A Champions, a Globo e o Flu (por João Leonardo Medeiros)

João Leonardo

Usem o eufemismo que quiserem, digam que o jogo foi pegado, que foi uma partida desgastante, que final é sempre assim. A verdade, no entanto, é uma só: a final da Champions League foi horrorosa tecnicamente. Os dois times não jogaram absolutamente nada, teve um festival de bordoadas, o goleiro do Atletico tomou um peru bizarro, seu time amarelou perdendo dois pênaltis, e foi justamente essa a verdadeira razão da vitória do Real. Capítulo à parte é aquele zagueiro Pepe, do Real, cujo “estilo” de jogo lembra muito o do nosso campeão Leandro Euzébio, ou seja, bola alta e paulada na canela. O juiz omisso não botou o brucutu para fora.

Em suma, o que quero dizer, de saída, é o seguinte: se aquela partida final da Champions representa o melhor futebol do mundo, realmente estamos numa era complicada. Coitados dos jovens de hoje, que não puderam ver, aqui no Brasil e lá fora, jogos de verdade, craques em cada time, campeonatos com diversas ótimas equipes e não uma ou duas.

O que isso tem a ver com o Flu? A mediação está na Rede Globo de televisão. A Globo tem feito, nos últimos anos, uma promoção da Champions absolutamente desproporcional à campanha de divulgação e venda do principal produto do futebol brasileiro, o campeonato da série A. Para ilustrar rapidamente: o principal narrador da emissora narra a seleção brasileira e a Champions, mas não é escalado jamais para o Brasileiro. Lembro dele ter narrado nosso jogo decisivo com o Palmeiras em 2012, o que talvez se explique por um pedido do filho tricolor. Mas é só e já se vão quatro anos.

Alguém vai dizer, já sei: é isso que o povão quer ver, jogos de melhor qualidade. Ledo engano. Na verdade, o futebol brasileiro foi depauperado pelo esquemão Fifa-CBF-meios de comunicação, já comprovado por investigações de polícias de vários países, a ponto de tornar-se o que é hoje: um zero à esquerda, ou um sete a um à esquerda, como queiram. Por outro lado, a cultura de acompanhar e comprar, consumir, o futebol internacional foi cultivada durante anos até que houvesse no Brasil mais torcedores do Barcelona do que de muitas equipes tradicionais.

A Globo, principal emissora do país, está na dianteira do processo, isso é cristalino. Não sabemos se participou diretamente do esquemão corrupto da Fifa e da CBF de que falam as polícias do mundo, mas seria ingênuo imaginar que desconhecesse por completo o que acontecia. A Globo tem sido negligente, por exemplo, com relação à venda da seleção brasileira para empresários, processo tão óbvio que ninguém mais no país realmente se interessa pelo time de camisa amarela.

Não é a única coisa que a Globo tocou e transformou em lixo. Ela parece ter, na verdade, um toque de Sadim (Midas ao contrário). Ou um toque de Merdas, com o perdão da palavra. A Globo meteu a mão no carnaval das escolas de samba do Rio. Morreu. Meteu a mão nos programas infantis. Morreram. Meteu a mão no cinema nacional com a Globo Filmes. Morreu. Meteu a mão na Fórmula Um com a aquela campanha ufanista comandada pelo Galvão. Morreu. Até as novelas e minisséries, antigo carros-chefe da emissora, estão mal das pernas. Sua grade de programação é risível, sobretudo aos sábados e domingos. Considerando o histórico, até que demorou para a Globo matar nosso futebol.

