entrou e em apenas alguns minutos rasgou a grama com dois passes geniais, sendo um deles aproveitado no gol da virada. E, a entrada do garoto pelo meio, não só melhorou o time pela sua qualidade técnica, mas por devolver André para o posto de primeiro volante, onde realmente ele sabe contribuir com o seu melhor. Abaixo o 4-2-3-1 que propiciou ao Flu criar jogadas e fazer o gol da vitória.
Abel escalou mal e continuou insistindo em nomes como Cris Silva, Yago, Bigode e Fred. A única alteração inicial necessária foi ter barrado Samuel Xavier e ter colocado Calegari, mas passou da hora de Pineida, Martinelli, Arias e Cano assumirem as vagas dos jogadores citados no início deste parágrafo. A vitória foi grandiosa e o resultado também, mas, coletivamente, o time foi se reorganizando durante a partida sem partir de um ponto inicial, de um propósito tático efetivo, principalmente na fase ofensiva, quando se tem a bola e precisa agredir. O Fluminense precisa e pode vencer convencendo. Faltou muita coisa. Alguns eventos ajudaram o Flu como a expulsão, a mão de quiabo do goleiro no primeiro gol e a penalidade defendida por Fábio. O desempenho coletivo está abaixo e Abel insiste em seus equívocos. O resultado foi excelente, mas algumas mudanças são para ontem. A pergunta que fica, parafraseando os Titãs, é a seguinte: até quando o acaso vai proteger Abel? Abraço e até o próximo texto. Salve o Tricolor!