Você não é meu inimigo. Não, você não é meu inimigo. Não foi nem nunca será. Deixemos de lado as rusgas daquele ano tão distante, quando éramos unha e carne até que o ventre fosse rasgado e parisse a história de nossos dias. Foi um desentendimento que, ingenuamente, trabalhou em prol da posteridade. Caminhamos e muito por uma longa estrada, você de um jeito e eu de outro. Não, não demos as mãos em tom fraternal ou de namoro, pois não faria sentido algum; quando nos tocamos, foi em impecáveis quedas-de-braço, palma contra palma e, nem sempre, quem venceu num dia foi melhor do que o derrotado, tudo para alimentar o calor da disputa. Sim, eu sou melhor do que você. Não, não sou pior do que você. Não, não sou igual a você. Temos nossas características próprias, nossas nuances, os pequenos e grandes detalhes que nos distinguem à primeira vista: cores, gestos, sonhos, atos, maneiras. Não somos irmãos siameses, mas nosso sangue é comum, temos mais semelhanças do que parece ser plausível. Nossa verdadeira vocação é de adversários: vivemos de confronto, de oposição, nossas arquibancadas são diferentes. Um é especial no somatório das lutas, o outro é especial quando as lutas valem medalha de ouro. Ambos temos multidões, verdadeiros continentes de gente que não cabe no estádio. A opulência de oitenta e nove minutos contra a maestria do minuto final. Um é o maior do mundo, o outro é o maior da cidade, os dois são da mesma cidade e essa saudável contradição remete a boas reflexões: como ser o maior do mundo sem dominar a própria cidade? Como ser o maior da cidade onde há o maior do mundo? Não, não é hora de indagações e questionamentos profundos ou rasos, mas sim o momento de celebrar, comemorar, experimentar a vida. Olhar para trás e pensar em tudo o que passou. Dos pequenos teatros da Gávea e da rua Guanabara, chegamos ao garbo de São Januário e depois ao colosso do Maracanã. Agora temos a singeleza do Engenhão. Quantos riram, choraram, viveram e morreram por conta das nossas cores? Quantos experimentaram os mesmos sentimentos, sendo humílimos ou milionários, velhos e moços, todas as cores de uma mesma raça, quando nossas cores se encontraram na esperança em verde num gramado? Quantos trouxeram admiráveis lembranças de nossos encontros em suas infâncias e hoje, perto da despedida, relembram cada passo como se fosse o melhor de suas vidas? Por pior que fosse, sempre reconhecemos a beleza que vimos do outro lado da arquibancada quando gritaram o gol. E o nosso gol a seguir teve um sabor especial. Muitas vezes, o grená esmurrou o vermelho enquanto o preto chutou o verde, tudo sob o olhar atento do braço. E brigamos, brigamos muito. E choramos e sofremos. E rimos e fomos felizes. Lá se foram cem anos e vivemos com toda intensidade, um ardor que poucos sentimentos explicam melhor do que o de um jogo de futebol. Quis o destino que Nelson Rodrigues fosse irmão de Mário Filho e isso, sem dúvida, quer explicar algo hermético e profundo que até hoje não soubemos decifrar. Somos sangue do mesmo sangue e, a cada encontro nosso, algo diferente parece inundar as retinas de quem olha o outro lado, as outras cores, os outros brados – nossas procissões são diferentes, específicas mas, de algum modo, rumam para o mesmo destino. Houve um dia em que as multidões despertaram e nunca mais cerraram as pálpebras. Houve um dia em que nosso encontro virou chacota num jornal, mas esta mesma chacota se tornou nossa marca eterna: Fla-Flu, uma corruptela que ganhou o mundo. Sim, eu sou teu adversário e quero te vencer sempre. Sim, você é uma pedra firme no meu caminho. Sim, eu sempre te provocarei mesmo que tudo seja apenas passageiro e desimportante, pois a importância cabe à nossa construção diária. Não, eu não existo sem você. Não, eu não existo sem você. E agora, te dizer “Obrigado por tudo” significa trocar o mais fraterno dos abraços, pensar em cem anos de saudade e num milênio que nos espera à frente. Obrigado, muito obrigado por tudo, muito obrigado por existir e também ser protagonista desta história. Significa agradecer a mim mesmo. Sem você, eu teria um desgosto profundo e isso ofuscaria o grande amor que tenho pelo querido pavilhão. Hoje, não há mais dúvidas: nós somos a história. Um dia, cem anos serão dois mil milênios. Só o Fla-Flu regenera, só o Fla-Flu revigora, só o Fla-Flu veio antes do nada para chegar até muito, mas muito além do infinito.
Paulo-Roberto Andel
Panorama Tricolor/ FluNews
@PanoramaTri
Contato: Vitor Franklin
BOA TARDE MEU NOBRE AMIGO, COMO SEMPRE UM TEXTO FANTÁSTICO IRMÃO. PARABÉNS .ST FLUII
Amigo Paulo,
Desta vez você se superou. Além do contexto histórico muito bem colocado, a emoção refletida em letras invadem nosso coração e ativam nossa memória, num exercício salutar de recordação de grandes epopéias vividas no Fla x Flu.
Sensacional e emocionante!
Que beleza, Andel!
É puro JAZZ!
Parabéns pelo texto!
Braxxxx! SSTT4!!!!
Paulo-Roberto Andel, excelente teu texto, digno de arquivo! Parabéns e Saudações tetra tricolores! Waldir Barbosa Junior