“… e nem que chovesse o mundo dos céus eu deixaria de pegar meu bom e velho 435 por diversas razões.
Primeiro, ele fazia ponto na porta do prédio de Katia, linda demais e por quem o bairro inteiro suspirava, a Copacabana que nunca dorme, cidade Impisa. Figueiredo Magalhães, colonizador da área, em frente à entrada principal da Galeria do cinema Condor, gigantesco e gelado. Segundo, porque era um prazer quando ele virava à esquerda no fim de Botafogo e logo se via a Santa Úrsula, com suas meninas lindas e os jovens cheios de esperança num país que, aos poucos, emergia dos escombros de uma ditadura suja e sanguinária.
Num súbito, você espiava para a esquerda e avistava a suntuosidade alvar do Palácio Guanabara. E o Fluminense, o nosso Fluminense, onde todos nós sonhávamos em entrar pela porta da frente – a mesma por onde Romerito foi carregado nos ombros numa noite de 1984.
Então você mergulhava no túnel de Santa Bárbara e, ao sair, ficava procurando os letreiros em neon da Pepsi, do Crush e nada mais havia. Logo, uma curva para a esquerda – parece um maldito trajeto comunista, tudo é pela esquerda! – e então se podia ver o ir e vir dos andaimes do Carnaval, tábuas e tábuas de arquibancada, João Mendes faturando tudo até Brizola acabar com a farra.
Mais esquerda, a parte final da Presidente Vargas, a subida do Viaduto dos Marinheiros, a Praça da Bandeira. O prédio do depósito da Casa Mattos, três andares, verde claro, cheio de papéis e canetas maneiras, livros também.
Você podia saltar em plena Radial Oeste e esperar loucamente até uma brecha para atravessar a grande via ser ser atropelado por um carro a 250 km por hora. Caminhar calmamente até a estátua do Bellini ou, caso tivesse ficado no ônibus, seguir até a Derby Club, saltar no ponto ao lado da UERJ, admirar as lindas universitárias a caminho da faculdade, sonhar em estudar ali e atravessar a rua, até chegar ao guichê, comprar o sonhado ingresso e ajudar algum irmão a inteirá-lo: pequenos meninos negros que quase choravam ao conseguir o papelzinho de acesso às catracas.
Perto da rampa, enquanto os senhores subiam com seus assentos de mão, todos com nosso escudo, as torcidas vendiam suas camisas presas nas pilastras. Em algum trecho da subida, os impetuosos garotos da Fôrça Flu tramavam um protesto, um enterro simbólico do Presidente, uma greve da torcida e o escambau. Era preciso. O time vinha mal. Nos grandes clubes era sempre assim, com pressão permanente, totalmente alheia ao sentimento de paz e esperança que nos tomava quando passávamos pelo tunelzinho do tempo, estreito que ele só, até encontrar a beleza do Maracanã a olhos nus: o campo, o silêncio horas antes de um jogo comum, os mistérios daquele gramado com mil e uma noites de história, os proletários da geral zanzando de um lado para o outro, o Fluminense belo e de branco, saudado com muito pó de arroz, ainda em tempos da diáspora pós-Máquina, prestes a nos encher de sonhos e fantasia enquanto sequer desconfiávamos.
Em futebol era e é assim: o êxtase e o féretro andam de mãos dadas e se separam quando menos se espera. O beijo na boca entre o céu e o inferno, feito aquela história do livro de capa preta.”
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: exulla
Não, não, dispenso o cilindro. A reserva de oxigênio é diretamente proporcional ao mergulho.
Não, não, obrigada! Dispenso o cilindro. A reserva de oxigênio é diretamente proporcional a profundidade do mergulho.
Favor não liberar este. Corrigi o post.
Nossa, fiz a recomendação no post que deve ser liberado. Vocês entenderão qual é o correto. rsrsrs