Depois do café da manhã reforçado, levantou-se, caminhou até a janela e observou o céu. Nuvens esparsas passeavam pela abóboda celeste de seu campo de visão. Nada preocupante, pensou com a competência de um apresentador meteorológico daqueles típicos em jornais televisivos. O vento não anunciava grandes mudanças no clima.

Por outro lado, o treinador também não anunciava grandes mudanças na equipe. Aliás, o grupo não permitia qualquer expectativa de grandes mudanças. Ou pequenas. Apesar de tudo o que eram. De tudo o que foram. Parece que jamais seriam novamente. Contentar-se? Rebelar-se? Que caminho seguir?

Desabrochavam as flores da mediocridade no gramado das Laranjeiras e o ímpeto de seguir a camisa tricolor pelos estádios arrefecia. Qual? Como encontrar força para encorajar a covardia? Para vivificar o desânimo? Entusiasmar a apatia parecia-lhe um esforço inútil. Contudo, todos mereciam uma segunda chance. Ou terceira. Quarta ou quinta, talvez. Enfado. Ainda assim, o fato é que estava de alguma forma disposto a acompanhar a equipe naquela tarde.

O almoço apetecia-lhe. E com fartura empanturrou-se de tudo aquilo que lhe era oferecido. Da entrada à sobremesa, fez gosto de tudo que lhe cruzara o prato. Notou que era tal qual esta fome que faltava aos pés tarimbados de muitos. Sentia-se compelido a saciar seu apetite. Em nome dos muitos que não faziam cotidianamente, que fosse. Culpa da míngua a que alguns são submetidos pela desigualdade que nos assola.

Por isso mesmo, não entendia os episódios seu clube. Ou entendia, mas não aceitava. Talvez até aceitasse, mas não quisesse, ao fim e ao cabo, entender. Ou qualquer coisa parecida. Enfim, havia naqueles homens a injustificável falta de querer (como se pudesse haver ausência, existir o inexistível…). Exercem, afinal, a profissão de fascínio de nove entre dez meninos. Recebem em metal aquilo a que jamais fariam jus se não o conseguissem com os pés. Ainda assim, mostravam-se indolentes, lânguidos, negligentes e letárgicos. Uma frouxidão mansa que, aos poucos, põe a termo uma geração de guerreiros.

Os minutos sucediam. A hora aproximava-se. Sabe aquela ansiedade gostosa que se manifesta com um friozinho no estômago? Pois bem, esqueça-a. Não havia nada disso. Era quase uma obrigação colocar a camisa, passar a mão na bandeira e ir-se ao estádio. Em momento algum lhe passava na cabeça outra paixão. Nem mesmo sentia-se menor que outros. Ou imaginava-se menos torcedor que outro qualquer. Como se houvesse competição para isso. Besta. Ao amor, o sentir. Basta. Mas tudo lhe aparentava mais esforço. Mais peso. Fora contaminado pela indiferença momentânea.

Tal qual uma epidemia que se alastra descontroladamente, o entorpecimento marasmático toma conta do laranjal. Sem dúvidas, originou-se no gramado e foi difundir-se pelas arquibancadas. As razões diferem entre si. Mas todos têm algo mais importante a fazer. Ou um problema particular a resolver. Ou uma pequena lesão a curar. Correr. Gritar. Chutar. Torcer. Sorrir. Secundário, periférico. Nada imperioso na ordem do dia. De todos. De qualquer. De algum. Ou de nenhum.

Com extrema languidez, antes de passar a mão pelas chaves do portão, tornou a olhar pela janela. As nuvens eram mais espessas. Mais numerosas. Mais ameaçadoras. Ao girar da maçaneta, poucos segundos passaram-se até a primeira gota entrar em contato com a pele. A chuva era fina. Mas qualquer motivo é motivo quando não se tem motivação. Abriu em retorno a porta. Biscoitos, amendoins, uma cerveja. Sem sapatos, o corpo acomodava-se no sofá.

Cada equipe, em paráfrase de Exupéry, torna-se eternamente responsável por aquilo que cativa. E, naquela tarde, chovia. Era frio. Não mereciam qualquer esforço. Ação e reação. Terceira lei. A física convertia-se em fato social. Arquibancadas vazias. Quando muito, esperava o jogo passar na tevê. Quem sabe ano que vem? Quem sabe… Quem sabe…

Panorama Tricolor

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