Editorial – O culpado tem nome sim: tatu

Há exatos quinze dias, numa atuação irrepreensível em Volta Redonda, o Fluminense conquistou a Taça Guanabara. Embora o time tivesse problemas nítidos de escalação e condução – especialmente o da imposição de veteranos como titulares -, especialmente nas partidas da pré-Libertadores, os resultados vieram. A vitória provocou até uma declaração exagerada de Abel Braga, algo como “Se não está bom com dez vitórias, não sei quando estará”. De toda forma, o treinador era apontado pela imprensa esportiva como alguém que se reinventou e estava mostrando resultados.

A alegria pela Guanabara imediatamente acendeu o captador de flashes e holofotes que o presidente do Fluminense parece carregar consigo. Pegou a bandeira de sua torcida e saltitou em evoluções serelepes pelo gramado. Por mais que o gesto pareça inadequado, muitos defenderam que se trata de um torcedor com direito à folia, embora o argumento caia por terra quando se sabe que a torcida tricolor não poderia invadir o gramado.

Vencer é sempre bom, mas é preciso cuidado para impedir que eventuais vitórias sirvam para varrer erros para debaixo do tapete. Um dia a sujeira varrida volta.

Desde sábado, o Fluminense virou um pugilista anônimo enfrentando Mike Tyson há 30 anos: apanhando por todos os lados. A desastrosa negociação de Luiz Henrique, feita simultaneamente às contratações de jogadores caros e em final de carreira, soou como uma bomba na torcida tricolor. Por fim, o nocaute veio diante do time mediano do Olimpia, depois de uma partida horrorosa.

Num súbito, o incensado Abel virou símbolo de futebol ultrapassado e responsável quase único pela eliminação na pré-Libertadores. Não há dúvidas dos equívocos do treinador, que não são de agora, mas o que está por trás disso é outra coisa: simplesmente tirar qualquer foco de responsabilidade do verdadeiro culpado pelo caos que tomou as Laranjeiras, inclusive o financeiro travestido de “boa gestão”, incapaz de resistir ao dinheiro de um modesto clube espanhol.

Quinze dias depois, ficaram de lado as evoluções no gramado. À primeira derrota, ao primeiro fracasso, o presidente do Fluminense, que acumula desastrosamente as funções de um Vice-presidente de futebol, optou pelo silêncio sepulcral, saindo do aeroporto com sua entourage de seguranças e deixando o ruído para que jogadores e treinador resolvessem. Mesmo com a fúria da torcida, Abel e Felipe Melo se dispuseram a falar com os torcedores.

Perder e ser eliminado de uma competição faz parte do futebol. Todos os grandes clubes já passaram por isso. O problema do Fluminense é estar há quase dez anos sem títulos relevantes, além de eliminado de seu principal objetivo na temporada.

O Fluminense não foi eliminado da Libertadores por causa de pênaltis ridículos, um gol perdido, um gol roubado ou outro incrivelmente dado ao Olimpia no primeiro jogo. Não. O que o derrotou é a mistura de arrogância, fanfarronice e lesa-pátria que dominam o clube há dez anos e se intensificaram a partir de 2019.

O que derrota o Fluminense são os milhões de reais irrecuperáveis gastos na contratação de jogadores como Caio Paulista e Cristiano Silva, isso para poupar os veteranos.

O que derrota o Fluminense é rifar seus melhores jogadores por tostões, enquanto jogadores em decadência ou de péssima qualidade custam uma fortuna, assinada por paspalhos que dizem que a torcida não assina cheques – ela “apenas” banca os rombos.

O que derrota o Fluminense é um mar de gastos para agradar os amigos do poder, sem qualquer contrapartida para o clube.

Afinal, quem lucra com isso?

Diante de todo este cenário, o Olimpia é apenas um detalhe.

Ah, sim, o discurso oficial está pronto: foco na segunda divisão da Libertadores e campanha digna no resto. Ainda temos o Carioca, hoje enfraquecido e desprezado por boa parte da claque presidencial, mas que se tornará o maior campeonato de todos os tempos caso o vençamos.

O principal culpado não é Abel, nem Fabio, Felipe Melo, Gabriel Teixeira, Nino ou qualquer outro.

Na verdade é o presidente do clube, o mesmo que faz folguedos no vestiário, papagaiadas nas vitórias e vira um tatu nas derrotas.