Antigamente era mais divertido, pelo menos sobre o fim da temporada no futebol. Como não havia internet, os jornais chutavam barbaridades apontadas como reforços. Hoje, não: tudo é on line, direto e reto, que tira um pouco do lúdico e traz a realidade crua.
No caso do Fluminense, crua e duríssima. Encantada com terceiros lugares e campanhas dignas, parte da torcida tricolor sequer contesta o fato de que, há anos, o clube não contrata um único jogador que seja protagonista em seu clube de origem. Geralmente o foco está em reservas, figurantes e até mesmo desconhecidos que imediatamente são alçados à condição de reforços, ou seja, jogadores melhores do que os atuais titulares.
Interrompo as férias brevemente e leio que o Fluminense pagará, ou pagou, 1,5 milhão de euros por 50% dos direitos federativos do lateral direito (reserva) Guga, do Atlético Mineiro. O bravo jornalista José Ilan publicou uma comparação em seu Twitter que, no mínimo, deveria fazer pensar: Pedro Raul, jovem atacante do Goiás e destaque do campeonato brasileiro acaba de custar ao Vasco 2 milhões de dólares por 100% dos direitos federativos.
Há menos de um ano, o zagueiro David Duarte, anunciado como o novo Ricardo Gomes pela direção, foi contratado alla Uram. Com poucas atuações, deve ir para o Bahia e será substituído pelo zagueiro Vitor Menezes, que se destacou pelo Juventude. O problema é que o destaque coincide com o rebaixamento do time gaúcho, último colocado no Brasileirão 2022.
O Fluminense traz Flávio Tenius, um dos maiores profissionais de treinamento de goleiros no Brasil. Contava com um excelente goleiro de 26 anos, que foi destaque no Brasileiro de 2021 mas barrado por decreto por um veterano de 42 anos que, em muitas ocasiões, falhou na temporada de forma grotesca com seu delay em todas as bolas, mas contou com a grande generosidade da imprensa esportiva, louvando-o como um verdadeiro Deus das três traves – a própria torcida, acostumada a uma paciência de Jó, não lhe poupou vaias no final. Num circuito racional, o foco do trabalho de Tenius seria o goleiro de 26 anos, a ser trabalhado para jogar uma década pelo Flu. O que acontece? Ele será emprestado, não receberá trabalho nenhum e o foco será no veterano… Evidentemente falei de Marcos Felipe e Fábio.
À essa altura, o grande drama tricolor está em perder Keno, importante jogador que há mais de um ano não se destaca em alto rendimento, cercado por contusões. Os tricolores mais bem humorados se divertem com um possível ataque formado por Cano e Keno. O Bahia está de olho…
Com John Kennedy chutado para a Ferroviária e Matheus Martins vendido, a reserva de juventude do ataque do Fluminense está nos pés de Marrony, 23 anos, cinco temporadas, 16 gols, média de 3,2 gols por ano profissional. O último foi em 2021.
A um mês do início da campanha do bicampeonato carioca, decretado pelo venerável presidente do clube (assim como a conquista da Libertadores 2023), estas são algumas das fotografias. É direito do torcedor querer o melhor para o Fluminense, a ponto de inclusive recusar críticas preliminares com o argumento de que é preciso deixar o trabalho acontecer. No entanto, o que não dá é fugir dos fatos para viver uma fantasia psicodélica particular, ao menos para quem quer ter sua análise respeitada sobre o universo tricolor atual.
Agora é aguardar outros contratados, quem realmente será ou não reforço e se o Fluminense encerrará a série de onze anos sem títulos de maior expressão no continente. A não ser que surja grande dinheiro novo até janeiro, há indícios claros de enfraquecimento do elenco tricolor, disfarçados pelo amparo midiático de sempre.
Que Arias, Ganso e Cano se mantenham em alto nível e segurem as pontas, porque o Flu vai precisar.
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PS: até o presente momento, Willian Bigode continua no clube. Surgiram rumores de sua saída, mas nada de concreto ainda. Já Felipe Melo segue no Fluminense porque nenhum outro clube o cogita como profissional, ainda mais como reforço. Os dois jogadores custam perto de 1,2 milhão de reais mensais ao Fluminense, verdadeira máquina de jorrar dinheiro fora em suas torneiras. É que o “trabalho” tem que continuar…
PS2: o Fred não vai te pegar. Ele já te pegou. Acorda!
PS3: Janio de Freitas é o maior jornalista brasileiro vivo e uma fonte de inspiração permanente para este PANORAMA. Sua saída da Folha de São Paulo rememora uma sátira de Millôr Fernandes, eterno tricolor: “O navio abandona os ratos”.