Arrogância e pedantismo não servem para o Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

Acima, prints da coletiva de Roger Machado após a derrota para o Bragantino na quarta-feira.

Nos últimos tempos, a luta pela defesa da democracia num país esgarçado tem sido intensa, mas não chegou, ou deveria ter chegado a modificar o significado das palavras conforme o bel prazer de cada um.

A não ser por um exercício de extrema generosidade, é difícil para a maioria da torcida do Fluminense identificar nas palavras do treinador o que tem acontecido nos últimos jogos.

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Já passou, o Flu se classificou na Copa do Brasil – jogando mal – e a vida segue. Mas o gosto amargo na boca continua.

Que há problemas evidentes a ser solucionados, é fato, a não ser que o clube não tenha pretensões esportivas à altura de seus 119 anos.

De forma pragmática, os resultados vieram. Contudo, a fragilidade das atuações suscita dúvidas naturais, exceto para os que praticam malabarismos retóricos visando defender o indefensável ou qualificar o inqualificável.

O problema em tomar eventuais resultados positivos isolados como paradigma de excelência é esconder as deficiências para baixo do tapete.

A onipresença de Nenê em campo é uma delas.

Há dois Fluminenses, no mínimo. Um deles, no gramado, vem caminhando com performances abaixo do esperado, mas sonhando – espera-se – com troféus. O outro, do mundo secreto e inatingível dos bastidores tão cobiçado por parajornalistas, gera algumas desconfianças e não é de hoje.

Ontem mesmo, a título de curiosidade: por que um clube cheio de jovens volantes disponíveis com diversas características iria buscar a solução num jovem jogador rival que nunca se firmou?

Já repararam em quantos volantes o Fluminense contratou nos últimos anos? Um monte.

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Que tal lembrarmos do ano passado, antes da Era Roger? Recordar é viver.

Por quase vinte vezes, o Fluminense lançou como principal opção ofensiva nos segundos tempos o insólito Felippe Cardoso, cuja dispensa foi anunciada logo após a perda do título estadual de 2020, mas subitamente foi reabilitado e transformado em “amuleto” nas partidas do Brasileirão, mesmo que mal conseguisse dominar uma bola.

Se era realmente útil, por que não se negociou sua prorrogação de permanência para a Libertadores? Felizmente deu no pé.

A constante entrada do atacante mais fraco do elenco à época tinha alguma sustentação técnica ou tática?

O tempo traz sérias desconfianças, que vêm de Kelvin, Lucão, Ewandro e outrem. Evidentemente, Roger não era o responsável até por ter assumido o Fluminense em 2021. Contudo, houve alguma mudança na mentalidade geral?

Por que o Fluminense é refém de dois jogadores sofríveis na lateral esquerda, veteranos, agenciados por um empresário permanente no clube? Sustentação tática ou técnica?

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Alguém se lembra da contratação de Rafael Ribeiro, uma espécie de Artur 2015 relançado em 2021?

Ah, sobre o Artur você pode ver no link abaixo uma matéria de março passado. Já faz tempos, mas serve de amostra do que acontece em Laranjeiras:

VOCÊ LEMBRA DO ARTUR?

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Não há dúvidas de que Nenê pode ser um jogador útil ao Fluminense, ainda que esteja no final de sua carreira.

O que não pode é ser um astro intocável, que não sai de campo nem quando está se arrastando, que prende a bola incessantemente longe do gol adversário – o que quase sempre acontece.

Isso não aconteceu com Welfare, com Romeu, com Didi, Telê, Pinheiro, Edinho, Romerito, Assis e tantos outros jogadores consagrados na história do clube.

É no mínimo uma situação inusitada.

Desde a derrota de quarta, ouvi e li muita coisa sobre o jogo e os arredores. Achei até graça de alguns deboches sobre o meu trabalho. Imaginem então o treinador que escolhe a hora de uma derrota com péssima atuação para dizer, ou sugerir, que suas avaliações são técnicas e táticas, enquanto torcedores “apenas” dão opinião.

Milhares de torcedores consideraram com razão que Roger foi péssimo na declaração.

Houve quem achasse até normal, o que não surpreende nestes dias de negacionismo.

Há quem diga que milhares de torcedores concordam com o esquema extraterrestre do treinador, bem como suas substituições protocolares de seis por meia dúzia, que raras vezes modificam o panorama das partidas, para não dizer nunca.

É certo que o treinador deve decidir o que fazer, já que é muitíssimo bem pago para isso. E pode ser que realmente não escute ninguém, pois, se o fizesse, talvez o Fluminense tivesse melhores atuações. Mas uma coisa é certa: é ABOMINÁVEL que profissionais do clube, em tom sereno ou nem tanto, se dirijam para um confronto com a torcida, mesmo que involuntariamente ou de forma mínima, ainda mais em noite de derrota. Haja falta de noção.

Simplesmente não cabe.

Ponto.

Reparem que não se trata de um fato isolado, mas de uma mentalidade que há tempos abraça o Fluminense de forma indevida, até escrota.

