Estatísticas no futebol e no Flu: importância e bravatas (por Paulo-Roberto Andel)

O tema é de grande complexidade e, por isso mesmo, não cabe numa coluna. Assim sendo, o que deixarei aqui é um convite a quem leia para que reflita sobre o exposto.

Em primeiro lugar, que fique evidenciado: Estatística é uma ferramenta científica fundamental para o estudo, a análise e a tomada de decisões em todas os setores da sociedade e, no futebol, não poderia ser diferente.

Segundo, no futebol brasileiro a Estatística virou uma verdadeira febre, ainda que tardia. Com isso, naturalmente há quem faça o uso responsável das técnicas científicas e, como acontece com praticamente tudo, há também quem pratique o exercício da chutometria. E então o cotidiano do futebol se alterna entre dados que, uma vez analisados e agrupados, podem fazer sentido e ganhar importância, contra outros que só servem para alimentar manchetes caça-likes – melhor dizendo, também para levantar o moral de jogadores de baixa produção, mas com agentes influentes. Como na internet tudo é massivo, diariamente se pode encontrar besteiras transformadas em sofismas com “comprovação estatística”, celebradas e depois descartadas porque tudo é efêmero.

Estatística pressupõe método, pesquisa, análise, testes, série histórica, ocorrências x não ocorrências e outros fatores para que possa oferecer dados definitivos sobre o objeto de estudo. Em suma, é exatamente o contrário do que se faz para alimentar as manchetes mencionadas no parágrafo anterior.

Um exemplo típico.

Sai no jornal: “Com Fulanelson em campo, o time do Periquitão não perdeu em 2022”.

Naturalmente, o principal objetivo de tal sentença é valorizar a presença de Fulanelson na esquadra periquita.

Bom, mas quando se fala de 2022, é preciso investigar o que significou a amostra dos jogos em que Fulanelson atuou, até para uma avaliação substanciada.

Esteve em partidas contra adversários de maior peso? Foi decisivo de janeiro até a metade de maio, onde estamos? Dentro de sua posição, obteve estatísticas significativas de alto rendimento? Por alguma razão, sua escalação ou entrada em campo no decorrer de uma partida melhorou a atuação do Periquitão num todo? São mais do que perguntas, mas reflexões a serem feitas para uma avaliação realmente séria.

Outra armadilha muito comum no mundo do futebol, com o objetivo de tapear o torcedor, é a inferência falsa. Trata-se da dedução de um dado ou fenômeno com base em premissas erradas e amostras enviesadas, generalizando particularidades específicas.

Um exemplo típico: Ferrolino tem dez anos de carreira como meio-campista e não há estatísticas significativas de sua qualidade no passe, por incrível que pareça, embora tenha jogado em sete ou oito times. Então vem um jogo corriqueiro e, contrariando toda a sua carreira, Ferrolino acerta um passe esplêndido que resulta em gol para o time do Prepucinho. Terminada a partida, pululam as manchetes sobre a jogada genial de Ferrolino e logo surge algum blogueiro que, por motivos pouco republicanos, sacramenta: “Ele foi genial: 100% de eficiência na assistência”. Acontece que Ferrolino deu seu único passe certo justamente naquele lance… E a exceção vira regra.

Amostra de um jogo e um lance. Você pode até achar graça, mas esta é uma barbaridade que acontece com maior frequência do que se imagina. Pode ser qualquer coisa, menos um procedimento estatístico. Que profissional do ramo validaria algo assim? É difícil crer.

O time do Jabaculênico fez muitas contratações na temporada, praticamente todas com jogadores coadjuvantes em idade avançada para o futebol profissional. Jeniocildo Pirambeira, respeitado jornalista com milhares de seguidores, fica irritado com as críticas ao Jabaculênico e vocifera: “Parem de torcer contra: o time do Jacareceoso acabou de ser campeão e tem a média de idade igual à nossa!”.

Como assim, cara pálida? Os dois elencos e times titulares são iguais? A condição física de cada jogador de um time é igual à de seu correlato na outra equipe? Mais um erro crasso: pressupor que, no futebol e até na vida, a média de idade idêntica é estimador exclusivo suficiente de rendimento atlético de conjuntos distintos.

