Um dia nas eleições tricolores (por Paulo-Roberto Andel)

CHEGOU o Uber e o motorista já brincou logo com meu boné grená. Então me senti em casa e rapidamente cheguei à sede do clube. Por mais que o Fluminense seja dilapidado dia após dia, a casa ainda impressiona pela beleza.

Vivi ali dias muito felizes.

Ao contrário do que eu esperava, a fila de votação no início do processo não tinha mais do que 30 pessoas.

Antes dela, telão colorido na porta, bandeiras, muitos militantes pagos e um inevitável sabor de grandes novelas do passado, “Roque Santeiro”, “Saramandaia” e “O bem amado”. Podia ser só humor mas é a triste realidade.

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Candidatos assumidos, de figuração e enrustidos passam pela fila antes da entrada. Os sentimentos se misturam. Você percebe nitidamente que certas simpatias e amabilidades são simplesmente parte de farsa que vivemos há muitos anos. Sorrisos de ocasião. Fazem o ir e vir à toa: já se sabe que tudo está decidido.

Picocelebridadas rebolativas em êxtase, fazendo de tudo para ser vistas. O like dá lucro. Que trash!

Fico me perguntando sozinho: o que estou fazendo aqui além de marcar posição eleitoral? Para quê? Talvez faça sentido. Não teria sido mais útil ver o jogo da Copa? Ok, vim.

Milhares de sócios tiveram sua chance de votar sabotada, tudo pelo boicote odioso e cretino que se fez ao Voto on Line. Uma das maiores vergonhas da história do Fluminense.

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Rapidamente chego ao Salão Nobre e à Zona Eleitoral. Sócio há dez anos, finalmente volto ao século XX para votar em cédula de papel. O motivo é que tenho dois planos num único CPF no “sistema”, mas eu não pago duas mensalidades. A simpática atendente não consegue explicar muito bem mas resolve a questão. O “sistema” é phoda, parceiro.

Na fila da eleição vintage, sou o próximo a votar. Leio a lista de eleitores e vejo que sou o quinto ou sexto a assiná-la em dez minutos de pleito.

Na cabine solitária de papelão, penso em muitas coisas. A principal delas é: sou mais um número inútil a serviço da maquiagem democrática. Eu não vou mudar nada. O jogo já estava decidido há muito tempo. Não é tão diferente da cidade ou do estádio, mas dói para muitos tricolores. Outros não: comemoram o terceiro lugar, a eliminação digna, a casa arrumada (com as contas cheias de esparadrapo e merthiolate). Alguns declamam as façanhas de 2022. É claro que eu comemorei os gols do Cano na final, mas não adianta querer fazer deste Carioquinha um 1995 ou 1984. Não é. Nunca será.

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Deixo o Salão Nobre sem data de retorno.

Vejo um sujeito caricato, desses que me bajulava no passado, com seu ar pedante e sua camisa eleitoral que mais parecia um bustier.

A fila de entrada aumenta consideravelmente.

Cumprimento Mazella, Rolim, Poggi, André Horta e vou para o café no Pão & Companhia. Nem tudo está perdido.

Sentado e bebendo meu suco de laranja, fico pensando que o Fluminense sempre vale a pena, mas que essa política de clube não. Ou ela muda no discurso e na ação, ou cada vez mais só ficarão os de sempre, sem novidades, cometendo os mesmos erros mas torcendo para a sorte que nunca virá.

Peço o Uber da volta. É sábado de Copa do Mundo.

Acho que nunca foi tão triste ir ao Fluminense quanto neste sábado de pantomima eleitoral. Seria quase cômico, mas foi trágico.

Ao vencedor, boa sorte. Vai precisar muito dela para chegar ao fim do mandato ileso.

Um abraço ao Ademar, que jogou com toda a dignidade.

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Termino estas linhas com a saudação a Peter Frampton, um dos maiores artistas de todos os tempos.

Na tradução de “Lying” pode se ver algo como “Você está sempre mentindo/ Eu te peguei mentindo/ o dia todo e a noite toda”.

A canção simboliza o dia.