Tricolores de sangue grená, nesses últimos dias tem “bombado” o assunto “freguesia”.

Afinal, o que significa freguesia?

Uma consulta rápida ao dicionário nos diz os seguintes significados:

1. Clientela, grupo de compradores
2. Distrito de uma paróquia
3. Pequena povoação

De acordo com os ditames futebolísticos, podemos inferir que o primeiro significado seja aquele em voga. Alguém é cliente de outra pessoa quando está sempre comprando algo dela, e sendo servido por ela em troca. Costumamos pensar que é uma relação de ganha-ganha, já que tanto o cliente quanto o prestador de serviço (ou vendedor, ou empresário, ou comerciante) recebem algo de valor, ou seja, “trocam” uma mercadoria ou serviço por dinheiro.

Todavia, no futebol as coisas não funcionam da mesma maneira. Como um bom esporte bretão (popularizou-se por lá), suas expressões peculiares foram também afetadas pelo idioma falado na Grã-Bretanha, o inglês. “Goal” é um exemplo. Em inglês, esta palavra significa “objetivo”, e é por isso que o “gol” (palavra aportuguesada) é o objetivo do futebol.

Muito bem, e o que isso tem a ver com freguesia? Explico. O verbo “to serve” (comumente traduzido como “servir”) era usado como expressão idiomática jocosa. “You were served by Englishmen” tinha sentido de piada, e apenas com uma pesquisa mais aprofundada pode-se averiguar o porquê: um dos sinônimos do verbo “to serve” é “to copulate with”, ou seja “copular com”, numa tradução precisa. Eu poderia explicar de forma mais deselegante, mas provavelmente perderia meu espaço recém-conquistado aqui.

Como o prestador de serviço “servia” o freguês, logo o futebol tratou de desvirtuar o sentido desta expressão, tomando o sentido da cópula para iniciar uma jocosa brincadeira que dura até hoje. Da mesma maneira que o cliente que procura muitas vezes em sequência um mesmo prestador de serviço vira seu freguês, um time de futebol que perde muitas vezes em sequência para um mesmo time adversário vira seu freguês, sendo “servido” (como a sinonímia acima) por ele constantemente.

Contudo, cabe um parêntese aqui. Se a questão é o teor negativo da freguesia, ela deve prejudicar o freguês de alguma maneira, correto? Errado.

O Fluminense é freguês do Vasco. Já ouvi isso algumas dezenas de vezes só nesses últimos dias. Não os vencemos há 10 partidas. E aparentemente não acumulamos vitórias contra eles há um bom tempo. Vamos aos números, então, considerando o século XXI (fonte: Netvasco):

Jogos: 53

Vitórias do Vasco: 21

Vitórias do Flu: 8

Empates: 24

Gols do Vasco: 79

Gols do Flu: 60

Há, nos termos do futebol, uma clara freguesia recente do Fluminense em relação ao Vasco. E até que ponto ela foi negativa para nós? Respondo: em quase nada. Vejam por si mesmos: (fonte: respectivos sites oficiais)

Títulos do Fluminense (2001-2015): Campeonato Brasileiro (2010, 2012); Campeonato Carioca (2002, 2005, 2012), Taça Guanabara (2012), Taça Rio (2005), Copa do Brasil (2007)

Títulos do Vasco (2001-2015): Campeonato Carioca (2003, 2015); Taça Guanabara (2003); Taça Rio (2001, 2003, 2004), Campeonato Brasileiro – Série B (2009), Copa do Brasil (2011)

Não considerei torneios amistosos, como a Copa da Hora.

Eis os principais títulos dos dois clubes nesse período. Enquanto o Vasco ganhou apenas mais turnos do campeonato estadual, levamos mais títulos estaduais que eles, e mais brasileiros também, visto que eles só conquistaram a Série B de 2009.

Logo, essa “freguesia” nossa em relação a eles não nos impediu de sermos mais vitoriosos que eles. Além desses títulos todos, fizemos campanhas muito boas nos campeonatos nacionais de 2001, 2002, 2005, 2007 e 2011, sem contar a épica arrancada de 2009; batemos na trave na Copa do Brasil em 2005 e chegamos bem perto em 2006 também; fomos vice-campeões da Libertadores em 2008 e da Sul-Americana em 2009, perdendo para a altitude de Quito; estivemos em evidência durante quase todos esses anos, seja por feitos memoráveis, seja por contratações de peso, seja pelas lindas e magníficas festas que nossa torcida protagonizou. Eles, por outro lado, acumulam dois amargos rebaixamentos num período inferior a cinco anos.

Então, amigos… deixem estar. Quando um vascaíno vier tripudiar, ignore-o num primeiro momento. Dê-lhe um olhar condescendente logo após. O Vasco, que já foi grandioso, não o é mais, em campo e fora dele, e caminha a passos largos para se tornar um Botafogo, que deixou sua grandeza no passado e hoje se insere na mediocridade. Deixem-nos degustar essa vitória, como um comerciante que pensa ter prejudicado seu “freguês” com uma balança desregulada. O cliente manterá a luta por suas conquistas. O comerciante, coitado, fia-se nessa esmola para evitar a bancarrota. E assim será, mesmo que o returno repita o turno.

Ah, e depois de mais nada (porque não tem mais como ser antes), muito prazer a todos. Meu nome é Aloisio e serei um humilde integrante da família Panorama Tricolor a partir de hoje, com colunas sempre na primeira e terceira quartas-feiras de cada mês. Um abraço cordial a todos os leitores.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: beto senra