Clássico sempre duro, os dois times prometiam no começo e tropeçaram no meio de semana deste Carioca 2015. São equipes em afirmação, cheias de jogadores em busca de um lugar ao sol.
Houve um tempo em que o Fluminense costumava prevalecer facilmente. Nos últimos vinte anos, o Vasco acerta a maioria das bolas dentro, uma aporrinhação para nós.
Estão longe, muito longe, as grandes finais de 1980, 1984 e até mesmo 2003. Tão longe quanto a empolgação do Carioca, que acaba deixando quase sempre um gosto de meia-boca em suas mais recentes temporadas. Menos pior do que uma garfada no jogo final.
Minhas lembranças do adversário são as do enorme coro de “Vaaaascoooo” no Maracanã lotado, o contraponto da vogal aberta com a fechada, único nos clássicos cariocas. Ou quando entrava todo de preto, números vermelhos, nós todos de branco, quando a televisão não decidia qual a cor do calção que os craques deveriam usar.
Do nosso lado, o eterno pó de arroz fazia uma nuvem espessa, meus óculos completamente sujos, o ar era talco. O Careca pulava e sujava todo mundo. Seu Armando franzia a testa.
Roberto Dinamite contra Edinho. Mazzaropi contra Cláudio Adão. Difícil enfrentar Paulo Cezar Caju e Pintinho. Deley e Gilberto equilibravam. Maracanã cheio, entendem? Cheio. Entupido.
Se me perguntarem qual foi meu Fluminense x Vasco predileto, volto a 1981. Um jogo que não decidiu título, mas que se tornou inesquecível.
Oitavas de final do campeonato brasileiro. Mata-mata. Na partida de ida, meio de semana, Vasco 2 x 0. No domingo, o Fluminense só se classificava abrindo três gols de diferença. Massacrou no primeiro tempo: 3 x 0.
Logo no começo da segunda etapa, houve uma confusão na área tricolor e César descontou. O jogo incendiou: os dois foram com tudo à frente em busca do gol salvador. Parecia boxe. Numa arrancada, o mesmo César (pai do Júlio Cesar, lateral que jogou recentemente pelo Botafogo e foi campeão brasileiro pelo Flu em 2010), arrancou pela direita, chutou em diagonal e marcou o segundo.
Ferido de morte, o Flu não desistiu e continuou a atacar. Mesmo com o resultado na mão, o Vasco ainda queria o empate. Foi uma partida eletrizante. Ao final, esplendor mesmo com tristeza: 3 x 2 Fluminense, Vasco classificado às quartas contra a Ponte Preta. As duas torcidas aplaudindo suas equipes, as adversárias e o jogaço que valeu cada centavo pago – nunca tinha visto aquilo, todo mundo de pé batendo palmas e celebrando o jogaço. Ali, aprendi que futebol é muito mais do que um título ou uma classificação. Eu tinha doze anos de idade e aquele pode ter sido um dos dias que me trouxe até aqui por causa do jogo de bola. Não venci, mas me emocionei: mesmo desclassificado, o Flu foi gigante demais.
Quase oito anos depois, o belo troco tricolor nos 3 x 2 da Copa União de 1988, já em fevereiro de 1989. Um jogo para desafiar definições. O Vasco tinha um timaço, o nosso sentia a falta de 1983-1985 mas passamos às semifinais numa quarta-feira épica. Zé Maria. O golaço do Washington. Que noite!
Amanhã tem um clássico, O clásico, mesmo bem distante de seus melhores momentos. Era partida para um Maracanã lotado. Será de um Engenhão à meia-boca, com ânimos acirrados e violência estimulada, no retrocesso ditatorial que assola o futebol carioca. Difícil pensar num garoto de doze anos testemunhando a peleja e falando desse jogo em 2048, já maduro. Difícil pensar que a peleja com quinze ou vinte mil pagantes possa ser chamada de clássico. Tomara que, ao menos no gramado, faça jus à história.
Estranho que Vasco e Fluminense não tenham uma bibliografia conjunta à altura da tradição do confronto. Se o presente não anima muito, o passado foi genial. Na pequeníssima parte que me cabe, vivi para contar. Precisamos de livros. Mais livros.
O mundo do futebol mudou. Sinceramente, eu preferia o de antes.
Quando éramos gigantes, quando éramos reis do sonho e da fantasia que só os clássicos abarrotados permitiam.
Eu nem pensava em lado de arquibancada nenhum: apenas olhava a torcida do Vasco lotada, com suas grandes bandeiras de cruz, e respeitava com meus olhos de menino. Ao meu lado, a torcida mais linda do mundo, cheia de talco, esperança e fraternidade, nada de deslumbrados de plantão e suas palavras de desordem nas redes sociais – ou em textos pueris.
A geral fervilhava.
Venci, perdi, vivi. Estou aqui. Vivamos.
NOTA: Esta coluna é especialmente dedicada à nemória de Beto Lacalle. Falecido na quinta-feira passada, Beto sempre foi um dos principais incentivadores do PANORAMA no Facebook, em especial no grupo Flu.com. Poeta de mão cheia, diariamente cumprimentando os amigos com mensagens educadas e positivas, Beto foi e é, sem dúvida, um personagem digno das passagens que mencionei acima – as de um Maracanã de gala. Esteja onde estiver, jamais se afastará destas linhas e da poesia, que é a lida das letras a povoar os melhores corações.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: google/bl
#SejasóciodoFlu
Demasiado respeito por nossos fregueses eternos (ainda, ao menos dentro da minha cabeçorra quase totalmente coberta de branco; e não é mais com o talco do Careca, infelizmente!), caro Andel! 🙂
Saudades desses tempos do nosso velho e bom Maraca. Se nossas estrelas e estrelinhas jogarem com a raça e a vontade de nossos antigos guerreiros, podemos voltar à supremacia!
SSTT4!!!!