Já parou para reparar que, em diversos casos, para não dizer muitos, as manchetes de afirmação positiva muitas vezes são direcionadas a jogadores, treinadores e até mesmo dirigentes que sofrem grande rejeição da própria torcida? Nestes diversos casos, seria apenas uma incrível coincidência ou uma autêntica troca de favores entre os poderes, num autêntico “toma lá, dá cá”? É algo que gera muita desconfiança nos bastidores do combalido futebol brasileiro…

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Vamos falar de Fluminense e de seu maior ídolo no século XXI como exemplo.

Nos dez jogos finais do Brasileiro de 2010, um ponto culminante do Flu no século atual, Fred fez um único gol, ainda assim contando com o generoso azar de Rogério Ceni.

Pergunta-se: essa amostra diz o que foi a carreira de Fred no Fluminense?

Evidentemente que não. Ela foi muito superior a esse intervalo.

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Assis tem 57 gols com a camisa do Fluminense.

Fred tem praticamente 200.

Fred é maior do que Assis?

Dependendo da amostra de entrevistados, sim. Respeito essa opinião, mas não acho.

Fred é mais artilheiro do que Assis? Sim.

Assis foi mais decisivo do que Fred? Sim. Ou não. A conferir.

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Outro exemplo ainda envolvendo o grande ídolo: Fred está entre os maiores artilheiros da história do Fluminense. Também é disparado o que mais bateu pênaltis e o que mais perdeu.

Ter cobrado mais pênaltis o torna menos artilheiro do que os demais? Não.

Ter cobrado mais pênaltis o favoreceu na estatística documentária? Sim.

Ter perdido vários pênaltis diz o que foi a carreira de Fred no Fluminense? Isoladamente, não.

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Castilho defendeu 15 pênaltis pelo Fluminense.

Cavalieri defendeu 16.

Dois grandes goleiros tricolores, campeões.

Imaginem uma manchete com os dizeres “Cavalieri é maior do que Castilho”…

É fácil perceber como a Estatística, mal empregada por imperícia ou má fé, pode levar a caminhos tortuosos e injustiças.

Há muitas e muitas variáveis em jogo, muitas subjetividades e talvez o mais difícil seja não confundir amostras consistentes com recortes de ocasião.

Todos os sites e aplicativos de Estatística Documentária e medidas de posição são extremamente importantes e imprescindíveis. Agora, a leitura de seus dados deve vir acompanhada de outras análises científicas para um resultado razoável. Amostra não é pegar um trecho de agrado sentimental ou comercial para engambelar os outros.

Infelizmente o que mais se vê em setores da chamada imprensa segmentada tricolor – e na convencional também – é o amassar da ciência em nome do campeonato de quem tem razão, que pode ser esticado e alterado conforme o gosto do freguês. Tudo para dar razão às próprias teses, talvez por conta de vaidade oca ou outras razões menos republicanas, mas longe do uso correto do ferramental estatístico.

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Por fim, o que este cronista espera de um jornalista com ênfase em análise estatística documentária é a abrangência destas peculiaridades.

Seja o exemplo de Wellington, que fez uma boa partida em Volta Redonda na semana passada, e que também é criticado por boa parte da torcida (justamente) por suas atuações claudicantes.

Jogou bem na vitória sobre o Athletico? Sim. Sem dúvida alguma. Parabéns.

Isso é uma constante em sua carreira no Fluminense e em seus clubes anteriores? Não. Basta pesquisar.

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O erro na ausência dessas avaliações, por exemplo, é que premia Caio Paulista. Também na semana passada ele deu um belo passe que resultou em gol.

Excelente. Mesmo.

Mas qual é a constância de atuações do jogador neste sentido? Zero.

Qual é a série histórica? Nenhuma.

Alguém se lembra de cinco passes decisivos do Caio Paulista em duas temporadas e meia?

São reflexões e respostas que vão além da mera reprodução de dados em amostras enviesadas.

Como se pode imaginar, houve muito mais recortes de ocasião, com as mais diversas finalidades, do que o verdadeiro mapeamento do jogador.

