Quem saberia precisar o exato momento em que nasce uma paixão? E o amor? Possui hora marcada? Logo ele que surge sorrateiramente, vem de mansinho, vai ganhando espaço e se instala sem fazer alardes. Esse é mais difícil ainda de se saber a hora, o dia, a semana…
O menino em seu primeiro dia de aula do ano olhava cansado através da janela da sala de aula naquela manhã de segunda feira. O olhar perdido viajava até os dias que antecederam aquele, tão modorrento, onde o garoto com seus amigos da rua jogaram bola, queimado, pique-pega-esconde-bandeira-cola-etc. Tudo isto agora seria dividido com aulas de matemática, ciências, português, deveres e mais deveres de casa. Suspirava a lembrar. A porta da sala de aula já fechada e ele solto em seus devaneios. Toc, toc, toc! Tudo interrompido pelos três toques na porta, a maçaneta que girou e uma voz:
– Desculpa, posso entrar, professora?
– Claro. A aula já vai começar. O seu nome?
– Marcela.
-Sente-se, por favor, Marcela.
O que era aquilo? Qual um caminhão a atropelar um transeunte, o garoto se sentia destruído por algo muito maior do que ele. A voz ressoava Mar-Ce-La. Os cabelos negros com uma franja que teimava em cobrir os olhos e que ela delicadamente ajeitava a todo o momento, o uniforme ficava mais bonito nela, a escola agora ficaria mais interessante com a presença dela. Férias? Que férias? Ele agora só queria saber do colégio, de estar naquela turma, de acordar cedo. Que dia feliz seria a segunda-feira! Acabaria com o hiato da ausência dela no fim de semana. Paixão à primeira vista. O “coup de foudre” dos franceses.
Um ano inteiro a admirá-la sem ter a coragem de se declarar. Viraram amigos. Era uma forma de sempre estar por perto, de sentir o cheiro de seu perfume, de ouvir sua voz. Nunca sentira algo tão avassalador por nada. Dez anos de idade. Um apaixonado em plena infância. Talvez fosse ela também apaixonada por aquele tímido garoto. Quem saberá? Nunca falaram do sentimento ao outro. Talvez nem soubessem descrever o que sentiam. Quando adultos ainda não sabemos.
Final de ano, boas notas e a promessa do pai: vou te levar para ver o Fluzão ser campeão, filho.
Tudo normal para o garoto. Nunca tinha ido a um estádio de futebol. Seria divertido passar um dia todo ao lado do pai. Pelo menos mudaria a rotina dos finais de semana que ele deixara de admirar. Aliás, Marcela só no ano seguinte. Seriam quase três meses com o pensamento fixo nela. O pai vestiu o filho à caráter. Camisa, short, meião, tudo verde, branco e grená. No trem já via muitos a vestir o mesmo uniforme que ele. Não era uma novidade. Na escola também era assim. Saindo da estação e descendo a rampa mais e mais homens e mulheres, crianças, idosos, pessoas de todos os tipos em um mosaico tricolor. Amigos que se abraçavam, cantavam juntos músicas que ele ainda desconhecia. O pai olhava para ele e sorria.
– Está vendo, filho? São os amigos do papai. É pra cá que eu venho todos os domingos. Tá gostando?
O garoto deu de ombros, mas dentro dele algo começava a mudar e ele não sabia descrever.
Subiram as rampas juntos. Mais alguns metros e nada seria como antes. Nunca mais. Um tiro de canhão no peito, o estômago comprimido por uma força sem precedentes, os parcos pêlos dos braços eriçados, uma euforia que ele desconhecia. Foi isso. Era a torcida a cantar em uníssono envolvendo cada um, fazendo de todos “um” e ele a partir daquele momento não estaria mais sozinho, fazia parte de algo gigante, sem tamanho. O pai logo percebeu que naquele momento tinha conquistado mais um coração, teria um companheiro para sempre.
A entrada do time foi ainda mais emocionante, a esperança tomava conta de todos, que sabiam que o grito guardado depois de tantos anos poderia se libertar naquele dia.
O garoto gostou do refrigerante que o pai comprou, do cachorro quente, do mosaico, das músicas e da hora em que a bola passou por baixo das pernas do goleiro e morreu no fundo da rede aos 36 do segundo tempo. 1 a 0. Uns choravam, outros gritavam, pulavam. O pai jogava o garoto para o alto, que ria de alegria, mesmo sem entender muito bem o que estava acontecendo. Faltavam 10 minutos, mas já se sentiam campeões. Nada poderia mudar o que já estava feito.
Ali nascia mais um apaixonado.
Dizem que a paixão dura um tempo e acaba sendo substituída pelo amor. O que dizer da paixão pelo clube? O mesmo sentimento que se renova a cada jogo, campeonato, derrota ou vitória… O dia em que esta paixão cessar, não se amará mais a garota, a vida, pois seremos nada mais do que ocos, já que é sentimento eterno, que não aceita troca, devolução.
O garoto então ficou com saudade do Fluminense. Só o veria no ano seguinte no Campeonato Carioca. Seria um mês de espera sem fim.
E Marcela?
Continuava bonita aos olhos do garoto, mas nem tão lembrada. Talvez fosse esquecida e substituída por outra já no ano seguinte.
Já o Fluminense…
Este mudou a vida dele desde aquele 5 de dezembro de 2010. A paixão tinha data de nascimento
Ernesto Xavier
Panorama Tricolor
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