Uma outra estação (por Paulo-Roberto Andel)

ou tempos modernos

ou a primeira mulher linda pelo caminho não é a mulher mais linda do mundo

ou Xuru e João

MARACANÃ 21 07 2013

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Se você acha que o Maracanã era uma porcaria e agora é que está bom, te agradeço pela oportunidade de me visitar neste espaço, mas acho que o teu melhor caminho é ler meus vizinhos do dia, publicações antigas, voltar mais tarde ou em outra oportunidade.

É que vou falar aqui do meu passado, do meu amor, do que ainda está nas retinas e estará para sempre, mas feneceu de corpo, assim como minha família e alguns amigos tão queridos.

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Não tenho dúvidas de que o estádio está muito bonito. É bom ter uma casa bonita.

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Mas a primeira impressão que tive é a de que alguns homens – ou mesmo mulheres – têm ao admirarem a estonteante beleza física de uma mulher. Ora, o mundo é feito de milhões de lindas mulheres, e por que algumas se sobressaem em relação às demais? Simples: beleza é o cartão de visita inicial, mas não é tudo. Uma mulher bonita é apenas uma mulher bonita. Agora, se for a mulher mais linda do mundo, ela vai ser bonita, simpática, doce, sexy, provocante, inteligente, charmosa, carismática e mil outros predicados.

As coisas são diferentes.

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Entrar no estádio com ingressos de mesmo preço. Então você descobre que está há três anos sem teus amigos do lado e não poderá sentar-se ao lado deles porque há o padrão de dona Fifa. Tempos modernos.

Rampas e rampas e rampas.

Os maravilhosos e impecáveis assentos não são tão maravilhosos assim, embora melhores do que qualquer outro estádio por aqui. Não falo de arenas: não tenho vocação para touro ou leão.

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Olhar as arquibancadas em torno. Aquele vazio enorme no meio, feito fosse um jazigo assustador nas imagens da televisão. Do outro lado, os rivais nunca foram tão amigos: é bom saber que a chama do debate entre os grandes clubes não há de se apagar – quando as torcidas se digladiaram nos gritos, senti o alívio de uma Via Láctea. A visão de qualquer lugar é boa. O mesmo do eco – e como eu tinha medo disso, da perda! – nos cantos das torcidas. Em certo momento – ou muitos – procurei a geral e as cadeiras, a tribuna de honra. Fiquei perdido às vezes. Os garotos da Fiel tentavam pegar as bandeiras, tudo parecia estreito. Não teve pó-de-arroz no dia do aniversário do Fluminense.

Onde estavam os vendedores de cachorro-quente Geneal? Os amigos astronautas com seu refrigerante em tanques?

Só no meu coração falido.

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Minha alma de garoto era pegar o 434 na Figueiredo Magalhães, esperar para ver se Katia passava linda à rua, dar a volta no mundo, saltar na minha amada UERJ que eu frequentaria anos a fio, atravessar o canalzão e descobrir o mundo do futebol.

Agora não tem ônibus. Nem táxi. Mas foi bom descer pela rampa da UERJ e rever o que sobrou da minha infância, adolescência e mesmo idade adulta. Mas somente rever: afinal, com ingressos a 200 reais, poucas vezes subirei no Maracanã pela outra rampa que frequentei por 32 anos dentro do monumental.

Era preciso fazer uma Copa do Mundo. E um novo estádio. Com dois bilhões, teriam feito outro em qualquer lugar, refeito o Maracanã, mas não estuprando a história. E não deu para colocar espelho nos banheiros com dois bilhões em campo da conta corrente?

O novo estádio está lindo.

Minha infância faleceu. Está enterrada.

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O gigantismo do campo diminuiu com a redução.

Agora é um lindo gramado.

Maior do mundo, nem pensar.

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O tempo há de curar os espaços e silêncios. E ele também tratará de assentar as cousas.

Muitas histórias serão escritas.

Ainda vamos rir, chorar, vibrar e lamentar muita coisa.

Nas novas cadeiras, algum pai vai puxar seu pequeno filho pela mão e este ficará encantado com os sons, as cores e as nuances deste Maracanã que acabou de nascer. Do mesmo jeito que meu pai, Helio Andel, fez comigo um dia.

