Questão de arquibancada (por Paulo-Roberto Andel)

Quarta passada, conversava eletronicamente com meus amigos enquanto espiava o deserto do ex-Maracanã. Teve gente com medo de não dar dois mil pagantes, o que eu também não descartava. No fim a coisa não foi tão grave, mas insuficiente para evitar prejuízo.

É um problema antigo, muito antigo aliás. Em 1953, um ano depois do título mundial tricolor, Nelson Rodrigues escrevia sobre a torcida que, nas horas certas, fazia o suave milagre. Sessenta e tantos anos. Exceção na temporada 1976, a melhor da história do clube, média de mais de 40 mil pagantes. Criança, adolescente e jovem adulto, cansei de ver o Flu com pouca gente: jogos de 1.800, 1.200 e até inacreditáveis 600 torcedores (em 1994, 2 a 1 sobre a Portuguesa). Só que antigamente o rombo era bem menor.

Curiosamente, a tragédia uniu e resgatou a torcida. Em 1999, o Fluminense esteve entre os cinco maiores públicos do país e veio mantendo um público regular, até 2008. A injusta derrota na final da Libertadores foi um marco na presença da torcida: as salvações dos rebaixamentos naquele ano e no seguinte contaram com ingressos quase gratuitos. Em 2010, a bela campanha do tricampeonato brasileiro foi magoada pela ausência do Maracanã. No Engenhão, por diversos motivos e naturalmente pelo tamanho menor, a torcida tricolor foi reprimida até mesmo no tetra em 2012.

A perda do Mario Filho, a falta de um plano de contingência e a trajetória nômade, ora jogando em Volta Redonda, ora em Edson Passos, ora noutros lugares, tiraram uma geração inteira do costume de ver o Flu no campo. Desde que o novo Maracanã nasceu, só numa única vez o Fluminense colocou mais de 50 mil torcedores em um jogo (1 x 2 Vitória, 2014). Nem mesmo as tênues ameaças de rebaixamento em 2015 e 2017 mobilizaram os torcedores. E os 30 mil contra o América Mineiro na dramática partida do ano passado foram inflados pelo 2 por 1: quem comprava um ingresso levava alguém.

É claro que os tempos mudaram e inúmeros fatores contribuem para a anemia das arquibancadas tricolores. Vão desde a enorme adesão ao PPV, passando pela fratura nas TOs, o mar de ódio propositalmente plantado por questões políticas (devidamente respondido nos desabafos contra Abad), a violência, a tese de Nelson Rodrigues e mais trocentos itens. A situação é tão grave que nem os preços acessíveis são um grande incentivo à presença.

Bom, e aí?

O retrofit imediato de Laranjeiras teria atenuado os prejuízos se fosse feito para o Carioca, algumas partidas do Brasileiro e mesmo esta passada com o Ypiranga-RS. Como sempre, motivos políticos travaram o processo.

Se não colocamos pelo menos 20 mil pagantes nos jogos como mandantes no Maracanã (centro do Rio, com trem, ônibus, metrô, táxi, Uber, Cabify), que gênio da lâmpada acha que vai lotar um estádio na Zona Oeste às 19:30 ou 21:45 h? E não basta apenas disparar bravatas na internet dizendo ao torcedor de sua “obrigação”, prática que já se revelou absolutamente inútil.

É preciso mais: trazer o torcedor para perto, para jogar junto, sentido que é parte do processo em vez de mera massa de manobra. Uma futura gestão tricolor deve, ou deveria, estar mais atenta a este item, fundamental para a sobrevivência do Fluminense.

É possível conversar, arregimentar líderes, fazer a coisa acontecer. Basta ter vontade, descer do salto. Caso contrário, a cada semana contabilizaremos novos prejuízos de um clube afundado numa dívida provavelmente superior a 600 milhões de reais. E nenhum tuíte vai resolver isso.

Daqui a pouco vai ter jogo importante contra a Cabofriense. Pouca gente, um calor enorme. Que o Flu supere mais este desafio.

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Estamos melhores do que o esperado em campo, apesar dos pesares. O Fluminense de hoje é bem melhor do que o de dezembro passado.

Claro que há muito a ser ajustado, mas as chegadas de Ganso, Caio e Allan qualificaram o elenco.

Que continue assim.

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O primeiro livro físico da série Roda Viva (com quatro volumes) chega no próximo dia 25.

À venda na loja oficial do clube, no Sebo X e na Livraria Folha Seca.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

@credibilidade

2 Comments

  1. Andel, eu sou um dos que desistiu de ir ao estádio assistir jogos do Flu. Virei torcedor de sofá. Em parte, por agora morar a quase 100Km do estádio (Araras, Petrópolis), em parte, pela violência nos estádios e em volta dele, em parte, por essa turba que assalta o Fluminense desde o Horcades. Eu me considero torcedor fanático mas não sou louco. Eu tenho para mim, que, infelizmente, o clube está em vias de extinção, pronto para seguir os caminhos de Bangú, América e Portuguesa de Desportos…

    1. Andel: é triste, mas teu caso é plenamente compreensível. Abraçaço, ST.

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