Acabava de sair da lanchonete – é isso mesmo, lanchonete – The Fifties. Suco de manga, picburger, batata frita colorida, jovens nerds falando bobagem dizendo segredos de amplificador. Um casal nem tão empolgado falando de tudo. O garçom afetadinho louco para vender sobremesas, mas as pessoas estão completamente empanturradas.
Marina termina um sundae de chocolate antes de sairmos do shopping center, instituição que revela toda a modernidade da era medieval em que vivemos.
As pessoas correndo para um monte de táxis disponíveis como se o mundo fosse acabar, uma tremenda bobagem. Basta ter bom senso e respeitar o próximo.
Embarcamos. Seria um tiro curto do Rio Sul à Cruz Vermelha, bastando pegar o Santa Bárbara – isso, claro, se o taxista não se enganasse e pegasse o Aterro – todos os taxistas em dúvida pegam sempre o trajeto mais longo – os caixas só se enganam com o troco a menos. Então você pode dar belas espiadas na janela e a impressionante figura geométrica do Pão de Açúcar está lá com todo o seu rigor poético à noite – as ruas desertas, todos com medo – e você vê um belo cinema de imagens mesmo que ninguém mais se lembre de Noites Cariocas.
O taxista, mais atento, aumenta o som do rádio. Argentina e Colômbia na disputa da vaga na Copa América. Pênaltis. Então me dei conta de que não ouvia algo parecido desde a final do Mundial de 1994.
Emoção pura e dolorosa. Esse negócio de pênaltis mexe com qualquer um e todo mundo já sofreu muito um dia, pouco importando se nela está o time do coração ou não – ali, qualquer um escolhe um time para torcer – pode ser o Remo, o Guarani, o Cotinguiba, o Exu do Ebó.
Em frente à bela paisagem do MAM, os bandidos de sempre, policia para quem precisa, ninguém faz nada. O argentino ia fazer sua última cobrança; caso marcasse, a AFA de Grondona estaria classificada. O som do rádio vira uma mistura de Jimi Hendrix com vocais de Robert Plant e Youssou N’Dour. Perdeu. Tudo igual para a nova série de alternados, matar ou morrer.
A tensão fica redobrada. A magia do rádio, onde você enxerga o som. Abriu novo rol de cobranças, os agentinos tinham a faca e o queijo na mão, outro colombiano desperdiçou. Perderam outra vez. O taxista, quase sempre atento, previu a queda da Casa Rosada. A velha graça dos argentinos sendo galhofados pelos brasileiros. Para a Marina, a Argentina é como o Flamengo, merecendo destino idem.
Depois da rua do Senado, entramos na Petrobras novinha, essa que a imprensa quer demolir. Primeira à esquerda, esquina, hora de saltar. Um colombiano deu mole de novo, o destino aturou o que foi possível, Tevez tinha a última bola para decidir. Converteu. Deu BAires na cabeça. O taxista deu desconto pela distração.
Já no elevador vermelho do prédio, detestado pelos fascistinhas de merrrrrda, por um instante lembrei de como o futebol ainda pode ser divertido. Não o de dirigentes mentirosos, unidades de negócios próprios constituídas, dinheiro a dar para um pau e os clubes a esmolar – empresários, testas de ferro, mamatas. Num pequeno rádio ainda se pode viver grandes emoções da bola por alguns instantes. Não estou preocupado com a qualidade do jogo, a “experiência” (alguém pode tirar essa palavra dos malditos experts de marketing?) ou os arredores; o que me valeu foi saborear a tensão da coisa mais importante dentre as coisas menos importantes do mundo, que é o futebol.
No começo da noite, horas de divertidíssima conversa com o Gonzalez, mesmo passando por situações que preocupam. Pensar no meu querido amigo que vai se decepcionar em muito breve e me dizer “Putaqueparilll, você tinha razão”. Os homens enganando os homens. Triste demais saber que o Guarani e o Campo Grande estão morrendo com as mãos estendidas no chão e os transeuntes passam indiferentes na calçada.
Os Beach Boys recentemente cantaram em seu disco derradeiro “That’s why God made the radio”. Tinham toda razão. Argentina e Colômbia me deram um pouco mais de oxigênio para encarar essa terra de facadas grátis, assaltos a granel, corpos em caçambas e uma imprensa hipócrita, hipócrita, tão hipócrita que só Deus poderia dar jeito.
A bola na marca da cal é a lembrança de um garoto feliz. Hora de separar o time de botão.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
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Bela crônica. Triste realidade.
A Petrobras que nossa imprensa quer demolir. É isso aí! Pena que poucos percebem. Creio, porém, que quando a Dilma voltar dos EUA e mudarem o regime de partilha no pré-sal para concessão, a imprensa calhorda para de bater. No rádio a emoção é muito maior. Nos pênaltis é que existe a diferença entre homens e meninos. ST
gostei da crônica,principalmente,na parte que se refere a nossa hipócrita imprensa.saudações tricolores!!