E meu amigo Dino fez certa cobrança: “Quero ver se você vai escrever sobre o meu Flamengo se colaborarmos no Independência?” Fez uma, duas, três vezes, de modo que não posso negar a homenagem ao grande amigo desde os tempos da faculdade: não pediria isso a quem considera um escritor medíocre. Dos homens de escrita arrogante, estilo peito-de-pombo, o povo sempre espera que venha a última crônica. Felizmente não é meu caso: algumas pessoas gostam de mim, outros não. Três me detestam, mas são idiotas e isso lhes atenua eventuais penas. Aos idiotas, o silêncio de réquiem é o oxigênio definitivo.
Pois bem, quero falar da quarta-feira em breve.
Domingo será um grande dia. Eu vou me reencontrar com o Morumbi depois de tantos anos, uns vinte. Foi bem perto dali que meu pai passou agruras, quando estudou num internato judeu por ocasião da morte de meus avós paternos. Passou dificuldades, mas também se divertiu: em fugas ocasionais, a turma pulava o muro da fábrica de pão Pullmann e conseguia deliciosos lanches. Isso foi entre os anos 40 e 50, o Morumbi veio depois, em 1960. Anos e anos mais tarde, estive lá algumas vezes; não vou há anos, mas saber que meu pai caminhou por aquelas ruas é ressuscitá-lo depois daquele fatídico 21 de maio de 2008, o mundo inteiro cantando a nossa vitória monumental da Libertadores contra o mesmo São Paulo, eu acompanhando o corpo para o São João Batista. As supostas coincidências é que fazem a história. Domingo terei os jovens a meu lado, a admirável mocidade das nossas torcidas, nossas garotas belíssimas, nossos admiráveis maníacos que jamais falham nos mares de concreto. Um domingo especial, onde não espero menos do que um resultado importante – e positivo! – contra os gigantes do Morumbi.
A quarta-feira, santa quarta-feira que se foi.
Tivemos uma reunião de trabalho na agência. Depois, o grupo se separou, ganhamos uma carona e viemos eu, Caldeira e Prazeres, Henrique mais tarde, para o Vieira Souto. Precisávamos de um bife: o homem tende a se imortalizar diante de um prato suculento e um bife empolgante. Chegamos na hora do jogo, onde o Fluminense precisava de uma vitória sem sequer entrar em campo. Não, caros amigos, não era uma decisão de campeonato, mas é inegável que o tropeço do soluçante Atlético contra a Gávea ajudaria e muito a nossa caminhada para o título. Alguns abusaram da xenofobia nestes dias, sou capaz de reconhecer os direitos que têm. Contudo, um pensamento meu é mais claro do que água da nascente: eu não sou um contra, eu abomino as carpideiras rancorosas e fugidias, acima de tudo eu sou tricolor. Minha religião é o Fluminense, meu partido é o Fluminense e tudo que possa ser feito dentro da ordem constitucional para ajudar o Fluminense, apoio sem pestanejar. Não me venham com falácias mofadas: quem torceu pela derrota do alvinegro de Minas esteve do lado da Gávea naquela noite. Não há nenhuma vergonha em se amar o Fluminense e, por conta disso, torcer pelo rival em alguma ocasião. Muitos dos que condenaram tal atitude já fizeram coisas abomináveis contra nossas próprias cores, nosso próprio time. A hipocrisia é o câncer da personalidade. Nosso mestre maior foi Nelson e ele ensinou como ninguém: “Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia”. Nelson, acima de tudo era um gozador – imortalizando em seguida “O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade”. Não leu – e não entendeu – somente quem não quis.
No Vieira, os flamengos acharam graça de nosso apoio. Alguém disse “Vocês são uns canalhas!” e sorriu; rimos e concordamos. Veio o jogo. Não havia como não lembrar dos tempos sombrios, 1996 e 1997, o Flamengo daqueles dias não foi Flamengo mas sim um traidor covarde, ressentido, ferido de morte pelo centenário e ávido por um estúpido sentimento de guerra. Ofereceram os pontos de bandeja para Bahia e Corinthians. Zezinho Mansur, então dirigente corinthiano, disse: “O Flamengo precisa entender o nosso momento.” Fomos também feridos de morte, mas soubemos ressuscitar. Vejam: falo de dezesseis, quinze anos atrás. O mundo de hoje é outro. Os traidores estão mortos, o Fluminense está mais vivo e feliz do que nunca.
