Enquanto nos preocupamos com a famosa espanholização promovida pela Globo, que promete estacionar um caminhão de dinheiro para que Flamengo e Corinthians se esbaldem às custas de nossos times, uma outra ameaça, mais antiga e mais profunda, já causa seus grandes danos ao inerte futebol brasileiro.

A globalização.

Domingo, ao chegar em casa, parei para ouvir os gritos de um “animador” de uma festinha infantil que urrava no play do prédio vizinho. Seria uma competição entre os times de dois pirralhos. Barcelona de um, Real Madrid do outro.

Que tal esse coquetel? Tranque o estádio da cidade por quase 4 anos para obras. Coloque os times da cidade para jogar no interior, a muitos quilômetros de distância. Tire desses times (quase?) todos os craques.

Ofereça na televisão futebol espanhol, inglês, alemão, de qualidade, com jogos disputadíssimos, estádios impecáveis, grandes jogadores. Facilite a compra das camisas desses clubes. Equipare (inacreditável) o preço das camisas dos clubes estrangeiros ao das camisas dos times daqui, que “todo mundo tem”. Torne tão ou mais fácil comprar essas camisas de times de fora do que comprar os uniformes locais.

Ai, ao reabrir o Maracanã, cobre uma fortuna pelos ingressos, de modo a fazer com que levar seu filho a um jogo de futebol doa no bolso. Levar a todos os jogos então, nem pensar. Transforme a compra e ou retirada dos ingressos numa epopéia. Não ofereça ingressos nas bilheterias do estádio. Afinal de contas, você já viu cinema vender ingresso de cinema? Teatro vender ingresso de teatro? Claro que não. Vamos dificultar!

Junte uma bela pitada de violência no entorno do estádio. Hordas de idiotas, uniformizados ou não, capazes de espancar um pai com um menino uniformizado do time rival e suficientes para fazê-lo temer levar seu filho ao estádio, principalmente vestindo a camisa do time, que, como visto acima, custou os olhos da cara. Se ele vestir a camisa do Chelsea, tá tudo bem…

Coloque os jogos de meio de semana num horário próximo da meia-noite, pois você quer passar cenas de sacanagem na novela e, por isso, tem de subir mais e mais o horário da transmissão dos jogos. Tire os trens e metrô de circulação pontualmente (somos sempre pontuais nos serviços) à meia-noite, obrigando o pai a levar a criança de táxi pra casa, salgando ainda mais o programa.

Pronto. Papai que não for, como eu ou você, fanático por essa coisa chamada futebol, vai te apontar camisas do Barcelona, Real Madrid, Chelsea, Manchester… E é uma dessas que você vai ganhar.

O resultado disso é uma geração perdida para o futebol brasileiro. Se fosse feita alguma pesquisa sobre o assunto nas escolas de 5a a 8a séries, eu aposto que o resultado seria alarmante. Turmas com (sendo otimista?) 30% dos garotos torcedores de clubes brasileiros.

Como reverter isso?

Nem vou falar da violência. Isso tem de acabar.

Baixar o preço dos ingressos. Levar a criança ao estádio é o melhor antídoto para um serzinho que acha que ver o Chelsea na TV é melhor do que ver um jogo no Maracanã. Não será possível o termo de comparação. É claro que, quanto mais barato, mais gente, e quanto mais gente, mais emocionante o espetáculo. Ouvir o Maracanã rugir. Criança nenhuma vai ficar impassível a isso.

Baixando o preço das camisas oficiais de clubes locais. É tudo tão absurdo, que parece um proposital incentivo às falsificações. Mas o mais inacreditável mesmo nesse tema é a justificativa para as camisas de treino dos clubes terem cores escalafobéticas: demover o torcedor da ideia de comprá-las. Forçá-lo a comprar a caríssima camisa oficial, muitas vezes estragada pelo “design” da marca. Caríssima e ao mesmo preço das dos clubes estrangeiros…

É preciso combater esse fenômeno. Resistir à tentação de dar uma camisa dessas para seu filho. Pode parecer censura mas não é. Ele tem de se acostumar a vestir a camisa do seu time, não a de uma agremiação européia. Depois de crescido, amor verdadeiro pelo clube consolidado, ai sim. Pode dar 500 camisas de times da Europa, América do Sul, Emelec, Defensor, América do México, Bolivar… A que você quiser. O time do seu filho já estará definido. Vai ser só uma camisa bonita.

abraços,

Panorama Tricolor

@PanoramaTri