Nunca mais a massa apaixonada vai invadir o gramado e comemorar um grande título. É que são TEMPOS modernos.

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“Complexo Maracanã informa”?

Não. Minha cabeça é eternamente fincada em Victorio Gutemberg e o eco distorcido de “Suderj informaa-a: Lo-te-riaaaa”.

Coringa? Naldo? Tudo bem, a Anitta é linda. Mas eu não quero ouvir nada disso.

“Ai, ai, ai, ai, ai, aiaiai/ está chegando a hora/ o dia já vem raiando, meu bem/ eu tenho que ir embora”.

“Diga, espelho meu, se há na avenida alguém mais feliz que eu!”

“O mar, oh o mar/ onde andei mareou/ mareou!”

10

Xuru vindo do outro lado, torcida do Vasco, revoltadíssimo com o golaço de Washington, disse que nada mais tinha a fazer do outro lado – o outro outro lado. Veio nos encontrar. Depois descemos a rampa do Bellini, pegamos o 434, saltar na Siqueira Campos, comprar pizza na Bella Blu e todo mundo abraçado.

João Carlos não parava de rir.

Fizemos isso muitas vezes. Ou nos juntávamos com qualquer rival para secarmos o Flamengo na arquibancada contrária. Vimos Cuca marcar de cabeça, por exemplo. Íamos com uniforme de escoteiros, ingresso grátis. Ou pagávamos para jogar bola na geral.

Luiz, hoje um doutor, era o nosso Luizinho.

11

As histórias vão continuar.

E a cada jogo, a cada dia, a cada emoção, meus olhos hão de procurar o Maracanã de amor onde vivi e cresci. Talvez eu escreva até o fim, talvez seja isso o que me resta. Hoje, não sei dizer nem o que virá em duas horas.

Todos vão enxergar ali uma bela mulher, uma linda mulher.

Em todas as frestas, réstias e pequenas rajadas, eu procurarei incessantemente pela mulher mais linda do mundo e todos os seus predicados, até que a miragem se faça verdade.

Inevitável e apaixonada sina.

em amorosa memória de João Carlos de Oliveira Lima (1962-2000), Helio Andel (1941-2008) e Rubens Nunes Carvalho o Xuru (1970-2005).

BOB DYLAN MODERN TIMES

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagens: PRA/ Columbia

http://www.editoramultifoco.com.br/literatura-loja-detalhe.php?idLivro=1184&idProduto=1216

2 Comments

  1. A memória às vezes nos trai e a saudade nos cega, tornando-nos cativos do passado. Eu ainda não fui ao novo Maraca, estou atualmente a 1.200 km de distância, em Brasília, mas imagino o que sentirei no reencontro com o meu querido estádio, agora despido das velhas arquibancadas e sem o meu biscoito preferido em todos os tempos: Globo (Olha , o biscoito grobo aí), aquela rosquinha de polvilho maravilhosa da minha juventude em Copacabana, que também dava os ares da sua graça e sabor nas tardes calorentas dos domingos de jogo. Vou ter que me acostumar com o novo estádio, vou procurar aceitá-lo sem remorsos, mas era lindo entrar nos apertados túneis das arquibancadas e ver o estádio se revelar, como se desabrochando em cores e sons que jamais esquecerei. Rei morto, rei posto.

  2. Seu texto fez passar um filme na minha cabeça desde a primeira vez em que pisei no Maraca em 1965 eu com anos e dos anos que se seguiram que ia ver meu amado Flu jogar e de tantos times e personagens memoráveis nas arquibancadas como o Careca e outros tantos na geral,fui no domingo ao new maracanã e me senti em outro lugar apesar da mesma localização geográfica.Podem nos chamar de saudosista mas história e tradição andam de mãos dadas e fazem a identidade de um povo,e isto é importante para nos enxergarmos.
    Realmente uma linda mulher chama muita atenção e até desperta desejo,mas uma mulher sensual e charmosa e com brilho marca muito mais e nosso primeiro amor não esquecemos mesmo que tenhamos outros .
    Abraço e Saudações Tricolores!

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