Fluminense 119 anos: casa de cultura (por Paulo-Roberto Andel)

Todos os grandes clubes de futebol do mundo têm o que comemorar por ocasião do aniversário: o passado, os títulos, os craques, as glórias e histórias tão importantes na vida de qualquer time. E com o Fluminense, aniversariante desta quarta-feira (21), não é diferente. Entretanto, o Tricolor pode se gabar de uma conquista que nenhuma outra agremiação brasileira teve nestes 120 anos: a massa de torcedores apaixonados que brilharam e brilham em todas as expressões da arte brasileira, deixando o segundo colocado com três voltas de atraso.

Tudo começou há cem anos aproximadamente. Tudo bem: até ali, mais ou menos 1920, 21, o Fluminense já havia inventado o goleiro, o ídolo, a torcida, o pó de arroz, a Seleção Brasileira, o chefe de torcida, o estádio e o avião, com Santos Dumont, sócio fundador. Só. Tudo o que você já ouviu falar de personagens assim nasceu no Flu. Cuidava da nossa grama o maravilhoso burro Faísca, símbolo eterno das Laranjeiras. E já havia um ídolo nas letras, Coelho Neto. Mas veio a virada da década e o presidente Guinle, engenheiro da majestade tricolor, ficou encantado pelo som do jovem Alfredo, líder de um conjunto musical chamado os Oito Batutas, colocando-o para tocar no Salão Nobre das Laranjeiras. E foi assim que ninguém menos do que Pixinguinha se tornou um sucesso nacional e no exterior. Antes disso, Oscar Niemeyer já tinha jogado no meio de campo tricolor.

No Rio de Janeiro dos anos 1930/40, os bailes do Fluminense eram invariavelmente os mais cobiçados pela juventude. As garotas se arrumavam com tudo para as grandes festas. Uma delas, jovem e espevitada, chamada Abigail Izquierdo, se acabava de tanto dançar por lá. Não era só prazer, mas talento também. Abigail não deixou barato: transformou-se na grande dama do teatro brasileiro e você a conhece por Bibi Ferreira. Ah, teatro: Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Sérgio Britto e Barbara Heliodora. Que quarteto. Enquanto isso, o Flu ganhava tudo no campo e arregimentava ainda mais torcedores. Nos jornais, o clube era defendido pelo maior dramaturgo da Língua Portuguesa: Nelson Rodrigues.

Nos anos 1950, todo mundo já era Fluminense, o clube foi campeão do mundo, teve presença decisiva nos primeiros títulos mundiais da Seleção Brasileira e, com a Bossa Nova estourando pelo mundo, lá estava o tricolor no peito de Antônio Carlos Jobim. Um dos craques das preliminares tricolores largou os gramados e se meteu em… cinema. Ninguém menos do que Paulo Cezar Saraceni. A seu lado, outro jovem amigo, gênio da montagem cinematográfica: Mário Carneiro. Dois tricolores fanáticos. Nos treinos das Laranjeiras, o jovem Ivan Santanna sonhava com o dia em que seria um dos nossos maiores escritores. A partir de então, ninguém tinha mais dúvida: o Fluminense era – e ainda é, queiram ou não – o time do coração da intelectualidade brasileira.

A seguir, uma longa lista que vai do Movimento Jovem Flu – favor não confundir com a torcida – a músicos como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Fagner, Ivan Lins, Sylvio Cesar, Paulinho Tapajós, Big Joe Manfra, Wilson Moreira, Noca da Portela, Délcio Carvalho, Marquinhos de Oswaldo Cruz, Didu Nogueira, Ernesto Pires, Paulo Ricardo, Dado Villa Lobos, Renato Russo, João Barone, Fausto Fawcett e Toni Platão, isso na MPB. No jazz, o trombonista Roberto Marques, o baterista Roberto Rutigliano, mais três quartos do Quarteto do Rio. Atrizes? Fernanda Rodrigues, Letícia Spiller, Alcione Mazzeo. Atores? João Carlos Barroso, Cosme dos Santos. Crítica de cinema? Marcelo Janot. Ah, Jô Soares! Ah, o mitológico – mesmo – Tião Macalé. Roberta Close!

Acabou o espaço. A lista caberia em mais três colunas. Os 119 anos do Fluminense celebram a história da cultura brasileira.