Unimed x Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

camisa flu unimed

A parceria mais longa do futebol brasileiro.

Levando-se em conta os anos contábeis de 1999 até 2012, é possível que a patrocinadora tenha injetado no clube cerca de R$ 200 milhões do marco zero até 2010 e mais outros 150 ou 200 ou congêneres até 2013.

Uma estimativa baixa: total de 350 milhões no período. Se você preferir, pode reduzir para 300 ou aumentar para 400 – são centenas de milhões a perder de vista em qualquer hipótese.

Contudo, convém explicar: não se tratou de filantropia em momento algum. A Unimed nunca fez caridade quando se tratou de Fluminense. É negócio. Espera-se retorno. E a patrocinadora conseguiu com sobras, o que é justo.

Ao abraçar o Tricolor a partir do momento mais difícil de sua história, ela conseguiu passar de audiência local (Rio de Janeiro) zero para a líder de seu segmento em todo o Brasil. Desimporta que a cooperativa tenha unidades independentes em outras unidades da Federação: quando toda a mídia se concentra em cobrir as eleições da empresa em sua célula no Rio, isso repercute em todo o país porque está vinculado ao Fluminense. Propagandas em shorts de outras equipes são irrelevantes no processo.

Chega de conversa fiada: a Unimed lucra com o Fluminense – e muito. Seja na exposição da marca, no noticiário diário, na negociação dos jogadores que financia. O Fluminense teve muitas vantagens também no decorrer dessa década e meia, ainda que nenhuma excepcionalíssima além das conquistas de títulos – modestas diante da pujança econômica.

Ninguém tem dúvidas de que a Unimed foi fundamental para o Fluminense deixar o caminho das trevas nos anos de chumbo no fim dos 90. Os títulos vieram, embora menos do que o esperado em termos do investimento feito. Mas não foram 15 anos apenas de sorrisos: houve também muitas amarguras, problemas e se alguém pensou que o risco do rebaixamento desapareceu com os milhões em jogo, enganou-se redondamente – vide 2003, 2006, 2008, 2009 e 2013.

Em vários momentos, alguns dos jogadores mais badalados do futebol brasileiro vestiram a nossa camisa. Quem pôde se dar ao luxo de ter um Romário de presente de aniversário do centenário do clube? E anos mais tarde com nomes badalados como Deco e Fred? Mas sejamos justos: Romário também jogou com Josafá. Edmundo, Romário, Roger e Ramon, ninguém se falava, claro que não ia dar certo. Os milhões por Belletti. Nunca é demais lembrar de Rissut, Evando, Vanim, David, Eduardo Ratinho, Rafael, Ciel e outrem. Alguém vai dizer que os piores foram contratados do clube e não da patrocinadora. Réplica: não é interesse da empresa ver seu espaço de exposição da marca ainda mais valorizado com jogadores de alto nível, em vez de mesclá-los com outros de recursos claramente discutíveis?

Também podem dizer que é natural o patrocinador “interferir porque o dinheiro é dele”. Chega de mais conversa fiada: esse processo de interferência já custou caro demais ao Fluminense, permitindo arroubos megalômanos e inclusive uma Libertadores jogada fora pelo capricho de quem dirigia o time, com pleno aval de quem o bancava – ou alguém acha normal em pleno futebol de hoje um time ficar um mês sem jogar antes de disputar uma final de competição internacional?

Ninguém é louco de dizer que a Unimed não foi ou não é importante para o Fluminense. Mas isso é uma coisa muito diferente de se fazer da administração do futebol um estado de sítio permanente, onde o todo-poderoso senhor do dinheiro impõe regras que engessam o funcionamento diário das coisas da bola no clube – o que não cabe a torcedor nenhum do Fluminense fazer – o Fluminense não é uma capitania hereditária, não tem um dono, um imperador ou um contratador do século XVIII.

Neste momento, penso em três erros crassos cometidos pelas sucessivas administrações tricolores: 1) não terem preparado o simples modelo de concorrência no mercado, natural na chamada livre economia que temos – difícil imaginar que nenhuma outra empresa de porte no Brasil não mostre interesse em patrocinar a maravilhosa camisa tricolor; 2) terem permitido um sistema de patrocínio que levou o clube à completa dependência econômica, o que só tem sido reduzido a duras penas e minimamente no atual governo. 3) ainda não terem incrementado o sócio-futebol devidamente: precisamos de 100 mil sócios, o que nos daria cerca de 36 milhões por ano, reduzindo a dependência de quem quer que seja.

