Frescatto e a insegurança sexual (por Paulo-Roberto Andel)

Frescatto

Deu na versão borracha fraca do Charlie Hebdo do Rio: o Fluminense tem novo patrocinador, cujo nome sugere às mentes mais serelepes a vaga lembrança da palavra “fresco” e, consequentemente outras expressões como “guei”, “viado”, “sandalinha”, “RMP” e congêneres.

Foi o suficiente para as redes sociais fervilharem. Deu Trending Topics. Os novos investidores devem ter ficado felizes.

Torcedores adversários se esbaldando na galhofa, tradicional no espírito carioca e principalmente nas férias da temporada, onde pouco ou nada há para se dizer. Tricolores revoltados por conta da mesma galhofa, urros, ruídos, unimedetes em depressão. E a imprensa, sempre oportunista, conseguiu recheio para a falta de matérias, logo ela que se cala diante dos escândalos da rodada 38/2013, esquece do André Santos em campo sem aparato jurídico ou do gol com metro e meio não visto. Hipocrisia a olhos nus.

O brasileiro em geral gosta destas coisas. Tem a ver com o atraso de antes, a culpa religiosa. Assuntos que remetam a qualquer coisa relativa a sexo, mesmo muito distantes da prática em si, dão repercussão. As tradicionais polêmicas, mesmo que não tenham utilidade ou raciocínio algum, vide um ou outro Lobão da vida. Na verdade, apenas uma boquinha para faturar.

Da Nigéria e do Haiti ninguém quer falar.

Desde que o mundo é mundo, homens frequentam homens, há homens que se dizem total e absolutamente liberados, faz quem gosta, quem curte mulher segue em frente. O Fluminense não inventou isso, nem a ousada vanguarda dos garotos da Flagay em 1979. Um dos maiores símbolos das arquibancadas do Vasco, grande benemérito do clube e colossal professor de matemática, Amâncio Cezar, é um representante da causa. Alguém tem dúvidas de que um dos maiores botafoguenses de todos os tempos é o cantor Agnaldo Timóteo? Na arquibancada do Fluminense há admiráveis amigos e líderes gueis, além de lindíssimas mulheres, sujeitos fortões, gente boa, intelectuais, rústicos, a fauna humana. É preciso lembrar que estamos no planeta Terra.

Falam de Leonardo da Vinci, todos os filósofos pré-socráticos, muitos artistas plásticos, cineastas, atores, cantores, poetas, empresários, profissionais liberais, militares, políticos, jornalistas esportivos (aqui, uma lista telefônica), acadêmicos, camelôs, lixeiros, milionários do high society, subcelebridades.

Para lotar a avenida Paulista e a Atlântica anualmente com milhões de adeptos, há torcedores do Flamengo, Vasco, Botafogo, Corinthians, Palmeiras, Cruzeiro, Santos, Inter, Grêmio, Fluminense também.

Questão de opção. E só. Quase todo o resto é coisa que deve ser tratada como brincadeira, do mesmo jeito que o Marvel e o Mulembergue fazem a respeito de seus reluzentes cabelos, brincos e jeitinhos.

A Frescatto Company é uma das marcas do Frigorífico Jahu, fundada em 1944. Recentemente, a empresa se renovou completamente: marca corporativa, identidade visual e embalagens novas visando um plano de expansão de negócios – e, por isso, investindo no Fluminense. ”Definimos um novo nome da empresa porque Frigorífico Jahu não era uma referência tão forte para os clientes. Todo mundo conhecia a gente como Frescatto, por isso assumimos “Frescatto Company”, que une a tradição da empresa e o nome da marca que já era mais forte”, comentou Mariana Vilela, gerente de Marketing, ao site Seafoof Brasil.

Negócio de peixe e vizinhos do fundo do mar.

peixe frescatto

O(a) camarada(a) tem direito de exercer ou cogitar suas fantasias sexuais olhando para a marca de uma empresa de venda de peixe & cia. É de cada um. No Copa D’or, volta e meia chega um sujeito que caiu da escada e, sem querer, sentou exatamente em cima de uma garrafa na queda. Outros hospitais também, talvez todos.

Sobre a Frescatto, algumas piadas foram engraçadas. Outras apenas revelam manifestações de ódio ou rancores por causa dos mesmos nomes de sempre: Assis 83-84, Renato 95, Marco Antônio 71, um futuro penta ameaçador, por aí vai. Nós também sacaneamos os travecos de Ronaldo, o amor bandido de Macarrão e Bruno, são coisas da vida.

Os tricolores torcem para o Fluminense, não para as marcas. Elas veem na camisa uma oportunidade comercial e são bem vindas. Depois vão embora. Doutor Barros era o maior tricolor do mundo, depois foi aos jornais vociferar a rifa de seus contratados de imagem. As marcas passam, o Tricolor fica.

Um negócio. Nada além disso. Que bom que a Frescatto aceitou bancar o Flu também. O resto é dificuldade em respeitar a opção do outro, insegurança sexual, falta de mulher, homem ou merderê. Ou humor mesmo, bom ou ruim.

Nenhum heterossexual vai passar a desmunhecar por causa de uma bolinha azul na camisa, assim como os homoafetivos não vão fazer Carnaval por conta do esférico celeste. A turma tem mais o que fazer.

Quem come produtos Frescatto não vai ser contaminado pela síndrome da baitolagem adquirida, a menos que já tenha duzentas horas de voo no assunto e use o almoço ou jantar como pretexto. “Ah, ele teve uma desilusão”. Façam-me o favor.

