Desde pequeno, sempre gostei de observar a rua durante os jogos do Brasil numa Copa do Mundo. Nada se move. Não há ninguém. Não há carros passando. Nem ônibus. Nada.
É um silêncio diferente, muito característico, rompido apenas pelas comemorações de gols ou lances muito agudos. Exatamente pela inexistência de gente andando nas ruas a pé ou de carro. Parece alta madrugada, só que de dia.
A primeira vez em que percebi claramente esse silêncio foi no fatídico cinco de julho de 1982. Sarriá. Pra quem não era vivo ainda, foi um lindo dia. Não havia uma nuvem no céu. Só balões. Na época, não eram proibidos. Pelo contrário, faziam parte da tradição das festas juninas. Cansei de acordar em noites frias para ver balões gigantes com milhares de lanterninhas em desenhos enormes. Parece coisa de uma outra vida. Outra realidade.
Voltando ao dia de Brasil x Italia, nunca contei tantos balões no céu quanto naquele dia em toda a minha vida. Lembro de chegar, antes do almoço, a 205. Sim, duzentos e cinco balões distintos vistos no céu num mesmo dia.
E ai, a abertura da transmissão, que até hoje tem o poder de me arrepiar:
Abertura da Copa do Mundo de 1982
No jogo, todo mundo sabe o que aconteceu. Terminado aquilo, eu não conseguia entender como ou porque aquele timaço tinha perdido pruma Italia que eu havia visto empatar sofridamente com Peru e Camarões (do grande N’kono). Não dava mesmo pra entender. Na rua o silêncio prosseguia.
Fomos, como de costume, conversar no portão de casa. Um silêncio Maracanaço. Já havia passado um tempo do fim do jogo e se ouviam os passarinhos e eventuais latidos. Só. Minutos depois, um velhinho, cara conhecida da vizinhança, passa caminhando lentamente pela calçada. Para, olha pra minha família e pergunta:
– Vocês também são italianos?
A família é mesmo toda de origem italiana, mas isso jamais passou pela cabeça de ninguém.
Nunca mais voltei a ver o tal velhinho. Lembro dos olhos dele. Brilhavam de felicidade. O menino que vivia ali dentro se manifestava dentro de um corpo já surrado. Queria comemorar com alguém. Agradeceu e se foi pra todo sempre. Ficou na minha memória.
Depois desse dia, passei a gostar de observar esse fenômeno. Qualquer interrupção de jogo e lá ia eu pra frente da rua ver o tal silêncio. Prova cabal de que o mundo brasileiro para no tempo para assistir a uma Copa do Mundo.
Panorama Tricolor
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