Zanzifest, porque só pode haver um vencedor! (por Alva Benigno)

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A BATALHA FINAL

Dois dias antes do pleito, Agnaldo “Timóteo” Happybath resolve seguir Chiquinho Zanzibar. Não havia sido recebido por ele. Muito pelo contrário: foi dispensado para que não atrapalhasse a leitura de Mein Kempf e o sorteio do amigo oculto ariano de fim de ano. Ficou cabreiro, como quem vai fazer cocô e fica na dúvida se são apenas gazes. Num pé sujo próximo, toma vários cafezinhos até Chiquinho sair do Edifício Darke e entrar no Uber luxuoso. Prontamente o segue. Era por volta das 20h.

Agnaldo Happybath acha que seu carro não é percebido pelo seu perseguido, afinal, mantém sua arrogância de sempre. O Alto da Boa Vista não acabava nunca, num sinistro caminho mata adentro. Chiquinho salta do carro, olha de soslaio e deixa cair um papel no chão. Estava vestido com um sobretudo preto, roupa de gala da SS, e levava uma máscara na mão. Com sua aparição, o portão automático se abre e Chiquinho, como um Darth Vader de plantão, entra triunfante.

Happybath salta do carro, deixando-o ligado, Pega o papel do chão e lê: “Independentemente do resultado, venha à meia noite de sábado a este lugar. Venha só com o que você receberá no pacote que estará no carro que lhe trará aqui. Você não vai se arrepender. Beijunda de língua!”

Chiquinho Zanzibar circulou livre, leve e solto por toda a sede do club no último sábado, com a destreza em não esbarrar com ninguém que pudesse lhe tirar a vitória. Viu e ouviu muita coisa de gente branca, descolada, de família, de bem, crente em Deus, moralista pela frente e liberada de costas, e, claro, da maioria máscula. Era uma catarse do poder cis-tricolor. Vibrava por ter conseguido vencer, mais uma vez, e sem precisar gastar muito do que já gastara antes. A campanha havia lhe rendido ainda ótimas transas, cocas, bases, e vingancinhas. Quando a confusão era imensa, o cheiro de testosterona o levou a muitos “com lincença” de vagalume e mãos bobas para não perder a viagem.  Ficou o dia todo, desde cedo, ereto com ondas de arrepio e suspiros mil, apesar de filhas e esposas dos bem apanhados fazendo a fachada de família TFP remix.

Assim que a vitória foi divulgada, sem grandes alardes, seguiu para a Rua Paissandu, pegou um táxi e, por um caminho alternativo, foi para a sua festa da vitória na associação maçônica opus dei nazi-erótica que dirigia. Naquele dia, tudo tinha sido bolado por Zanzibar: da trilha sonora, passando por cada um dos corpos torneados de todos os gêneros, até a última ponta. Ficou dias e dias vendo books e negociando preços e sigilos. Coisa fina e séria, de quem manja das coisas. Afinal, era dia de fiesta!

Ainda suado, Happybath recebe um recado de um de seus puxa sacos de plantão que, num carro todo envelopado, de altíssimo luxo, o esperava com um espartano de ébano de lábios rosé, no posto de gasolina da Rua Pinheiro Machado. De longe, viu o zulu elegante, uniformizado, a lhe aguardar. Abriu a porta e lhe disse com voz grossa: “Boa noite! O senhor já sabe o que fazer. Por favor, antes de vestir as roupas, banhe-se com o álcool gel do bebê, sem poupar os lenços umedecidos. Tire a queijada do pênis e os urubuzinhos de fezes com badalhocas do ânus e de regiões próximas. Depois, vista-se e se perfume todo. O senhor não se arrependerá.”

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Num misto de acabrunhamento e tesão, Happybath nem se lembra da derrota nas urnas e das promessas, que deram tantas esperanças de bons negócios aos parceiros, além do rombo financeiro a lhes ser coberto. Como uma criança indo para o Maracanã ver seu time predileto, asseou-se e vestiu-se impecavelmente. A compensação era esse evento misterioso organizado por Zanzibar, quem sabe até mesmo uma reunião para algum cargo na nova gestão? Só podia ser isso! Seu peito se aprumou como nos velhos tempos da banheira do amor! Sentiu-se poderoso como há muito tempo não experimentava. Voltaria a mandar e desmandar no club, fazendo seus almoços de mais de duas horas, desses que o sujeito volta de banho tomado e em total êxtase relax, além de justiçar todos os que revelaram seus planos na internet.

O portão da mansão se abre quando os faróis apontam, e o motorista lhe ordena, em tom severo e safado, simultaneamente: “Coloca a máscara que está na caixa aí atrás”.

Na porta de um imenso casarão do início do período republicano, cheio de vitrais e guéri-guéris de ricos e chiques tradicionais da vida carioca, Happybath salta, impávido colosso. É recebido por um senhor de uns setenta anos, elegantemente vestido num impecável fraque, que diz: “O senhor se acha preparado para essa noite? Se sim, queira me acompanhar.” “Claro! Sou Happybath, o grande player, o big boss nessa história toda, senhor da lei e da ordem, do justiçamento e santo das causas impossíveis! Eu sempre estou preparado, para tudo.”

