Amigos, hoje vou tomar a liberdade de deixar um pouco a sociologia de lado (meu foco aqui no Panorama) e usar a minha coluna para contar uma história pra vocês. Essa história é ficcional, não tem nada a ver com a realidade de nenhuma pessoa e/ou instituição do Rio de Janeiro ou do Brasil. Vamos a ela.
Paulinho é um cara que, apesar de muito responsável, vive em sérias dificuldades financeiras. Herdou uma dívida grande de parentes que deixaram em suas mãos um negócio (um restaurante) semifalido. Este negócio, que funciona numa casa caindo aos pedaços, é apenas parte da história, também foi deixada pra ele outra casa no campo (que tinha uma horta para abastecer o restaurante e estava absolutamente abandonada) e muitas dívidas. Muitas mesmo.
Despesas não pagas na praça, conta no vermelho no banco e funcionários de outras épocas reclamando receber o que lhe devem é uma constante na vida de Paulinho que, mesmo sendo atordoado a todo instante com essa enorme batalha a enfrentar, trabalha (ganhando pouco) e, além disso, conta com ajuda para estudar (tendo uma bolsa integral de estudos que cobre mensalidade, livros, transporte para aula, etc.). Ao menos, há um alento para o rapaz, mesmo que tudo vá mal, a bolsa de estudos não falta e seus estudos seguem.
Sendo inteligente e tendo percepção de sua insustentável situação, Paulinho, ao perceber que a coisa tá feia, conclui duas coisas: uma é que é preciso dar um jeito na situação, arrumar a casa. A outra é que é preciso arrumar dinheiro e meios para pagar essa dívida que lhe jogaram nas costas. E começa a fazer o que precisa para tal, com muito sacrifício volta a pagar tudo que deve ser pago aos empregados pra não deixar o que é ruim se tornar ainda pior. Como pagar isso tudo? Com uma matemática apuradíssima e aumentando a capacidade de ganhar dinheiro.
O que a princípio seria ‘apenas’ difícil se torna hercúleo quando Paulinho nota que,enquanto aperta o cinto e corta tudo que pode cortar, de tempos em tempos, recebe uma surpresa desagradável: além da grande dívida no banco (que não é coisa pouca), a todo instante surgem cobranças feitas pra ele de dívidas feitas pelos seus parentes quando geriam o restaurante, não foi nada feito por ele, mas fazer o que, né? O certo é pagar, então vamos tentar pagar, diz o rapaz. De que jeito? Não sei, mas vou pagar.
Os meses e anos se passam e três anos depois, Paulinho continua em apuros, embora tenha melhorado muito sua situação, conseguiu ao vender bens seus levantar dinheiro pra recuperar sua casa no campo e nela fez uma grande e produtiva horta, onde vegetais da melhor qualidade. Ao vendê-los, de tempos em tempos, alivia um pouco as contas que, por sinal, estão um pouco menos caóticas que antes. Ninguém trabalha para Paulinho sem receber, tanto na horta do campo quanto no seu restaurante. Restaurante, aliás, que com ajuda de parceiros foi reformado e hoje já se encontra em estado muito melhor que antes (atraindo novos clientes e cativando novamente os antigos), já que em lugar nenhum se aumenta faturamento oferecendo nada de bom por muito tempo.
Os estudos? Continuam em dia, graças à sua bolsa de estudos. A bolsa de estudos não resolve tudo, posto que não paga suas contas nem acerta suas dívidas presentes e passadas, mas é fundamental para que Paulinho continue em frente e consiga estar ombro a ombro com os outros com quem compete no mundo lá fora. Por duas vezes em três anos, o restaurante de Paulinho é eleito o melhor do Brasil, motivo de orgulho, mas não de alívio no bolso.
Mais que isso, Paulinho consegue a oportunidade de ter, também na cidade, um outro terreno para construir uma horta ainda melhor,que pode render frutos ainda mais valiosos. Agora não só pra abastecer o restaurante, mas pra vender pro exterior! Que maravilha! Um novo horizonte se abre pra Paulinho! Agora vai! Qual nada! Quando parece que tudo vai melhorar, aparece uma cobrança que exige pagamento de tudo que entra no restaurante de Paulinho. Mas se pagar tudo, pensa ele, não vai dar pra bancar as contas, e aí, como que vai ser? “Tenho que negociar. A ideia é parcelar a dívida dando todo mês um percentual do faturamento. Afinal, se tudo que eu consigo arrecadar já sai pra pagar dívida, eu não apenas não mantenho meu restaurante como ainda acumulo ainda mais dívidas”.
Inacreditavelmente, aqueles que, na teoria, teriam o maior interesse em receber o que Paulinho deve (e que por isso deveriam ser flexíveis com o mesmo, já que este QUER PAGAR) não apenas não aceitam dessa forma como ainda impõem mais dificuldades. Faz sentido isso? Enquanto sua situação piora, seus esforços surtem menos efeito do que o que inicialmente se esperava, muitos dizem, alguns em tom de chacota, outros num misto de sarcasmo e deboche: ”Ué, mas e o dinheiro da bolsa de estudos?”. Estes parecem não entender que essa ajuda num pedaço da história, mas não resolve o pepino de Paulinho como um todo.
Não é preocupante (e trágica) essa história do Paulinho? Então… e se eu te dissesse que no mundo real, infelizmente tem uma história muito parecida com essa e no nosso quintal?
Rafael Rigaud
Panorama Tricolor
@PanoramaTri