Torço, logo fujo (por Eric Costa)

po de arroz

Viver é um pouco de lance de dados. Um segundo, uma rodada ou cartas dadas sem ordem fazem seis virar um. O que se viu, viveu e até se conspirou nas últimas duas semanas nas Laranjeiras mostra um pouco disso, em uma esfera bem particular.

Ter começado o parágrafo anterior com as oscilações da vida e a partir disto chegar ao Fluminense não é convite para discutir com afinco possíveis motivos para alguns resultados ou a volatilidade da relação entre jogadores e a torcida. Da mesma forma como falar sobre o Tricolor foi continuidade da percepção sobre o viver, o Fluminense é parte indissociável de nosso ser e extensão quase sempre de nosso estado de espírito.

Por mais de uma vez na história, o ser humano buscou na expressão artística – sobretudo na literatura – o que se convencionou chamar de escapismo quando o contexto histórico nos favorecia a tal digressão. Curioso é perceber que tal fuga da realidade ou desvio mental a demais ocupações é visto por muitos de nós como um mero conceito de livro ou ideia da cabeça do românticos do século XIX. Se eles tinham os motivos para desviarem suas atenções, nós o temos ainda mais. Em um mundo de contemplação a poucas paisagens e mais à tela do smartphone em uma cifose quase que universal ao display, involuntariamente estamos – mas poucos nos sensibilizamos para perceber – buscando ironicamente o escapismo até mesmo naquilo de mais intrínseco possuímos.

O futebol e nele o Fluminense são parte da divagação de todos os tricolores.

Afirmar isso é de certo encontrar respaldo em você, leitor. Muito provavelmente você já, ao menos uma vez na vida, enxergou a camisa que veste e os gritos nas arquibancadas como o momento no qual não se pensa mais nada além de viver o Fluminense e ser, em ações e palavras, tudo aquilo que o verde, o branco e o grená representam. Todo o restante é secundário.

Quando mais do que movido por paixões e sim pelo peculiar amor ao tricolor, o futebol tem um poder tão imenso quanto natural de igualar um ser a outro. Talvez juntamente às urnas , a arquibancada seja o meio mais democrático deste país, ainda que a primeira tenha um funcionamento questionável e a última seja hoje vítima da ganância financeira de consórcios cujo conhecimento de futebol de quem os dirige é tão ofensivamente limitado quanto o “bom senso” ao interferir em preços de ingressos.

A arquibancada faz de desiguais nos trejeitos, gritos, comedimentos ou xingamentos um aglomerado de iguais sem a doença, mas a saúde e nobreza de viverem o Fluminense na mais bela plenitude da dualidade entre o ser e o devir.

Ser e torcer. Talvez mais que a própria arquibancada, o sentimento puro e verdadeiro seja o denominador geral da igualdade universal em uma torcida, seja ela exercida pela nobreza da presença física e obviamente espiritual para os impedidos pela geografia ou por uma passagem de planos. Não há emprego ou função. Todos são de Nelson e Castilho ao mais anônimo tricolor simultaneamente.

Pelo escapismo que é o Fluminense, talvez seja confuso ora suspeitar ora constatar que o elemento de nossa fuga é sujeito às falhas com os defeitos e pecados mundanos. Afinal a instituição é singular, mas muitos dos que a fazem são um pouco de mais do mesmo. Mais que confuso, pode ser doloros. Afinal, no nosso peito bate um alvo muito fácil, como já diria a música.

Naquilo de mais nobre, pode haver o essencialmente humano, variando entre as acepções bondosas e opostas do termo. E a nós que agimos como românticos, seja no sentido mais literal por escaparmos ou no mais popular por amarmos – no fim, em ambos- , cabe não apenas sentir e pensar. É sempre tempo de sentir com inteligência e pensar com emoção.

Viver é lance de dados. E suas viradas nos levam e nos arrastam como maré. Porém, por mais que se experimentem dias e meses como um exército de um homem só, há momentos ímpares: quando você, Fluminense, está em campo, por noventa minutos ao menos eu sinto que não estou sozinho. O escapismo é intrínseco, no fim. O escapismo é naquilo que sou desde quarenta minutos antes do nada.

Saudações tricolores.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @ericmcosta

Imagem: google