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Na antessala, tudo à meia luz, móveis grã-finos de madeira de lei, torneada, e o chão de mármore carrara davam o tom do poder reinante por ali. Eis que a sala principal é aberta. Todos de fraque, mascarados, homens, ao redor um altar grená sangrento. A voz de Chiquinho ressoa, firme como nunca antes Happybath a escutara: “Entre, doutor. És nosso convidado de honra, e nos alegre muito tê-lo aqui.” Mesmo de máscara, sua identidade havia sido revelada e ele não tinha a menor ideia de quem eram as pessoas ao seu redor. As máscaras impediam que a expressão de suas emoções fosse percebida. Pensava: “Tudo nebuloso e excitante para a sua consagração como o novo mandatário do futebol. Como isso o deixava ereto! As eleições tinham sido apenas uma fachada para um suposto processo democrático! Isso mesmo! Serei reconhecido, terei o poder de volta”.

Uma grande parte da sala estava na penumbra, e dela se escuta um órgão começar a entoar o hino do club, cantado por jovens vozes, em latim. Isso mesmo, em latim! Todo de vermelho, do fundo do altar, com uma máscara dourada, surge uma figura com um cajado. Ao final de cada estrofe do hino, uma pancada do báculo ao chão o faz interromper. Nova batida e a canção continua, fúnebre e excitante como Eros e Tânatos. A noite estava prometendo ser dionisíaca. O hino termina na mesma passada em que a espécie de sacerdote chega ao altar. Ele fala consigo mesmo, baixo, num solilóquio misterioso. Aponta o bastão dourado para Happybath e diz: “Aqui, agora! Venha, já! Todos te queremos. Você veio porque quis, ninguém te forçou.” Dois homens de pele escura, mas com seios fartos e as partes íntimas em forma de vagina, também mascarados, todos com seus músculos torneados por óleos especiais, o vem pegar pelos braços. O guiam educadamente até o altar, para o que Happybath acreditava ser a sua sagração.

Ao fundo, o coral anuncia “We are the champions”, em arranjo barroco, com J. S. Bach reencarnado ao fundo, em tocatas e fugas de tirar o fôlego. Imediatamente, uma névoa branca sai dos lados do altar. Sem entender muito bem o que está havendo, Happybath identifica, mesmo caído ao chão, atordoado, Zanzibar chegar de sapatilhas de balé, calça branca Robin Hood, seus pelos do peito à mostra, capa da rainha da Inglaterra, e a coroa nas três cores. Era a festa da vitória. Happybath estava atônito. Babava de raiva. Rios de dinheiro gastos para ser alvo de chacota de Chiquinho Zanzibar, que contava a ser conselheiro. Estava nas internas do clube, ao lado do vovô e do careca tesudo.

“Agora, seu trouxa, espero que você entenda como se faz as coisas. Lei é uma coisa, justiça, outra. Eu sou o único respeitador daquilo que não é pra ser respeitado. Eu não sou moralista. Eu sou sincero em minhas mentiras, e minto de modo sincero, sempre! Cada um desses potros que negociei está voltando, e vou ganhar cada centavo, sem você saber, em cada negociação. E ainda vou ganhar surra de rola grossa. Eu vou pra Xerém ver pica, e não fingir que vou fazer o time campeão. Eu venci as eleições e sempre vencerei! Eu sou melhor do que você!”

Desce o telão e uma sequência de lances bisonhos de todos os protegidos de Agnaldo Happybath são mostrados, ao som de “The Great Pretender”. Chiquinho Zanzibar se deleita com a cena, no mesmo momento em que travestis entram e escolhem seus bofes, depois trans se beijam, lésbicas se entendem, e, com muita calma, por último, algumas mulheres com corpo de primeira dama arrastam uns e outros. As portas laterais se abrem e outras pequenas salas aparecem.

 

Chiquinho Zanzibar arria suas calças. O outrora poderoso Happybath chora como um menino que é flagrado pela mãe ao se masturbar. Não consegue ver mais nada e sabe que tirar sua máscara pode lhe ser fatal. Da euforia do possível triunfo, o medo toma conta de seu ser. Travestis eretos, de dois metros de altura, com sapatos de salto alto, passam com bandejas repletas de carreiras de coca e notas de cem dólares, já enroladinhas. Zanzibar tira seu membro cansado, mas ainda guerreiro, e urina em Happybath. Quando este tenta se recompor, olha para frente e só vê o ânus de Zanzibar lhe tascar um jato de lama de fezes quentes. Com a risada caótica de Chiquinho, Happybath desmaia e só acorda horas depois na porta da Igreja Santa Cruz dos Militares, na rua Primeiro de Março, em pleno coração da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, com penas de travesseiros de ganso coladas em seu corpo, fedendo aos excrementos, porra e sangue. Era fim de linha, fim de festa.

Era a batalha final.

ATÉ 2017

Onde houver uma vantagem, um levadinho, uma possibilidade de prazer homo, uma chance de espinafrar alguém, lá estará Chiquinho Zanzibar. Tudo o que escrevi aqui neste ano será um livro vigoroso, impactante, como nunca se viu no machista e homofóbico futebol brasileiro. E isso só é possível por causa da personalidade devastadora e abominável de Francisco da Zanzibar & Zanzibar. Feliz ano novo, até a volta.

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Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: nudes