A Gávea, antes de tudo lutava por si mesma no Independência. Qualquer ponto na luta contra um improvável rebaixamento cairia bem. Começou melhor, agrediu, ocupou os espaços e não deu tréguas diante de uma grande e forte equipe, hoje destemperada por uma torcida boquirrota e chiliquenta. Não se pode espirrar e um atleticano grita “Fomos garfados!”; alguém tosse e um incauto alvinegro vocifera “O Fluminense é beneficiado”. Não há como saber neste cenário o que é sonho, delírio ou ignorância. Volto ao jogo: o Atlético chutou uma bola no travessão. E atacou uma, duas, três, vinte vezes enquanto os zagueiros da Gávea tiravam qualquer bola até mesmo com as gotas de suor. Tudo brilhou quando Renato acertou o belo chute no canto esquerdo, a boça roçando a trave, típica de lances no futebol de botão: um a zero, silêncio sepulcral entrecortado por faniquitos, todos berramos a plenos pulmões no botequim. Sem estar em campo, vibramos com rigor: era o bem do Fluminense e isso é primordial. Perderam o goleiro por contusão. Depois, o lateral Wellington foi expulso, o que claramente comprometeu a marcação até o fim do jogo. O segundo tempo foi agonia: o Atlético martelando a cada segundo, cinquenta bolas tiradas da área. Numa hora, empatariam e foi inevitável na cabeçada de Leonardo. Não era o melhor dos cenários o empate, mas como reclamar? Um jogador a menos, pressão constante, luta contra as próprias limitações. Nos vinte minutos finais, o alvinegro era todo coração, suor e ofensividade, entre um e outro chilique inapropriado dos jogadores; a Gávea não se fez de rogada: colocou a garra nas pontas das chuteiras, fez da partida uma procissão, levou outra bola na trave, suportou o drama e, ao final, abiscoitou o ponto que lhe seria tão importante. À mesa, nosso churrasco foi uma comemoração.
Era importante manter larga vantagem na frente e o Fluminense, mesmo sem jogar, saiu como o grande vencedor da noite. Tem o tetracampeonato à vista. Não venceu nada, mas encaminhou-se para tal.
Não, que ninguém se iluda: a divertida gozação em apoiar o Flamengo foi muito bem-recompensada com uma atuação de garra, de atitude, de respeito às regras do futebol, da ética que parecia perdida dos anos 90 em diante. Não, não foi o mais importante para os rubro-negros conseguir o ponto precioso no campeonato, menos ainda ajudar diretamente o tricolor. O que mais salta aos olhos da quarta-feira que passou está no fato de que, ao retomar o caminho da ética e o respeito ao rival, o Flamengo se reencontrou com a sua própria história. Fez jus ao fato de ser um dos times mais respeitados pelo mestre Nelson, mesmo que este tenha lhe oferecido também gozações admiráveis em suas crônicas eternas.
Por ora, o que não permite gozação alguma é a nossa confiança no tetracampeonato. O Morumbi não perde por esperar.
Dino é meu amigo e disso tenho muito orgulho.
Paulo-Roberto Andel
Panorama Tricolor/ FluNews
@PanoramaTri
Imagem: futeboldemesanews.com.br
Contato: Vitor Franklin
A arbitrgem de framengo x figueirense está de chorar sangue pelos poros, dois gols muito mal-anulados na sequência do figueirense (não precisava nem dizer de que time, né) e um lance de escanteio inacreditável não marcado. É o maior roubo que já vi em décadas acompanhando o futebol, se fosse a favor do Fluminense, seria o início da 3ª guerra mundial.
Será que os mesmos jornalistas que massacraram o Fluminense farão o mesmo com o framengo.
Um doce pra quem acertar.
Bravo, Andel! Mais uma grande crônica!
Claro que fui mais um TRICOLOR a torcer pelo urubu. Torcer pelas galinhas – mesmo que para vê-lo, o urubu, mais perto do rebaixamento – seria torcer contra nós mesmos!
E, rivalidades à parte, deixo aqui o meu agradecimento aos remadores da gávea pelos 11 pontos com que nos “ajudaram” neste brasileirão! 😉
Braxxxx e SSTT!!! RUMO AO TETR4!!!
Paulo comenta:
Queridos companheiros Alexandre e Sergio, grande abraxxx e obrigado de sempre.
Destaco aqui alguns trechos do acima publicado:
“Contudo, um pensamento meu é mais claro do que água da nascente: eu não sou um contra, eu abomino as carpideiras rancorosas e fugidias, acima de tudo eu sou tricolor. Minha religião é o Fluminense, meu partido é o Fluminense e tudo que possa ser feito dentro da ordem constitucional para ajudar o Fluminense, apoio sem pestanejar.”
