Amigos, amigas, o senso comum tem repetido incansavelmente que os Café com Leite são favoritos disparados para conquistar o Flamengão. Inclua-se nesse senso comum a mídia tricolor e, inclusive, esse que vos escreve.
No entanto, há que se fazer um questionamento e uma reflexão acerca desse Fla-Flu interminável que se tornou esse ano de 2020. Nós já estamos em julho, no segundo semestre do ano, e, na prática, não há rigorosamente nada que corrobore esse senso comum do qual nós mesmos fazemos parte.
Disputamos quatro partidas no ano. Na primeira, contra a molecada deles, mas com nosso time em formação, foi um sufoco para ganhar de 1 a 0. Na semifinal da Taça Guanabara, com nosso jogo mais definido, pegamos a nata da formação adversária. Já havia algo de estranho, porque fomos buscar o jogo no primeiro tempo, mesmo depois que nossa defesa entregou dois gols para eles.
Voltamos para o segundo tempo qual alucinados, buscando o gol de forma destemina. Levamos o terceiro e tudo indicava um vexame histórico. Odair se saiu com uma estratégia ousada, apertando a saída de bola deles, avançando a marcação e metendo dois rinocerontes na frente: Pacheco e Caio Paulista.
Fizemos o primeiro, fizemos o segundo, tivemos dois gols anulados, um pênalti não marcado e deixamos o lado esquerdo das cabines de rádio atônito, enquanto a torcida tricolor cantava ensandecida. O gol da classificação não saiu, mas quem esteve nos arredores do Maracanã viu o que foi o constrangimento dos rubro-negros.
Veio a semifinal da Taça Rio. Fizemos um primeiro tempo praticamente impecável. Três chances de gol, todas do Fluminense, 1 a 0 no placar e mais quinze minutos de segundo tempo sem sinalizar qualquer mudança no panorama, mas nosso time começou a colocar a língua para fora e abriu mão da bola.
Aí foi um problema, porque eles amaçaram a gente, empataram o jogo e só não viraram porque os Deuses estavam irredutíveis quanto à disputa de uma grande finalíssima. Tanto que inspiraram Muriel, que defendeu dois pênaltis nas cobranças decisivas e deu a Taça Rio ao Prêmio Nobel do Esporte.
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Nada mudou nas opiniões dos especialistas, inclusive nós, para a grande final. São dois jogos para coroar a superioridade dos Café com Leite. Vem o primeiro tempo de hoje, os caras sem Bruno Henrique e Éverton Ribeiro. O Fluminense começa o jogo marcando pressão e provocando erros em sequência na saída de bola rubro-negra.
Estratégia Kamikaze do Odair? Não, o tempo mostraria que era apenas a tentativa de buscar um gol logo no início para descansar o resto do primeiro tempo. O Fluminense recuou e irritou, sem tentar construir jogadas a partir de sua intermediária, ao contrário do que fizera no primeiro tempo do jogo anterior.
Era um tal de ligação direta e um total desprezo pela posse de bola. É claro que isso custaria caro, porque eles tinham Pedro fazendo uma movimentação extremamente inteligente entre as nossas linhas e o Diego estabelecendo um jogo organizado, mas afiado para o lado deles.
Mesmo assim, a estratégia furada quase que deu certo, mas num erro de marcação, acabou que os caras vieram no três contra dois, de frente, e Pedro marcou um belíssimo gol para os Café com Leite.
A minha impressão é de que o Fluminense meio que abriu mão de jogar o primeiro tempo para jogar um jogo fisicamente satisfatório no segundo. Afinal, jogamos o primeiro tempo na quarta-feira e morremos no final em decorrência do preparo físico inferior.
Por que digo que me parece uma estratégia de jogo? Porque o Fluminense voltou para o segundo tempo simplesmente avassalador. Parecia outro jogo. Se o Flamengo dominou o primeiro tempo criando poucas oportunidades de gol, o Fluminense disparou a criá-las em profusão.
Jogadores como Gilberto, Egídio, Dodi, Yago e Nenê se transformaram em campo. O Fluminense adiantou as linhas e engoliu o Flamengo, lembrando aquela semifinal da Taça Guanabara. Não demorou e Egídio cruzou para Evanilson finalizar Diego Alves, que quase fora vazado em uma jogada antológica que envolveu Nenê e Yago, que fuzilou o goleiro após um chapéu no defensor dentro da grande área.
Eu pensava no intervalo, me perguntando o que devia mudar no time, e a única resposta que me vinha era que tinha que mudar a postura, que tínhamos que fazer o que não vínhamos fazendo: jogar. E foi jogando que estivemos muito próximos do gol da virada, mas aí eu lembrava que, apesar de estarmos mais próximos do gol, era preciso tomar cuidado.
Os caras não são campeões brasileiros por obra do acaso. Possuem recursos para as mais diversas situações de jogo. Egídio falhou ao tentar dar um bote em Gabriel junto à linha lateral, quando deveria buscar a recomposição, cercando o adversário, ainda que levando-o à linha de fundo. Mas Egídio tentou o bote, falhou e a defesa ficou aberta. Gabriel cruzou livre para Michael fazer o gol da vitória rubro-negra num momento em que o Fluminense era senhor absoluto e autoritário do jogo.
O que nos leva mais uma vez a refletir sobre a tão decantada superioridade rubro-negra, que nós mesmos admitimos, mesmo que o campo produza evidências contrárias, e o segundo tempo de hoje foi a mais implacável delas. Será que eles são realmente tão favoritos assim como nós acreditamos?
Pois eu digo que parei de endossar essa tese. Sei lá se é a camisa, sei lá se o Odair é um gênio incompreendido ou se o Dodi não é um craque que o mundo ainda não descobriu. O que eu sei é que, depois de quatro jogos, cada vez que a superioridade rubro-negra salta aos olhos o Fluminense trata de apagar essa imagem. E é um fenômeno que nós, analistas, temos a obrigação de explicar, em vez de repetirmos o senso comum.
O que importa é que, depois desses quatro Fla-Flus, nada me parece perdido. Eu acompanho futebol desde as fraudas e posso dizer que não há mais rigorosamente nada que justifique a condição de favoritíssimo do Flamengo. Só não me peçam para explicar o porquê, porque estou tão atônito quanto todo o mundo futebolístico.
O resultado de hoje foi injusto e assim foi nas duas derrotas que sofremos em campo. Como dizer que o adversário é o favorito nessas circunstâncias? Futebol não se joga com nome nem com filosofia de botequim. Em 1980 eu vi o Fluminense campeão estadual quando levamos porrada de todo mundo na Taça Guanabara, ainda que sempre amaçando os adversários.
Vi dois Fla-Flus no Maracanã e não havia nada que espelhasse a lógica corrente de que era o campeão brasileiro enfrentando um adversário com uma camisa pesada, mas com um time de garotos em campo. Acabamos campeões e eles nem para a final foram.
Vamos com tudo quarta-feira! Preparem a cerveja, o amendoim e a garganta, porque alguma coisa parece estar fora da nova ordem e o bagulho é muito sinistro: chama-se Fluminense Football Club.
Eu não fico feliz com derrota, embora muitas vezes algumas derrotas me deixem menos contrariados do que certas vitórias. A de hoje me deixou cheio de esperança.
Saudações Tricolores!
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