Numa barbearia da Zona Sul carioca, entrei ainda bem cedinho para cortar o cabelo, que já andava a merecer um trato havia um tempo.
Dei bom-dia às pessoas, que ainda se preparavam para começar o expediente, e perguntei se poderia me sentar.
Um deles, de cavanhaque branco, gentilmente pediu que eu me acomodasse e o aguardasse. Uma outra moça, que imaginei ser a manicure, ofereceu-me o jornal para ler as notícias fresquinhas.
Era dia seguinte à conclusão da fase de quartas de final da Liga dos Campeões. Mas meu cabeleireiro não parecia saber nada de bola. Por isso percorri o caderno de esportes em silêncio enquanto ele fazia o seu serviço.
Não sei se o cabeleireiro à minha direita pegou carona nas coisas que eu lia, mas fato é que foi ele quem rompeu o silêncio sepulcral do salão, puxando assunto com o jovem de quem cortava.
– Viu o Real ontem?
O time de Cristiano Ronaldo havia eliminado o rival Atlético no Dérbi de Madrid, com um gol no fim. Mas, em vez deste jogo, o freguês preferiu falar da goleada acachapante do Bayern, em Munique.
– Vi só o gol. Mas gostei mesmo do outro jogo. O Porto estava todo felizinho porque havia ganhado por 3 a 1 em Portugal…
A probabilidade de acontecer o que aconteceu a seguir é a mesma de o Fluminense, em sua fase atual, passar dez jogos consecutivos sem sofrer um único gol.
Mas aconteceu.
Havia um cidadão sentado, do outro lado da barbearia, folheando uma revista. Além dele, mais ninguém no recinto ainda bem vazio.
E interrompendo a conversa que iniciávamos, disse, com sotaque pra lá de carregado:
– Me desculpem, mas o Porto foi prejudicado.
Sim, ele era português. E, sim também, era torcedor do Porto.
Parecia inacreditável.
Ante o silêncio, ele seguiu:
– Se o árbitro tivesse expulsado o Neuer com dois minutos, a história do jogo seria completamente diferente.
Quis saber o que houve no lance em questão, e ele explicou que o goleiro havia feito uma falta no último homem do Porto, levando apenas o amarelo.
– Ninguém está dizendo que o Bayern não tem um grande time. Mas isso não repara o erro cometido.
Concordei e, saindo da cadeira, pedi licença para ir ao banheiro. Quando saí, virei-me ao português e disse:
– Mas na minha opinião, o Fluminense é mais time do que o Barcelona e Fred é melhor que o Messi.
Esperava uma provocação à altura de minha brincadeira, mas fui surpreendido com a resposta:
– De fato, Fred é um excelente finalizador, um autêntico homem-gol.
Para depois dizer:
– Mas, como toda a comunidade portuguesa radicada no Rio, tenho simpatia pelo Vasco.
Eu completei:
– Assim como toda a comunidade italiana, pela identificação com as cores, torce para o Fluminense.
Ele voltou ao tema:
– Mas desculpem-me por ter interrompido vocês. Apenas ouvi e quis fazer um comentário.
– Imagine, imagine, fique sempre à vontade… Sabe, da forma como se deu (a goleada do Bayern), lembrou-nos o 7 a 1 da Copa.
Discordou, prontamente:
– Não, não, ali o Brasil não tinha time para levar de sete da Alemanha, de jeito nenhum.
– Verdade, teve o componente emocional envolvido – dei-lhe alguma razão.
E tornei a “divulgar” o Flu:
– Você como torcedor do Porto, deve se lembrar que um jogador do Fluminense já ganhou uma Champions League pelo seu clube, fazendo inclusive gol na decisão: o Carlos Alberto.
Ele abriu um sorriso, lembrando, e balançou a cabeça, consentindo. Já era hora de ir.
Apertei a sua mão e me despedi. Ele foi igualmente amável em suas palavras.
Ante o inusitado da situação, saí rindo da barbearia. Atravessei a Rua do Catete pensando quão poderoso e fascinante é o futebol como instrumento de socialização. Ele cruza fronteiras, aproxima as pessoas, fazem-nas se divertirem e se saudarem com entusiasmo.
Obrigado, Fluminense! Obrigado, futebol!
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João Marcelo Garcez (joaogarcez@yahoo.com.br) é jornalista, publicitário e escritor, havendo já publicado seis livros. Há mais de uma década atuando na área de Comunicação, já trabalhou em empresas como TV Globo, Globosporte.com, Jornal dos Sports e DM9DDB. Bicampeão do Top Blog (2010 e 2013), espécie de Oscar da internet, Garcez escreve mensalmente a este Panorama Tricolor.
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