Quando um jogador da base de um grande clube surge como promessa de se tornar um craque, é muito comum ouvir a advertência feita por torcedores mais precavidos de que é preciso tomar cuidado para não se “queimar” o menino. Não deixa de ser um conselho sensato, porque, num meio movido à paixão como o do futebol, grandes atuações elevam, prematuramente, a jovem promessa ao patamar de jogador pronto para, logo depois, ante qualquer – e natural – oscilação para baixo retorná-lo ao nível de promessa que não deu certo.
Aos dezessete ou dezoito anos essas oscilações são perfeitamente normais no desempenho do atleta dentro de campo, como na sua vida fora dele, adolescente que é. Em fase de formação física e psicológica, o atleta inexoravelmente estará sujeito a mudanças em sua vida pessoal e profissional.
A culpa, claro, é nossa. Torcedores que somos, ufanistas clubísticos que, às vezes, enxergamos mais do que realmente vemos. Não é de hoje que jogadores que se mostraram com excelente potencial transformaram-se, na velocidade com que foram galgados ao topo, em atletas menos do que comuns. Esse “endeusamento” é perigoso, porque pode criar falsas expectativas no torcedor e, sobretudo, destruir a carreira de bons jogadores que, se fossem somente assim considerados, teriam pelo menos a chance de sobreviver do futebol.
Exemplo emblemático, no que pertine ao Fluminense, foi o de Toró, mais conhecido por seu epíteto, referência à “chuva de gols” de um moleque que, desde a mais tenra idade era visto dentro do clube como uma das maiores revelações da base Tricolor de todos os tempos. Não preciso dizer aqui como isso terminou.
Por que digo tudo isso? Porque por mais que eu acredite que a prudência seja necessária, não consigo conter a euforia só de imaginar a pérola chamada Gerson, de apenas dezessete anos de idade, tornar-se um craque a serviço do Fluminense. Não consigo esconder o sentimento que tive – nem falo aqui de suas excelentes atuações pela seleção sub-20, ou de outras tantas pela base do Flu – ao ver esse garoto vestir a camisa tricolor profissionalmente com tamanho desembaraço. Em dois jogos não percebi um erro de passe sequer, deu assistências qualificadas e ainda fez dois gols dignos de quem sabe exatamente o que faz com a bola nos pés.
Ah, mas em dois jogos não dá para tirar uma conclusão, podem dizer alguns. Eu digo, entretanto, que eu tirei as minhas. Cito, para ilustrar, um programa a que assisto chamado “The Voice USA”, um talent show americano em que, nas apresentações às escuras, os jurados, sentados em quatro cadeiras, postam-se de costas para o cantor que se apresenta. Avança à proxima fase aquele que, através da sua qualidade, incentiva pelo menos um dos jurados a apertar um botão que faz a sua cadeira virar, reconhecendo, assim, o valor de sua apresentação. Num desses dias, um dos jurados apertou o tal botão ao ouvir não mais do que pouquíssimos segundos de uma apresentação. O cantor abriu a boca e dela emanou voz tão bela que a cadeira prontamente virou. Descobriu-se um talento sem que se esperasse o fim da música, porque ele se mostrou logo aos primeiros acordes.
Assim foi com Gerson. Sua habilidade e inteligência não parecem obra do acaso. Seu toque refinado indicia a qualidade que possui e que se mostrou, como no talent show, de plano. Para quem vive o futebol há décadas, a diferença entre um “cabeça-de-bagre” e um Gerson se mostra, por vezes, apenas na forma como se toca na bola.
Evidentemente, não é apenas a sua qualidade técnica que o fará ser o top de linha que esperamos que ele seja. Outros fatores concorrerão para que atinja futuramente o sucesso profissional que almeja como uma boa formação familiar, apoio do clube – inclusive psicológico -, inteligência e, principalmente, juízo.
Se esses fatores convergirem, provavelmente Gerson será o craque que hoje se esboça.
E aí também cabe à torcida certa dose de tolerância com eventuais altos e baixos, oscilações normais que acometem qualquer jogador, mormente quando se trata de um menino de apenas dezessete anos de idade, com enorme potencial, mas que não pode receber toda a carga da responsabilidade pelos desempenhos futuros do Fluminense. Afinal, não custa repetir, ele só tem 17 anos!
Eventuais más partidas não significarão que seja um mau jogador, até porque, quanto mais exposto, mais será alvo da marcação – e da truculência – dos adversários. Caberá, aí, a orientação do treinador e de companheiros mais experientes, como Fred, que já assumiu, ao que parece, a sua tutoria dentro do clube.
Gerson é uma joia que precisa ser cuidada para que não se vá antes da hora e para que não se perca pelos maus caminhos, pois renderá enormes frutos ao Fluminense, cujo esforço por mantê-lo e protegê-lo, ante o assédio que certamente ocorrerá – de clubes do exterior e das más companhias -, será recompensado.
E parece que os que cuidam de sua vida já se imbuíram da necessidade de proteger a jovem promessa. O seu pai, Marcão, criou, há quatro anos, o “Projeto Gerson” visando a dar toda a assistência necessária ao filho para que pudesse apenas se concentrar em desenvolver seu talento no futebol – recebia a ajuda de familiares para dar o mínimo necessário ao filho a fim de que o mesmo não fosse compelido a ajudar em casa com trabalho, ou mesmo que se perdesse com amizades suspeitas. O próprio Fluminense, de sua parte, estabeleceu vínculo contratual com o atleta até 2019 – com salários de cerca de R$50.000,00 mensais – e já se manifestou contrariamente à suposta proposta de dez milhões de euros da Juventus veiculada pela imprensa italiana.
É cedo demais para Gerson deixar o Brasil, apesar de esse não ser o desejo de seus pretendentes de fora – sua página na Wikipédia está redigida em italiano. Ao amadurecer seu futebol, será útil ao Fluminense e ainda valorizará sobremaneira o seu valor de mercado.
O clube e a torcida, através de um novo “Projeto Gerson”, devem incentivar, cuidar e até mesmo blindar a revelação, dando o carinho e o apoio de que necessita. No mais, é preciso esperar o seu talento crescer e frutificar, porque, como ensinou o poeta renascentista francês Clément Marot, “para quem sabe esperar, tudo vem a tempo” e a paciência da torcida permitirá ao jovem atleta tricolor desenvolver livremente o seu melhor futebol e mostrar que não se enganaram ou se precipitaram aqueles que hoje, com apenas dois jogos oficiais pelo Flu no profissional, o tem como futuro craque.
Panorama Tricolor
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