O que isso tem a ver com o Fluminense? Tudo. O Fluminense deu dois azares: primeiro, representa a tradição do futebol brasileiro, que teve de ser atacada para inflar o futebol internacional; segundo, o Flu tem sede na mesma cidade que a Globo, mas a família proprietária da emissora veste outras cores, como qualquer um pode perceber em seu noticiário. Não somos o único clube tradicional do Brasil, nem o único grande do Rio a competir com o Flamengo, é verdade. Mas somos certamente o time mais tradicional do país, o verdadeiro primeiro clube grande do Brasil e, como se sabe, a única pedra autêntica no sapato do Flamengo. Quando a Globo, tevê, nasceu, durante a ditadura à qual prestava declarado apoio, o Fluminense era sem dúvidas o clube mais importante do país, em que se pese a importância contingente de Pelé e Garrincha em seus respectivos times. Àquela época, para fazer do Flamengo a potência que veio a ser do final da década de 1970 em diante, era preciso matar o Fluminense e, com ele, uma parte da história do nosso futebol.

Quando vocês viram, na Globo, uma celebração pela primeira partida da seleção nas Laranjeiras, um reconhecimento efetivo de nossa contribuição para o surgimento do futebol no país? Quando vocês viram bem contada a história do surgimento do Flamengo, ou do desenvolvimento do futebol no Vasco, time que jogou em nosso estádio durante seus primeiros meses de vida? Quando vocês viram alguém dizer que o primeiro gol da seleção foi marcado por um tricolor ou que a primeira medalha olímpica do Brasil foi conquistada por um atleta do Flu? Até Telê, um dos maiores torcedores, atletas e treinadores do Fluminense em toda sua rica história foi reduzido ao Telê do São Paulo e da seleção perdedora de duas Copas.

Na imagem pública forjada pela Globo, suas afiliadas e seus concorrentes, somos racistas, viradores de mesa, armadores, antiquados. O Fluminense resiste, no entanto. Hoje, com a mídia alternativa conseguimos enfrentar as campanhas públicas de desqualificação do clube, divulgar nossa história, celebrar nossos feitos. 30 anos atrás, quando eu era garoto, isso não era possível, de maneira que uma geração inteira, hoje entre 30 e 55 anos, cresceu sem saber a dimensão do Fluminense.

A parte dessa geração que é tricolor hoje está mais consciente. A parte dos adversários vem perdendo seus argumentos. Uma das coisas boas da história é que ela sempre vence no final. Ela se repete, como farsa, como tragédia, como for, mas sempre vence. O tempo passa, mas não a história. E, como se diz lá em casa, nós somos a história.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: med

8 Comments

  1. Aos leitores e comentadores,

    hoje estou na aprazível cidade de São Bernardo do Campo, trabalhando, evidentemente. Estou com tempo limitado para acessar e responder emails e comentários, de modo que deixo aqui, novamente, um sincero agradecimento pela audiência e comentários, inclusive no caso das discordâncias (alô, Marcelo). Apenas lamento o erro crasso de português do último parágrafo, pelo qual me desculpo.

    ST,
    João

  2. Ninguém vai buscar as ” tradições” na hora de rcb seu quinhão da globo, né.
    para um cara mais velho como eu; o futebol carioca sempre teve suas particularidades na época que éramos guanabara. Com os 5 grandes. Incluindo o América.
    Depois que passamos a Rio de Janeiro de caiu o futebol carioca.
    Todos os Clubes grandes contribuiram para a grandioso futebol brasuca.

  3. Hola;

    Muito bom! Sobretudo na passagem “o tempo passa, mas não a história”. Por isso o esforço deles de não tratar dos temas históricos citados, pois “nós somos a história”.

    ST

  4. texto bem lúcido, embora não acho que globo fomentou essa exaltação aos campeonatos estrangeiros. ela está sendo oportunista e surfando na onda que foi surgindo. isso começou na tv fechada. a band já transmitia campeonato italiano nos ano 90 (maradona, careca) e não deu sequência. não houve alarde nem esse interesse todo que existe agora, pois o futebol de outrora ainda era de qualidade e prendia a atenção dos brasileiros .

  5. Na fila do gargarejo (porque área vip é para os idiotas), aplaudindo de pé!
    Nós somos a história!

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