Por exemplo, quem lucra com uma manchete hiperbólica de um jogador que, por mais que se esforce, não possui grande atributo técnico? Quem lucra com a tentativa de manipulação da opinião pública?

Quem?

O clube e sua torcida que não são…

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Alguém se lembra do zagueiro Rafael Ribeiro, hoje no Náutico, que ano passado defendeu o Fluminense em UM JOGO (0 x 3 Portuguesa) pelo Carioca 2021?

Tentando compreender: um jogador contratado com base em mapeamento estatístico, que ficou por UM JOGO e foi devolvido?

Alguém sabe dizer as estatísticas sobre o jogador Gustavo Apis, também de passagem relâmpago pelo Tricolor, já devidamente hospedado no CRB?

As gestões passaram e os fenômenos se repetiram: é uma longa linhagem que retrocede em nomes como Egídio, Danilo Barcelos, Kayke, Kelvin, Júnior Dutra, Bruno Silva, Hudson, Felippe Cardoso, Lucão do Break etc…

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Caros amigos, a Estatística deve ser celebrada e praticada o tempo inteiro, mas não custa lembrar de que ela se parece muito com remédios de receita controlada: tem posologia, indicações precisas, contra-indicações e, em casos graves de imprudência, pode levar a desastres definitivos. Tudo deve ser devidamente indicado por um profissional do ramo. Exige responsabilidade e não bravatas.

Ninguém precisa ser formado em Estatística para discutir o tema dentro do futebol, mas sem embasamento elementar dos conceitos de parametrização, amostragem e processos estocásticos, mesmo que com linguagem simples e acessível, o resultado final do relator despreparado tenderá a ficar sempre mais próximo do achismo, do sofisma barato ou da vontade pessoal, que podem garantir a vitória num debate de mesa de bar ou numa rede social, mas não num cenário corporativo/profissional onde prevaleça o critério científico, transformando lances de ocasião em trajetórias vitoriosas de brinquedo. Amamos o Fluminense mas o futebol é profissional.

Ah, o torcedor tem o direito de dizer o que quiser. Sim, sem dúvida tem, mas também arca com a eventual pecha de charlatanismo esportivo como réplica. O mesmo vale para o repórter, o articulista, o blogueiro, o jornalista, o escritor e todos os eventuais envolvidos na emissão de opinião pública de massa.

Esta coluna foi publicada às vésperas de um jogo importante justamente para fazer pensar. Todos queremos que o Fluminense vença seus jogos e atue bem, mas as vitórias com lances supervalorizados deveriam nos fazer pensar, porque numa amostra de dez anos elas se repetiram em arrobas, mas o resultado final é de apenas um título importante no período, o do Carioca deste ano de 2022.

Que tudo dê certo diante do Unión logo mais. Precisamos muito de uma grande vitória para manter acesa a chama da classificação na Sul-americana.

Por fim, se você chegou até aqui com muitas dúvidas sobre que procedimentos estatísticos sérios validaram contratações e manutenções como as de Cris Silva, Samuel Xavier, Willian Bigode, o próprio Wellington, Felipe Melo e Caio Paulista, para ficar somente em 2022, meu muito obrigado por participar dessa corrente de reflexão.

Paulo-Roberto Andel é bacharel em Estatística pela UERJ, 1994. Foi responsável pela elaboração de boletins mensais de Economia e Estatística do SINDUSCON-RIO entre 1995 e 2018, onde também foi o profissional responsável pelo cálculo do CUB – Custo Unitário Básico, regulador de custas cartorárias de imóveis no Estado do Rio de Janeiro, além de colaborador regular da Sondagem Conjuntural da Construção Firjan/CNI.

2 Comments

  1. Perfeita coluna.
    Eu só quero ter o direito de poder dizer livremente que Fulanelson é um jogador mediano e que há jogadores melhores no elenco, inclusive na base (Fulgêncio e Tiberíades), e poder dizer que Fulanelson fez um bom jogo e deu um lindo passe para gol do Periquito Futebol Clube, sem que torcedores pró-Fulanelson ou Anti-Fulanelson tentem me convencer do contrário.

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