Uma análise reducionista da questão aponta para o massacre de Peter Siemsen porque não concorda com as supostas imposições de Celso Barros. Reeleito por “capote” há quatro meses, o presidente do clube passou a ser visto por muitos como um vilão incapaz – como sua vitória esmagadora nas urnas não tivesse sido fruto da enorme rejeição que os sócios tinham aos eternos nomes de oposição – todos subservientes a qualquer ordem da patrocinadora, por mais esdrúxula que fosse – enrustidos à sombra involuntária de Deley. Lembremos que o grande craque, eterno herói das Laranjeiras, derrotado nominalmente nas urnas, foi carregado nos ombros pela torcida ao fim do pleito, mostrando bem a radiografia do que ocorreu: a rejeição não foi ao seu nome, mas sim a quem o cercava.

Resumo da ópera: o futebol do Fluminense está caótico e precisa de mudanças imediatas. Entretanto, é preciso mais reflexão, questionamento e menos palavras de ordem vazias. O direito ao contraditório é fundamental. A racionalidade também.

“Fora, Peter!”, ok: e o substituto viria da lista de nomes mofados? Pffff…

Façam-me o favor: quem teve 90% de rejeição há quatro meses numa eleição tem tanta utilidade quanto o retorno de Rodrigo Caetano ao clube – 0,20%. Não se cura entorse no tornozelo com amputação da perna. Mas é de se entender que a hora de rever os nós que estrangulam o Flu não isenta Peter de forma alguma – o presidente tem um segundo mandato em frangalhos e precisa mostrar serviço de recuperação já, agora, hoje depois do almoço. Apenas considero que a sua simples renúncia não vai resolver nenhum problema de Álvaro Chaves hoje, pelo contrário. Uma simples opinião. Ou um eventual novo presidente impedirá a casa da Mãe Joana atualmente feita pelos desejos pessoais do presidente da patrocinadora?

Dentro de campo, o principal problema é completamente desnudo: um time cuja base já tem meia década e formado por jogadores que, em sua maioria, não possuem uma característica essencial para o futebol jogado hoje – a velocidade. Abel Braga, muitas vezes chamado de “burro”, deixou seus agressores no chão: bateu pé por Wellington Nem e isso explica muito do título de 2012 – ele fez a leitura desse problema há três anos. Reparem que desde a nossa perda de referência de velocidade, o time fez uma jornada desastrosa em 2013, só não caindo de divisão porque o adversário mais sortudo do mundo estava em seus melhores dias. Mas não se limita a isso: neste 2014, salvo esparsos momentos de habilidade individual, alguns até capazes de nos empolgar, a receita do Fluminense em campo é exatamente a da péssima partida contra o Vasco: a) chutão de Cavalieri para a intermediária, tentando Conca ou Fred no pivô; b) bola parada em cruzamento para a área; c) chuveirinho, em caso de bola rolando. Entramos no seguindo trimestre da mesma maneira com que saímos de dezembro de 2013: por baixo. Um bando.

Compreendo naturalmente a fúria de milhares dos nossos torcedores com tudo o que está acontecendo. E nem poderia ser de outra forma. O Fluminense é grande demais para se acomodar diante de derrotas para o Horizonte ou jogar diante do Vasco como se fosse um time acomodado, parado, em descaso, pequeno. Ou jogar um primeiro trimestre inteiro no lixo. Isso é inaceitável e as coisas precisam mudar nas Laranjeiras. Mas não é hora do mau momento nas internas financiar velhas moscas varejeiras oportunistas sem maiores serventias para o clube – é preciso enxergar o coletivo, o que vem à frente, o que precisamos fazer.

Dentro de alguns dias, o Fluminense será o time mais massacrado do Brasil por ocasião do campeonato brasileiro: preocupação completa com as arbitragens, a segurança dos torcedores em jogos fora do Maracanã, a imprensa marrom corrupta atirando pedras demais em nossas cabeças. Para enfrentar um cenário destes, é fundamental organizar as coisas a partir de hoje.

