Há tempos, o Fluminense tem um autêntico camisa 10 no elenco. Mas Ganso, que foi craque com Neymar no Santos há mais de uma década, chegou apenas com o nome e um salário alto. Nunca jogou, nunca foi útil e continua como uma eterna opção. Se tornou um enfeite na prateleira do vestiário tricolor. Fica ali, ostentando seu nome e vendo a molecada de Xerém crescer. Há tempos, o Fluminense é um time arame liso, com extrema dificuldade em criar jogadas e fazer gols. Um dos motivos que dificultava o time do ano passado, por exemplo, na tarefa de criar jogadas, era a ausência de um meia criativo para atuar entre as linhas do adversário. Roger Machado, já no desespero iminente da demissão, contra o Barcelona do Equador, tentou fazer a utilização de Ganso. Porém, além de ser tarde demais, o camisa 10 tentou uma bicicleta, caiu de mau jeito e quebrou o braço.
Como temos um 10 de enfeite, que quem sabe possa um dia ajudar em algo, era latente a necessidade de contratar um meia criativo de verdade, o cara da visão, do talento refinado, do último passe. Ontem, na semifinal do Mundial de Clubes, o Palmeiras enfrentava um 5-4-1 que não passava nem vento. Dudu, jogando entre as linhas, resolveu o problema com visão de jogo e um passe sutil genial que colocou Veiga em condições de marcar o gol. Fazer o primeiro tento mudou a história da partida e o Palmeiras está na final contra o Chelsea. É desse jogador que o Flu precisa. Há tempos. Para tanto, o Fluminense tentou Ricardo Goulart. Com o entrave nas negociações mirou em Nathan e o trouxe para exercer a função. Mas Abel praticamente definiu o time da Pré-Libertadores sem Nathan. Contra o time de remo, ainda mais após a vitória, fica sacramentado o 343 sem o meia de criação.
Ao final do FLU-fla, Abelão declarou que em alguns esquemas o camisa 10 não se faz necessário. Meia de ligação somente em algumas situações, ou seja, na famosa emergência da derrota no segundo tempo. Também declarou que está arriscando no setor de ataque com três jogadores, o que o obriga a ser mais conservador em outro setor, no caso o meio de campo que perde espaço para o camisa 10. O treinador deixou claro que deseja um meio mais pegador para roubar bolas, lutar pelo controle do espaço e, assim, formar um ataque mais poderoso com três homens. Elogiou a versatilidade de Yago Felipe com ênfase, entregando a ele a missão de ser o cara do talento no corredor central do time tricolor. Abaixo, o 343 sem meia de criação, com Yago improvisado na função, que provavelmente será a equipe da Pré-Libertadores.
Lembrando que, no primeiro jogo da temporada, em sua tentativa inicial, Abel Braga escalou o Flu no 3-5-2 com Nathan na ligação e o ataque formado por Fred e Bigode. No segundo tempo deste mesmo jogo, o time chegou a atuar com Nathan no 4-2-3-1. Mas, depois disso, o nosso camisa 10 que usa a 13, começou a perder espaço de forma significativa. O sacrificado contra o Bangu havia sido Luiz Henrique. Ao perceber o equívoco que foi tirar do time sua flecha mais veloz, o comandante tricolor decidiu pelo 3-4-3 vigente, com Yago tentando ser esse homem, apesar de não ter o talento que tal posição exige. Abel prefere a voluntariedade e o fôlego de Yago em detrimento da técnica de Nathan. Também deixou claro que para termos Luiz e Nathan no time, somente em casos emergenciais. Ou teremos um 3-5-2/4-2-3-1 com Nathan (ou até mesmo Ganso) ou um 3-4-3/4-3-3 com Luiz de terceiro atacante.
Essas excludentes de Abel não me agradam. No futebol o talento sempre tem lugar e cabe ao treinador a função de saber encaixá-lo dentro de um equilíbrio tático. Se o Yago pode ser improvisado como meia de ligação quando o Flu tem a bola, por qual motivo o Nathan não pode ser improvisado pelos lados quando o time perde a bola? Samuel Xavier e Calegari não ocuparam essa ala direita com qualidade e isso fornece para o treinador tricolor duas opções que para encaixar Nathan nessa meiuca: ou como segundo volante com Yago na ala direita ou na própria ala, centralizando na fase ofensiva para fomentar o jogo na intermediária do adversário. Não há uma explicação tática plausível que justifique não ser possível ter André, Yago, Nathan e Cris pelo meio e mais três atacantes na frente, entre eles Luiz Henrique. Sem contar que um 3-5-2 com Luiz de segundo atacante no lugar de Fred ou Bigode, com Nathan na ligação, é outra ótima opção que foi ignorada pelo treinador.
Preocupa essa falta de criatividade no meio campo tricolor. Contra o time de regatas vimos muita luta, muita garra e comprometimento. Mas, novamente, ganhamos somente com um gol e na bola parada. Viramos o time do 1×0, da superação e das vitórias magras. Será que precisa ser sempre assim? Impomos autoridade em um clássico em que costumamos crescer e vencer, mas a equipe continua carente de talento, de visão de jogo e do último passe. Quando Luiz Henrique ficou encaixotado no 442 que Paulo Souza desenhava quando seu time perdia a bola no FLU-fla, o time se tornou completamente ineficiente no ataque, afinal, Fred e Bigode precisam receber a pelota em condições espaciais favoráveis para conseguirem a finalização. Se Luiz fica preso sem a possibilidade de criar espaço no drible, falta então aquele passe que surpreende e encontra o atacante livre para fazer o gol.
Nem sempre vamos sair na frente no placar. Nem sempre teremos um gol de cabeça salvador. Logicamente vai chegar a hora em que o time vai necessitar de ter uma proposta de criação de jogo mais eficaz, mais estabelecida e obviamente talentosa. E isso não vem sendo testado nos jogos, ficando a possibilidade de um meia criação jogar somente na emergência, sendo aquele famoso plano B bagunçado. E Abel parece ter desistido do camisa 10, mesmo quando desfaz a linha de três na zaga. Contra o adversário no clássico, ele tentou melhorar a criação do time, mas sem Nathan. Preferiu colocar a equipe no 4-3-3 com três volantes e Yago novamente como o responsável por chegar mais à frente. Abaixo, o supracitado esquema que foi utilizado antes da expulsão de Calegari no segundo tempo do clássico.
Quando Gabriel Barbosa fez o gol que posteriormente foi bem anulado pelo VAR, Abel, na emergência da derrota, chamou o camisa 10 para montar um 4-2-3-1 e buscar o empate. Mas o treinador escolheu Ganso em detrimento de Nathan, mesmo com a intensidade do clássico rasgando em brasa a grama do Engenhão. Fica difícil entender a falta de espaço cada vez maior de Nathan na equipe tricolor, justamente pela carência no quesito volume de jogo eficaz, não aquele falso volume que só fornece chuveirinho na área. A torcida clama e a temporada vai exigir, caso o time queira levantar taças, uma equipe com mais talento para criar jogadas, fazer gols, virar partidas, transformar realidades dentro dos jogos. Quando o talento se torna uma arma para o emergencial, fica subentendido que se resguardar sempre será o privilégio. A questão é preocupante e as excludentes de Abel são desnecessárias. Salve o tricolor!