Abaixo, a coluna do velho Saldanha em 14/10/1979. O direito ou não da Flagay entrar na arquibancada.

Trinta e cinco anos depois, em termos de sociedade ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

Mudaram os telefones, as televisões e os computadores que, felizmente, permitem a tua visita aqui, seja guei, hetero, sapa, assex, multissex, neversex, virgem. A opção é desimportante.

Aqui é uma casa de tricolores, não de discriminação ou de vigília das funções do rabo alheio.

joão saldanha o problema maior 14 10 1979

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: google/jb

2014 bebida

 

22 Comments

  1. Boa tarde,Andel!
    Texto lúcido e oportuno,e para pensar que em não depreciarmos a nossa marca:Fluminense.
    Abraço e ST.

  2. Muito lúcida sua reportagem, abrangendo os conceitos em todas as suas circunstâncias ! Não devemos nem cogitar de responder aos adversários, os quais ostentam a pretensa veleidade de tentar nos atingir com chacotas sexuais cujas origens lhes pertencem. Devemos, quando muito ( e o texto é brilhante ), nos reportar apenas ao fator marqueteiro e que o futuro destas uniões sejam alvissareiros.

  3. Calma, flores. Respirem fundo e dêem uma relaxada que não vai doer nada! Eu aguento firme.

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  4. Primeiramente Parabéns pelo Texto.
    >
    Ontem pela primeira vez no Facebook me senti em minoria em determinado assunto.
    O Foco da discussão sobre o novo patrocinador anunciado ontem oficialmente foi completamente desproposital, aos invés de se discutir se o valor do patrocínio é pouco ou não os torcedores ficaram discutindo se o nome do patrocinador ira dar munição para os torcedores rivais tirar onda com a nossa cara. Uma preocupação pra lá de Fresca.

  5. Muito bom o texto. Apenas faço uma ressalva que merece reflexão : a palavra “opção” não me parece a mais correta. Afinal, ninguém em sã consciência optaria por fazer parte de uma minoria segregada, discriminada e alvo de violências de uma maioria preconceituosa. Melhor seria usar o termo “orientação”.

    ST

    1. A palavra “orientação” pressupõe desníveis. O elemento “orientado” para determinada matiz sexual, caso passe a seguir outra ficaria “desorientado”? E o caso dos bissexuais?

      As pessoas optam pelo stablishment sexual que querem exercer, não pelas repulsas sociais vigentes.

      ST

      1. “Orientação sexual” refere-se ao impulso sexual naturalmente direcionado a determinado gênero. Independe da razão e pode depender de fatores biológicos e/ou psicológicos. Ainda hoje, há um grande debate científico em relação aos fatores determinantes desse desejo, seja ele hetero, homo, bi ou pansexual.Já o termo “opção sexual” pressupõe uma escolha racional e ninguém racionalmente decide fazer parte de uma minoria socialmente hostilizada. Veja : http://www.portaleducacao.com

        1. A escolha é sexual. Ninguém exerce seus desejos sexuais para pertencer a minorias, mas sim atender às suas escolhas afetivas, físicas, emocionais, envolvendo a racionalidade ou não etc.

          O conceito de orientação é questionável do ponto de vista etimológico. Orientar é determinar e pode haver o confronto com o próprio conceito de caminho não racional. Apenas isso.

  6. Eu juro que quando vi o título já comecei a rir, sem a menor dúvida do que me esperava.

    Eu acho que eu leio grande parte dos seus textos rindo porque você faz os idiotas parecerem, além de idiotas, absolutamente ridículos e engraçados.

    Parabéns mais uma vez!

  7. “Aqui é uma casa de tricolores, não de discriminação ou de vigília das funções do rabo alheio.”
    Como diria Januário de Oliveira – Cruel, cruel, muito cruel o Paulo-Roberto Andel!

    ST

  8. Boa tarde Andel. Parabéns. Eu curto este Panorama porque só tem pessoas inteligentes escrevendo aqui. Mas vou fazer uma comparação com o futebol. Alguns que aqui escrevem são craques, devendo ser comparados ao Conca, Cristiano Ronaldo, Ibrahimovic, Marta e tantos outros grandes jogadores. Mas vc, em minha humilde opinião, está ho nível de Messi, Maradona, Platini, Zidane e Pelé. Fica humanamente impossível adjetivar o que vc escreveu no seu blog. Foi um tapa de pelica nos ridículos de plantão.

  9. Texto maravilhoso.
    Lúcido e inteligente.
    Pisou em todos os adversários com a maior educação e elegância.
    Parabéns.
    BRAVO!!!

  10. Não poderia vir de outra pena a melhor explicação para uma turma que não consegue entender que o mais importante é o Fluminense e não o que o outro vai pensar. O outro que se dane com suas dívidas, com seus telefones cortados, com seus jogadores exigindo judicialmente a liberação do clube. Enquanto eles se danam, nós recebemos da Frescatto dinheiro que faria falta a todos eles. Frescura é não reconhecer isso. Parabéns pelo belo texto, Andel!

  11. Fico feliz por não ter mandado meu texto hoje. Dei-te um trabalho além do necessário, mas valeu pela genialidade, precisão e bom humor do texto.

    Genial, genial. Queria fazer minhas sextas serem assim!

    E vamos de peixe com guaraná!

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