SAÍ do trabalho às seis e meia, louco para voltar ao Maracanã. Mesmo com tudo diferente e contrário, é o que tenho feito nos últimos 40 anos.
Gosto de jogos com menos público, contra times mais modestos. Sempre gostei. Fui a muitos clássicos com mais de cem mil pessoas, agora me divirto de outra forma.
Uber: 15 minutos de espera. Desisti. Metrô Carioca. Pensei em saltar na Afonso Pena e pegar o 433 que deixa na porta do Bellini. A linha 2 fica muito cheia e deixa na UERJ. Podia saltar em São Cristóvão, não gosto.
Uma chuvinha na Afonso Pena, um grandão gritando e rodando derruba um senhor de idade na porta do supermercado. Muita gente acudiu, felizmente.
Veio o velho 33. A motorista, loura, simpática, me deu boa noite ao embarcar. Beleza. Bom… Entrou na Gabizo e, sabe-se lá o motivo, deu de virar na Mariz e Barros. Deu tumulto e merderê no ônibus, voltar era impossível, saltei e resolvi ir a pé. Utaqueparal!
Olho ao lado, o moço fala comigo na caminhada. Um grandão. Chama-se Marcos, não vinha ao Maracanã há 25 anos, pois morava na Região dos Lagos. Andamos até a esquina do Maracanã, trocamos um abraço de sorte, ele conhecia o PANORAMA, que barato! Foi para a F, camarotes. É?
Grades psicodélicas no Bellini, você vai e volta torcendo contra a labirintite. Desta vez, o louco que grita “Leste inferior, leste inferior, leste inferior” 30 vezes por segundo não estava.
O sunsete me convence, quase implorando, a entrar pelo Leste Mais: “Você vai gostar, aqui tem mais gente, lá está deserto”. Ri. Dei uma força. Melhor que comprei dois cachorros e uma coca.
Andei para a direita e encontrei o Lenyr na arquibancada. Temos visto jogos juntos desde 2018, uns 15. Por incrível que pareça, o Flu nunca perdeu nesta amostra. Incrível. Mas a vida não perdoa distrações: splooooft! O copo de coca em cima da cadeira azul e os 400 ml da cara bebida vão ao concreto. Os cachorros estavam gostosos. Tudo bem.
Chegam o Vinicius e o Miguel, pequenininho. Tiramos fotos, começamos a ver o jogo. Eu fui o Miguel um dia, o Vinicius foi meu pai um dia. Eu vou ao Maracanã também para procurar meu pai, num estádio que é outro, num tempo que é outro e sigo as dicas de Kfouri: começou a partida, volto a ter onze anos de idade. Por um instante, todos são Paulo Goulart, Edevaldo, Tadeu, Edinho e Rubens; Deley, Gilberto e Mário; Robertinho, Cláudio Adão e Zezé. Nelsinho. Podia ter Miranda, Cléber, Carlinhos, Fumanchu, um pouco antes.
O Marcos Felipe, sempre seguro, Matheus Ferraz também. A bola sai sempre bonita. Nenê indo e vindo. O problema é que a Portuguesa cresce e tenta o gol, fica mais tempo no nosso campo. O Miguel vendo tudo com seus olhos infantis de cinema. Ele é o futuro. Intervalo, zero a zero, melhor não falar do ataque.
Vem a Gabriella, linda que só ela, simpática que só ela, inteligente que só ela. Senta conosco, conversa, ri. Ela está em seu aquário natal, foi criada no estádio. Depois volta para ciceronear o primo, linda que ela só, os filhos absolutamente tricolores. Simpatia.
O que nos restava? O último vestígio do velho Maracanã: migração para o ataque. Que saudade daqueles tempos lá em cima! Deu certo: sentamos, o 31 sofreu pênalti, Nenê bateu com categoria. Logo depois o Gilberto fez o segundo, desafogou tudo, virou mar da tranquilidade. Tinha entrado o nosso outro Miguel, que acabou com o jogo e distribuiu categoria, um garoto de 16 anos. Eu, que tenho 11, arregalo os olhos pra ver lances de categoria e vejo nele os mesmos traços de muita gente boa que levou o Fluminense aos céus. Ele precisa ficar dez anos nos clube, foda-se que é impossível.
O jogo acaba. Só deu Miguel no campo e na arquibancada. Eu pensei que daria cinco mil pessoas, veio o dobro. Antes do fim, Fausto Fawcett, Toni Platão e Dado Villa-Lobos riam de tudo e trocavam apertos de mão – eles também tinham ali 11 ou 12 anos de idade, talvez vendo Dionísio, Rivellino ou Doval, ou o canto do cisne de Dirceu Lopes. O futebol é isso: você voltar a ser criança e se apaixonar para sempre.
Lenyr foi pra casa, deixamos o nosso Miguel na casa da avó, eu e Vinicius fomos comer o suculento cachorro quente da Dias da Cruz, do saudoso Gaúcho. Vários tricolores por lá. Depois o carro passa pela Radial Oeste, sinto tristeza pelos crackers, vejo a UERJ como em “Luzes da Cidade”, depois passamos pelo Sambódromo deserto e logo chego em casa. Foi uma noite de paz com velhos e novos amigos. Penso na alegria do Marcos, que não vinha ao Maracanã há 25 anos. No Miguel do campo e do nosso Miguel sentado e atento a todas as cores do Maracanã. Ah, Gabriella!
Não acendo a luz. Linda, Marina sorri e diz “O Fluminense venceu!”. Antes de tomar um banho e aproveitar para chorar pelo meu pai, eu lhe dou um beijo e sorrio. Eu vi o futuro repetir o passado. Aquele Fluminense de 1982 ainda vai crescer e dar no que falar, só precisamos de tempo.
Antes do banho, muitas mensagens tricolores no Whatsapp. Tanta gente feliz que se lembra de mim nessa hora, como não ser também feliz por uma noite? Meu pai está comigo. Falta apenas a pizza da Bella Blú.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
#credibilidade
Fotos: Andel
Lindo, Paulo. Você me lembrou que o Seu Lindinor, meu saudoso pai, me prometeu descer do céu e me acompanhar esse ano nos jogos do nosso Flu. Teremos um ano bem mais tranquilo, e espero, ele também, comemorando títulos.
Abraço e parabéns!
Ps: Seu Lindinor tb gostou muito do seu texto.
Puxa Paulo, estava lá na leste com minha filha. Como de costume, demore que venho de Brasília não perco a um jogo do Flu.
Lendo sua crônica me transporto para minha infância nos anos 60,levado ao velho Maraca pelo meu pai.Quanta saudade!
E ainda tenho a felicidade de meu pai estar vivíssimo nos seus 91anos,boêmio e com muita saúde,só que mais ranzinza em relação a esses perebas atuais do Fluminense.