AMOR, SAUDADE, DISTÂNCIA
Tive sorte de entrevistar muitas pessoas e conversar com outras por aí graças ao Fluminense, mas houve uma em que o vínculo tricolor não contava: Ivan Lessa. Um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, alvinegro e, de certa forma, padrinho deste blog.
Minha tia tinha acabado de falecer. Eram dias muito difíceis em 2003. Minha mãe chorava, chorava. A morte não tem remédio. A tristeza batia toda em mim.
Numa tarde, navegando o Jornal do Brasil, encaro uma coluna fantástica do Ivan, tão engraçada que chegou a quebrar minha melancolia: eu gargalhei.
Minutos depois, pensei: era fã daquele homem desde criança, a vida não espera, ele interrompeu uma tristeza terrível, só me restava agradecê-lo. Fui ao Google, ao sítio da British Telecomunication e achei o telefone do Sr. I. Lessa. Não tinha outro. Ele morava em Londres desde 1978.
Telefonei e, do outro lado, a voz de trovão. Então me apresentei, expliquei o motivo da ligação e a conversa passou de uma hora, com Ivan preocupadíssimo com o custo da ligação.
Falamos de muitas coisas, de lembranças dele (que estava há 25 anos sem pisar no Brasil), de música, mulheres e, claro, futebol. Ele me falou de seu amor pelo Botafogo, então congelado – intacto – pela distância e pelo que o clube havia se tornado, embora tivesse voltado a ganhar títulos e fosse “eterno”. O amor da saudade, da distância e da perda, irreparável perda quando somos todos jovens, vemos o nosso melhor time para sempre e ele desaparece fisicamente, ainda que os posters e matérias de jornal estejam preservados. Foi o único momento de tristeza da nossa única conversa.
Depois, ele começou a me acusar de não ser brasileiro, tudo porque lhe contei como tinha conseguido seu telefone. Ivan puro: “Paulo, não me enrole! Você não é brasileiro. Desde quando brasileiro pesquisa o nome de alguém numa lista telefônica estrangeira?”. Rimos muito, voltamos ao futebol e depois nos despedimos. Para minha sorte, chegamos a trocar dois e-mails. Ele viria ao Brasil muitos anos depois, numa única ocasião, para a matéria de estreia da Revista Piauí – era o cronista e protagonista tentando reencontrar o Rio de Janeiro – Botafogo inclusive – que passara em sua vida.
Hoje, treze anos depois e com Ivan irremediavelmente morto, finalmente entendi o sentido do amor congelado, da distância e principalmente da saudade. Era um grande escritor, dos maiores. A ele devo muitas inspirações para a lida literária. Onde quer que esteja – e se estiver, conforme ele gostava de brincar -, recebe de mim a gratidão plena. Foi um mestre, um grande mestre.
Amor, distância, saudade. Ah, Fluminense!
Panorama Tricolor
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Imagem: rap