Preferencialmente com a Unimed ao lado e fortalecendo o clube.

Bom senso. Sem trocadilhos.

É também justo que Celso Barros considere que o Fluminense precisa encontrar o seu caminho em termos econômicos. Como empresário investidor, tem todo o direito de buscar o que monetariamente lhe apraz.

Entretanto, o time que fundou o futebol brasileiro não se curvou a imposições de mecenato nem em seus piores dias, caso da terceira divisão. E não morreu. A própria Unimed apostou no Flu naqueles dias e chegou até aqui com ele.

Mas acontece que o Fluminense está perto de completar 112 anos. Não nasceu ontem e nem chegou outro dia. Forjou o futebol brasileiro, os alicerces, a organização. Ganhou o Nobel do esporte. O mundial de clubes. Marcou presença nas conquistas mundiais da seleção brasileira. É um dos times com mais títulos no Brasil. E tudo isso não começou em 1999, nem terminará caso um dia a parceria tenha seu indesejável divórcio. Hoje, seria difícil demais para todos. Mas não é a morte. Quem ensinou que o Fluminense não vai morrer e não vai acabar foi simplesmente Nelson Rodrigues.

A Unimed é muito importante para o Fluminense. Mas ela NÃO É o Fluminense.

Esta é apenas a opinião de um escritor (sem copydesk/ghostwriter) que é torcedor há 36 anos nas arquibancadas tricolores, pagando regiamente seus ingressos e sua condição de sócio, que não se locupleta do clube e nem busca oportunidades pessoais dentro da sede. Eu não tenho vocação para descobrir o segredo do ovo de Colombo. Apenas já vi muito desse filme antes. Bem antes. Sou dos tempos de Tia Helena, Seu Armando e Zezé. Não pretendo ditar a história, o que considero tão patético quanto quem se julga em condições de fazê-lo; apenas tenho feito parte dela, na também parte que me cabe – minúscula, por sinal.

Tenho mais o que escrever. Não tenho paciência com parlapatões. Queiram desculpar.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: globoesporte

12 Comments

    1. Andel: Tenho mais o que escrever. Não tenho paciência com parlapatões. Queiram desculpar.

  1. O mimado do Celso Barros foi extremamente, mal educado e deselegante com os tricolores e o nosso eterno Fluminense Football Club.

    Dr. Peter assuma o comando e mostra o caminho da porta dos fundo para esse mimadinho….

    (((((((((((((((((((((((((((((( nennseeeeeeeeeeeeeeeeeee ))))))))))))))))))))))).

  2. Parabéns!
    Disse o q realmente está acontecendo no clube. É triste vermos n/time passando p/estes vexames. Atletas s/compromisso c/o clube, jogando c/se fosse um time de 3ª categoria.
    É preciso q se mude, e logo, senão seremos alvos de mais e mais gosações, p/parte de n/adversários.
    Q sejam feitas contratações, como a de Conca e Walter. E mandem embora, Wagner, Bruno, Leandro Euzébio, Diguinho, e se quizerem, Carlinhos. Renato, o técnico, está fazendo um papel péssimo. Fora tb.

    ***…

  3. Excelente texto! Parabéns pela imparcialidade…
    Que o futuro reserve melhor sorte ao nosso tricolor!

  4. Perfeita a análise…
    No entanto, se é preciso alinhamento o clube deve procurar o que está errado, parando de pagar salários astronômicos quem se locupleta do clube em beneficío próprio.

    Colocar na conta da UNIMED parece tão simples como somar dois mais dois

    Abraços

  5. Muito bom!
    Falou exatamente tudo o que eu penso.
    A situação atual é desesperadora, dentro e fora de campo.
    A Unimed é muito importante, porém nós somos o FLUMINENSE, uma instituição com mais de 100 anos.
    Se for pra ficar sob estas condições, é melhor que saia mesmo. Vamos sofrer uns 2 anos, mas tenho certeza que vamos nos recuperar.
    ST!

  6. Excelente texto, mostrando a realidade, analisando corretamente os fatos. Perfeito! Parabéns ao brilhante Paulo Roberto Andel.

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