Querem matar a mim e ao meu time (por Paulo-Roberto Andel)

TRUE STORIES

1

são três horas da manhã. um casal brinca de jogar farináceos um no outro, leite, molho de tomate, algo assim num filme da TV. minutos depois se beijam. minutos depois, brigam. há uma reconciliação.

[estou cheio de fome, levanto da cama com dor no joelho, dor na coluna, dor no peito, eu sinto muita dor quase todo dia, não bastasse a pior delas que é a dor do sentimento

[não pude ver meus amigos de são paulo, artistas geniais, por causa da dor, nem meu amigo do Rio no recital de clara Sverner – e temo não vê-la nunca mais. vi um grande show dela no teatro do BNDES há tempos.

2

Faço minha própria vitamina de banana, inimitável e que só deve agradar a mim. tudo bem. não preciso de nenhuma aprovação para isso. É uma delícia.

dói meu joelho, minha coluna, meu peito. tenho vários motivos para ficar desesperado, não durmo direito há cinco anos – o que certamente abreviou outros cinco anos da minha vida. diariamente trabalho e penso o tempo inteiro em alguma saída viável.

– e me lembro como fui traído por filh@sdaput@ que usam as pessoas para depois descartá-las feito lixo. gente ruim, desumana, que se diz progressista mas no fundo sempre será medieval. filh@sdaput@s traidores.

[ainda sinto o gosto doce da minha vitamina predileta. guardei metade da caixa de leite para quando reacordar com fome, porque daqui a pouco desmaiarei de cansaço novamente

[meu amor está longe demais, longe demais

3

na TV, o casal conversa durante o café. à essa hora da madrugada, não tenho uma única pessoa para falar. mesmo que tivesse, não falaria. o fato é que estou cansado e preciso fazer algo antes que meu avião sentimental, formado por mim mesmo, se espatife numa montanha qualquer.

uma das minhas diversões na terra desde criança é o futebol. sem ele, talvez eu nem estivesse mais vivo. o futebol me ajudou a não enlouquecer quando perdi minha família. o futebol tem muita sujeira porque os homens estão nele, é claro. e agora um bando de mafiosos quer roubar o meu time para sempre. um bando de escrotos vis. nós, torcedores, não podemos deixar isso acontecer. NÃO PODEM ROUBAR O MEU TIME, VERMES VAGABUNDOS.

[não há tristeza tão grande nesses quarteirões feito a minha. sei que as pessoas sofridas estão chorando na calçada triste e isso é inaceitável. esta é uma cidade de geografia apaixonante mas cercada de tristeza por suas calçadas e trens. são muitos pares de olhos tristes navegando sem rumo pelas ruas, às vezes com caixinhas de doces, noutras apenas com as pequenas mãos esmolando, mas isso só importa para quem presta atenção no movimento – e a maioria não está nem aí para nada, em berço esplêndido da desumanidade em riste.

Sei que nunca mais vou abraçar minha família, e isso é uma sentença de morte.

4

o mês vai acabando e eu me sinto cada vez mais destruído, mas isso não me impede de tratar bem as pessoas, trabalhar, produzir coisas, eu não vou parar.

agora tenho dor no pescoço. viro e vejo alguns botões antigos perto da TV. Ah, minha casa que já foi tão bonita e agora é um traste. mas é a que tenho por enquanto e gosto dela.

então me lembro que não preciso acordar cedo porque hoje posso trabalhar de casa. preciso ir à rua comprar bonés para meus colegas, só espero que a coluna melhore. eu não tenho como me cuidar.

querem roubar o meu time para ficarem ainda mais ricos. covardes, escroques, vermes das vísceras podres à vista, eu vos amaldiçoo até o fim dos tempos, se fim houver. uma das minhas únicas alegrias é o meu time, não um engodo de banqueiros e empresários inescrupulosos.

5

um dia, toda a minha tristeza será cólera, e então todos aqueles que me fizeram mal irão se arrepender de ter nascido.

6

não há mais ninguém acordado no prédio. nas ruas próximas, os oprimidos vivem o martírio. ninguém está realmente preocupado com a vida de ninguém, nem a sua, nem a minha, pois é sexta-feira e a maioria precisa relaxar, se divertir, dar algum sentido a essa estadia que chamam de vida.

ninguém vai se preocupar comigo. eu sou apenas uma estatística, um número e só. os números passam. tudo passa. a única coisa que jamais passaria, segundo um grande dramaturgo, era o nosso time. ele deveria ser eterno, mas há ladrões à espreita sonhando com um assalto ao trem pagador. roubaram o meu sono, a minha paz, o meu conforto. meu time merece viver.

[eu só quero uma esmolinha de paz

Começou o telejornal das quatro da manhã.

@pauloandel