A ópera dos operários (por Walace Cestari)

goldeba 2 pincel

Ato I: O primeiro zero a zero

Cento e dez mil pessoas encheram o Maior do Mundo no dia 12 de fevereiro para ver a estreia de Romário pelo Flamengo. O melhor jogador do mundo em 1994, gênio da bola, vinha para sacramentar os antecipados títulos do centenário do clube da Gávea, todos praticamente contabilizados pela imprensa.

Era o início da Taça Guanabara. Um time badalado contra aquele desacreditado. A imprensa considerou como tropeço. A tenacidade de uma equipe que se recusava a perder começava a brotar. Em campo, a bola não escolheu a grife para se aninhar. Lira quase fez para nós em cobrança de falta. Bola na trave.

Fim de jogo. E Lima parou Romário.


Ato II:
O segundo três a um

Mais um Fla x Flu. O Flamengo engrenava na competição. Vanderlei Luxemburgo era o suprassumo do conhecimento tático da época. As cartas altas eram todas do baralho rubro-negro. Um jogo em que Joel abandonou o carteado e resolveu jogar xadrez com o improvável.

Renato Gaúcho nos alçou a um improvável passo rumo à vitória. Jorge Luís tranquilizava os comentaristas empatando o jogo. Ele mesmo marcaria contra, colocando o Flu no comando do placar. Por fim, Leandro Silva, reserva de Ronald, fecharia o caixão rubro-negro, deixando de boca aberta todos os que acreditavam que alguns nomes eram maiores que milhões de corações.

Fim de jogo. Os operários começavam a revolução.


Interlúdio:
Oito escudos e um destino

Havia um octogonal para sacramentar o que seria a épica comemoração do centenário rubro-negro. Assim, com pompa e circunstância, três pontos de bonificação já faziam do Flamengo o líder antes de a fase começar. Vasco e Botafogo, com um ponto extra cada, completavam o elenco escolhido para o roteiro. O Fluminense, coadjuvante, entrava na disputa como os demais figurantes, sem ponto algum.

O octogonal mostrava que a empáfia não era a melhor das companheiras. Depois de um seis a zero contra a Entrerriense e um três a um contra o America, o Clube de Remo empatava com o Bangu e Volta Redonda, além cair frente ao Botafogo.

Nosso início de certame serviu para confirmar o que os críticos diziam de nós. Zero a zero contra o America, derrota pelo placar mínimo contra o Botafogo. Daí em diante, era vencer ou vencer. Contra tudo. Contra os números, contra todos. E isso sempre foi o que soubemos fazer de melhor.


Ato III:
O terceiro foi quatro a três

Sexta rodada. Uma pressão sobre o campeão antecipado. Começava uma batalha épica. Sem dar tempo para qualquer piscar de olhos, Mazinho, com um minuto de jogo, colocava o rubro-negro em vantagem. Antes dos dez, Renato era derrubado na área. Era o empate. Era Ézio, Super Ézio. O super-herói de todas as nossas saudades.

Aos 17 da etapa inicial, Sávio colocava a Gávea à frente de novo. As órbitas dos planetas voltavam aos locais certos. O mundo era novamente entendido pelos especialistas da bola.

Mas o primeiro tempo era infindável. Em um lançamento que desafiava as leis da física, o tempo parou para assistir a Renato Gaúcho encobrir o goleiro Roger, fazendo poesia no encontro da bola com a rede para empatar a disputa.

Marquinhos, depois de enorme confusão na área, batia o martelo: o primeiro tempo era deles. 3 x 2. Nunca mais o Flamengo comandaria o placar até o final do campeonato. Do banco, viria Rogerinho que, duas vezes, faria o Maracanã assistir ao impensável. Virada guerreira. Os operários estavam em marcha. As ruas eram nossas. O “mais querido” era todo surpresa e terror.

Fim de jogo. O improvável era agora possível.

FLUMINENSE 1995 ESCUDO CHILLER PEQUENO

Grand Finale: Ame o Rio

O solstício de inverno de 1995 veio em 25 de junho. O sol atrasou-se em seu caminho porque precisava ver de perto o que aconteceria no Mario Filho, jornalista rubro-negro que dá nome ao estádio. Nelson, seu irmão, sentava-se em nuvens do outro lado da abóbada celeste, pronto para a escrever como realidade a maior crônica que já imaginara.

E foi assim, com roteiro de Nelson Rodrigues que aconteceu aquele jogo. Cada lance, cada gol, cada explosão de sentimentos, cada expulsão. Tudo milimetricamente articulado, calculado e escrito pelo gênio da dramaturgia brasileira.

Uma tragédia redentora em quatro atos. Uma peça escrita nos confins celestiais para ser encenada em quatro linhas. Bravo, bravíssimo. Um roteiro cujo teor ainda é odiado por mais de oitenta mil rubro-negros. Um script feito para menos da metade dos espectadores do teatro. Um final surpreendentemente igual: a superioridade inexorável em três cores. Mais uma vez, agora em pleno centenário rival, os operários em três cores foram a História.

Fim de jogo. Fim de tudo. O campeão é o Pó de Arroz.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: pra

DE OSWALDO GOMES A FRED 22 06

 

2 Comments

Comments are closed.