O comentarista do clube diz que o torcedor que não paga mensalidades não ajuda em porra nenhuma…

O vice zé ninguém diz que a torcida não assina cheques…

O empresário que opera no clube há quase vinte anos debocha do sentimento dos torcedores…

Um treinador que nunca ganhou nada de relevante querendo arrotar caviar…

Um funcionário desorientado que resolve que faixa deve ou não censurar na arquibancada…

Todas essas situações são distintas mas permitem uma interseção que deveria impor uma norma: arrogância e pedantismo não servem para o Fluminense.

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Roger tem um passado maravilhoso como jogador do Fluminense. Correto, ético, autor de um golaço que levou o Flu a um título nacional depôs de 23 anos.

Como treinador, ainda não é nada. Nada.

Aliás, ainda não foi nada em sua atual carreira.

Anda precisando de uma dose de lucidez.

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Roger pode evoluir e Nenê também, mas o Fluminense não precisa de rogeretes e nenezetes.

Torcer apaixonadamente pelo Fluminense não precisa significar desprezo pelo senso de ridículo.

Falta um mês para o Tricolor voltar ao seu foco principal: a classificação para a Libertadores.

Aconteça o que acontecer, não há mais desculpas para que, na ocasião, o Flu não mostre um futebol regular muito melhor do que o da média da Era Roger, salva na verdade por parte de três jogos em mais de vinte até aqui.

É tempo mais do que suficiente para arrumar a casa.

Se a arrumação devida não vier, não haverá avaliação técnica, tática ou discurso pernóstico que se salve. E quem só tem opinião vai xingar muito, com toda justiça.

As velhas desculpas surradas e repetidas de falta de tempo, falta de treino, desgaste etc só servem para sugerir que os torcedores sejam trouxas, algo indesejável e cretino. Todos os clubes que disputam títulos continentais e nacionais têm os mesmos problemas. Quem quer ser campeão precisa passar por isso. Quem não quer, põe desculpas e passa por figurante.

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Pobres dos arrogantes e pedantes. Pobres de espírito. Os que se acham tão superiores, muitas vezes com suas poses muito acima dos currículos e da praxis.

Os que se consideram muito mais importantes do que realmente são.

Combater a empáfia vale para a vida e no Fluminense não é diferente. Ninguém se lembra de um título tricolor conquistado com desdém aos adversários, quanto mais à própria torcida.

Ninguém se lembra dos nomes dos “formadores de opinião” nos anos 1970 ou 1940. O mesmo vale para 99% dos cronistas e jornalistas.

É sério que alguém se acha o último bombom do pacote em 2021? Téo Pereira pagando de Ivan Lessa? Gasp.

Quem era o assinador de cheques dos anos 1960? Pffffff.

E as gestões de 50 ou 60 anos atrás, quantos integrantes tinham? Salvo meia dúzia de pesquisadores fanáticos, ninguém sabe.

Silenciosos, os cemitérios guardam em suas gavetas e túmulos um devastador espólio de empáfia oca.

Enquanto somos bolas de carne e água andando pelas ruas e podendo apodrecer a qualquer momento, há quem acredite na própria prepotência como um símbolo de status. Algo que transita entre o patético e o constrangedor.

A história do Fluminense, no campo, nas arquibancadas, nos gestos e nas crônicas sempre foi o contrário disso. Especialmente neste último caso, nem o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos se colocou acima do Fluminense em seus textos e falas.

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Esta é minha coluna número 1.130 no PANORAMA, que conjugo com minhas atuações no Correio da Manhã, no Museu do Futebol, no otraspalabras! e outros mais. Devo ter feito outras 100 em O Tricolor e mais 100 no Fluminense & Etc, num intervalo de 11 anos e sem copy paste. Publiquei alguns livros, vocês já sabem e, claro, muito agradeço pela força.

“A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.” (Ivan Lessa)

Por isso, empáfia, deboche e peito de pombo (pavão?), eu só vejo – às vezes, raras vezes – pelo retrovisor.

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Mesmo com tudo isso, que venha uma boa vitória em Bragança Paulista.

AS CRÔNICAS DE ANDEL NO MUSEU DA PELADA – CLIQUE AQUI.

1 Comments

  1. A DESANCAR ESSA ARGUMENTAÇÃO ESCRÚXULA, ONDE, FALÁCIA DA TÁTICA, E QUAL?, AINDA, QUE, A TÉCNICA SEJA VISÍVEL AOS CEGOS, AOS MÍOPES, E, MAIS ÀQUELES A PORTAREM A HIPERMETROPIA E TODAVIA O ROGER NÃO ESTEJA À ALTURA DE SABER UTILIZÁ – LA NEM A SEU FAVOR, ANDEL, DESTROÇA COM A BRITADEIRA DAS PALAVRAS COSTUMEIRAMENTE A LANCINAREM MAIS ÀS CHICOTADAS E SEM PROLONGAR UM AÇOITE PERVERSO. APENAS REVELADOR…

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