“Veio o jogo. Não havia como não lembrar dos tempos sombrios, 1996 e 1997, o Flamengo daqueles dias não foi Flamengo mas sim um traidor covarde, ressentido, ferido de morte pelo centenário e ávido por um estúpido sentimento de guerra. Ofereceram os pontos de bandeja para Bahia e Corinthians. Zezinho Mansur, então dirigente corinthiano, disse: “O Flamengo precisa entender o nosso momento.”
“Não, que ninguém se iluda: a divertida gozação em apoiar o Flamengo foi muito bem-recompensada com uma atuação de garra, de atitude, de respeito às regras do futebol, da ética que parecia perdida dos anos 90 em diante. Não, não foi o mais importante para os rubro-negros conseguir o ponto precioso no campeonato, menos ainda ajudar diretamente o tricolor. O que mais salta aos olhos da quarta-feira que passou está no fato de que, ao retomar o caminho da ética e o respeito ao rival, o Flamengo se reencontrou com a sua própria história.”
Quarta-feira foi uma bela fotografia. O álbum inteiro tem outras fotos.
Grande Paulo
Belíssimo artigo! Na quarta passada, fui Flamengo “desde criancinha”. Vibrei muito para estancar a força do Atlético MG, com a sua torcida descontrolada e furiosa. Tenho pena dos atleticanos. Mas tenho mais pena de alguns daqueles irmãos tricolores que insistiram em não torcer para o Flamengo, se recusarem a ver o jogo, e mergulhar na burrice. Eu, heim…
Amanhã venceremos o São Paulo no Morumbi. Conto que vc me represente por lá.
Abração
Sergio
Imagino que as emoções sejam ainda mais fortes para você, Andel, pelas memórias que lhe trazem.
Quanto ao Flamengo nos ajudar (quá-quá-quá-quá…) é papo furado, pois o que eles estão fazendo é lutar desesperadamente contra o rebaixamento.
Fora o comparecimento da torcida deles para engrossar torcidas adversárias contra nós (eles tem vários times, diferente de nós) em vários momentos da história, ainda abriram as pernas para o Bahia em 1997, para nos rebaixar, assim como o rubro-negro paranaense contra o Criciúma. Lembram?
Beneficiado? O Fluminense é o grtande clube mais roubado do Brasil desde 1986 (lembram das papeletas amarelas? Do Caso Ivens Mendes?), tendo perdido ainda, além da supremacia carioca de títulos, de uma larga vantagem de vitórias contra o Vasco perdida no apito, a Copa do Brasil 1992, duas competições internacionais (sem contar a deste ano, com o apito que nos derrubou em La Bombonera), além de campeonatos brasileiros como o conquistado pelo CAP, quando perdemos muitos pontos em arbitragens infelizes, que tiraram o cruzamento contra o Atlético-PR do RJ.
Este ano? Acho quer o pessoal não anda vendo os jogos do CAM……
Convenhamos, o Fla não jogou na quarta-feira para ajudar o Flu. Em verdade vos digo: o rubro negro jogou o jogo dos aflitos, desesperados para escapar do risco de rebaixamento. E encontrou forcas no desespero para arrancar o empate no Independência. Lutou primordialmente para não cair e, sem segundo lugar, para mostrar que os traidores merecem a derrota. O objetivo secundário era evitar que o R49 saísse de campo com uma vitória sobre seu ex clube, como forma de afogar a mágoa da torcida urubu. Não se iluda. Não fossem essas motivações os molambos não se esforçariam e com certeza entregariam o jogo. Já fizeram isso no passado e farão de novo se puderem. Para a nossa sorte eles fizeram das tripas coração e superaram suas deficiências. Nada mais!
Paulo responde:
Prezado Jorge, respeito sua opinião e discordo frontalmente dela quando fala de minha ilusão.
À essa altura do fato, estou bastante longe de ser um iludido, o que é chancelado por várias pessoas.
ST
São apenas pontos de vista diferentes. Sei que você está emocionalmente envolvido, o que é bom. Espero que a razão esteja com você. Um abraço
Paulo comenta:
O cronista que não estiver envolvido com a causa não será um cronista em essência. Mas ele também precisa descrever o front, deixando de lado ranços do passado. Não reconhecer a dedicação do CRF no jogo – com todas as observações feitas acima – me parece uma fotografia borrada, sem precisão.
Já escrevi coisas mais contundentes em 2009, principalmente quando 90% dos torcedores jogaram a toalha diante do rebaixamento. Eu estava felizmente entre os 10%.
Braxxxxx
http://www.travessa.com.br/DO_INFERNO_AO_CEU_A_HISTORIA_DE_UM_TIME_DE_GUERREIROS/artigo/4dcf0445-b80b-43e4-a4e9-f6e5dc2ba2cd