Um amor de Calvert (por Ernesto Xavier)

1912

CARTA AO MEU AMOR

“Amor meu,

Há quanto tempo não tenho notícias suas. Escrevo esta carta em um momento um tanto complicado. A quem mais eu poderia confessar minhas angústias a não ser a ti? Desde que você partiu para o interior, tem sido cada vez mais difícil suportar as dificuldades sozinho, mas sabes que não fujo a nada, principalmente quando duvidam do que sou capaz. Partirei ao seu encontro em breve. O Fluminense ainda precisa de mim e de todos os guerreiros que restaram até o fim do Campeonato Metropolitano.

É do próprio Fluminense que gostaria de lhe falar. A esta hora faltam apenas 40 minutos para que entremos no field para o maior desafio de nossa história. Nos últimos 10 anos fomos superiores a todos os clubs no Rio de Janeiro. Ano passado, como já te falei em outra carta, vencemos o campeonato indiscutivelmente. Invictos! Apenas vitórias! No que causou a súbita briga de egos que levou 9 dos nossos titulares a debandar e formar o primeiro time de football do Clube de Regatas do Flamengo. Vou privá-la aqui das palavras que ouvi dos desertores, que em nada pareciam os companheiros de outrora. Será que eles não entendem o tamanho do Fluminense? Não há nesta cidade algo tão vistoso e imponente quanto o verde, branco e grená.

Estão todos a dizer que seremos massacrados em nosso estádio. Porém digo que os que antes eram reservas e permaneceram em Álvaro Chaves são a essência deste club. Os que se foram não entendem que quem vencia não eram eles e sim o Fluminense. Nada mais. Ponha a camisa tricolor em 11 estivadores que nunca viram uma bola e eles farão do field o seu mais conhecido local de trabalho. Nossa camisa tem algo de mágico a encantar aqueles que a trajam!

Ai que saudade de ti! Nada me é mais triste do que marcar um goal e não tê-la por perto para dedicar-lhe minhas glórias, nossas glórias, de toda a assistência(torcida). Hoje será o grande dia. Vou imaginá-la por perto. Isto com certeza me fará bem, me dará força. Entrarei no field com uma garra nunca d’antes vista. Nunca hão de humilhar o Fluminense! Não permitirei isso jamais! Talvez daqui há mais de 100 anos ainda falem deste 7 de julho de 1912. Um dia de inverno, mas cheio de sol sobre a Guanabara. Está tão lindo o dia. Devias ver.

Meus companheiros devem estar a minha espera. Devo partir. Em uma próxima oportunidade conto-lhe o que se passar nas próximas horas. Faremos história, sairemos com a vitória. Aos que não acreditam em nós, mostraremos em campo do que somos capazes.

James envia-lhe abraços saudosos, mamãe diz que a espera para comer o bolo de que tanto gostas.

Quando algo parecer perdido lembrarei-me de ti, amor meu. A esperança que tenho de tê-la novamente a meu lado é o que me impulsiona. Farei um goal por ti. Vence o Fluminense!

Com amor,

Edward Calvert”

*Edward Calvert foi um dos jogadores que permaneceram no Fluminense. Ele foi o autor do primeiro gol em um Fla-Flu, logo no primeiro minuto de jogo.

** Esta foi uma licença poética onde imagino o que passou pela cabeça de E. Calvert antes de entrar em campo naquele 7 de julho de 1912.

Ernesto Xavier

Panorama Tricolor

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