O passado e o futuro trocam fogo às vésperas do Fla-Flu (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, quero, antes de mais nada, reafirmar que Fred é e sempre será uma referência histórica para o Fluminense e sua torcida. Seja pelos gols marcados, seja pelos títulos conquistados, é impossível negar sua importância no último ciclo vitorioso que vivemos, entre 2007 e 2012.

Apesar disso, seria inocente e inapropriado não reconhecer que o papel de Fred no Fluminense entre 2013 e 2016 é não só irrelevante, do ponto de vista histórico, como até nocivo. Produto mais da total falta de comando e rumo que viveu o clube naquele período que de sua personalidade um tanto quanto egocêntrica.

Não vou me alongar muito nisso, porque sei que o torcedor do Fluminense é inteligente e tem memória. De qualquer forma, vale lembrar do que aconteceu após a Copa do Mundo de 2014. Ainda que tenha sido justo e adequado todo o esforço para recuperar emocionalmente o atleta, injustamente tratado como vilão de uma competição em que tudo foi feito errado, o fato é que o retorno de Fred ao time foi uma catástrofe. Seguiram-se a esse retorno a eliminação escandalosa da Copa do Brasil para o América de Natal e a queda vertiginosa de um time que jogava o melhor futebol do Brasil, disputando, inclusive, a liderança da competição, se convertendo ao já famoso Fredbaal.

No início de 2015, com o clube jogado às cordas pelo fim da parceria da Unimed, quando vivíamos de bravatas, das quais, iludido, reconheço, também fiz parte, o contrato de Fred foi prorrogado com salários incompatíveis até mesmo com o mais alto padrão econômico do futebol brasileiro. Quanto mais do Fluminense, que vivia de incertezas. É que nós tínhamos que ter um ídolo. Ter um ídolo é, sim, importante. Melhor é ter vários. O mais importante, porém, é ter consistência e disputar títulos. Quais o Fluminense disputou naquele período?

Pois eis que nos últimos dias o assunto voltou à tona com a entrevista de Fred, dizendo o que todos nós estamos cansados de saber, que ele saiu do Fluminense em 2016 porque foi instado a isso pela diretoria do clube. A saída de Fred foi tão correta quanto foi desastroso tudo que foi feito em seguida, com a sobra financeira sendo empregada na contratação de uma penca de jogadores sem nenhum referencial para elevar a qualidade do elenco e da performance em campo.

Em outras palavras, nada que remonte aquele período deve despertar saudades, quanto menos deve ser considerada a hipótese de trazer Fred de volta. Para que? Isso não passa de discurso eleitoreiro, sendo que, pior que isso, descontextualizado da realidade. Seria muito melhor empregado dizer que daríamos a vida para manter Pedro no elenco por mais tempo. Seria muito melhor empregado dizer que faremos de tudo para dar ao Fernando Diniz um contrato de 20 anos.

Nós temos que pensar no futuro, não em reviver o passado. Na falta de ideias sobre o futuro, resgata-se um passado deplorável, em alusão desatinada a um passado glorioso que não vai voltar, exceto se o olhar se lance para o futuro. Um futuro que requer medidas enérgicas para profissionalizar a gestão do clube, que se volte para a viabilidade do nosso match day, que já acumula mais de 800 mil de prejuízo esse ano, seja com a revitalização das Laranjeiras, seja com a construção de um estádio. Olhar para o futuro é ter uma visão política capaz de buscar soluções para a conjuntura que se instalou no Brasil desde que a Globo decidiu empreender seus maiores esforços para promover a hierarquização econômica artificial de nossos clubes, relegando o Fluminense a um plano inferior à sua grandiosidade histórica. Aliás, falando nisso, é impressionante como os locutores, durante as partidas do Fluminense, fazem questão de enfatizar o tempo todo a menor capacidade de investimento do clube, como fosse isso uma condição inerente à sua história e não fruto de uma conjuntura fajuta, forjada com péssimas gestões e ação externa para elevar alguns de seus mais relevantes coadjuvantes a um patamar em que jamais estarão à vontade, ao contrário do nosso Tricolor.

Como eu nunca fiz pacto com o senso comum – sou seguidor das minhas ideias e da minha visão de futebol –, não vou esperar o Fla-Flu para falar do Diniz e embarcar numa eventual onda do momento. Até porque, não será o resultado ou o que quer que aconteça em campo que vai determinar a qualidade do trabalho que está sendo feito. Eu vi as cornetas uníssonas dizendo que nós só batemos em cachorro morto, que 5 a 0 no time lá de Teresina não comprova nada. Ontem, vi o Vasco morrer e ressuscitar para arrancar um empate contra o time de Juazeiro, com todo respeito a Teresina, a Juazeiro do Norte e ao povo do Nordeste, embora a minha história mostre que essa ressalva é até desnecessária.

Nós não tivemos o Fluminense batendo em cachorro morto. Vimos o Fluminense se impondo diante de adversários reconhecidamente mais fracos, se portando como algo muito mais forte do que presumia o senso comum. Fez isso porque tem uma ideia de jogo, tem organização tática e joga um futebol belíssimo, mostrando que eficiência, eficácia e beleza podem andar juntas.

Tudo pode dar certo ou errado. Eis o óbvio ululante. O trabalho do Diniz tem 90% de chance de dar certo. Quando falo de dar certo, é elevar o Fluminense ao seu próprio patamar. Todo mundo tem críticas ao Abad, eu acho o Abad uma decepção, principalmente pela expectativa que criou em mim, mas temos que reconhecer que o projeto futebolístico de 2019 se encontra com o projeto financeiro que teve início no final de 2017 e compõem um belo feijão com arroz, com ótimas possibilidades de virar feijoada, contanto que se rompa com essa lógica do balcão de negócios, que fez com que Ibañez, jogador chave no elenco, saísse por aquela mixaria.

Não se pode, por outro lado, negar uma agradável combinação de austeridade e lógica financeira com uma dose respeitável de ousadia, primeiro com Diniz, agora com Ganso. Tudo isso, com manobras de alta qualidade e senso de realidade. Porque o Fluminense não precisa de populismo nem de discurso bacana, mas de trabalho sério e senso de realidade. Senso de realidade que faltou nos anos que antecederam a gestão Abad.

Não está na hora de abrir mão do senso de realidade (vamos encher o saco com esse conceito chato) para viver de fantasias e falta de profissionalismo, que já falta em teor suficiente no Fluminense atual, que é o Fluminense do Abad. Temos que levar esse conceito futebolístico para todas as categorias de base e não ter medo de arcar com as eventuais consequências. Elas podem vir. Estamos no começo do trabalho e é preciso que possamos ter indicadores mais consistentes para fazer uma avaliação correta.

Nem por isso, vou fixar minha análise nos momentos de tensão decorrentes daquelas trocas de passes dentro da área. Se der errado, continua tentando e vamos em frente. Para quem está tentando impor um conceito totalmente inusitado de jogo para o futebol brasileiro, ainda que esse conceito tenha tudo a ver com o futebol brasileiro, até que começamos muito bem. O Fluminense domina seus adversários, controla os jogos, faz muitos gols, alegra a torcida, tem intensidade na marcação, boa organização tática e, para completar, revela talentos não imaginados, como o Luciano fazendo papel de camisa dez das antigas, frustrando qualquer projeto adversário de achar que basta marcar o Daniel para interromper nosso fluxo ofensivo. Até porque o Bruno Silva ajuda bastante nisso, ocupando as faixas não exploradas do campo para dar sequência ao trabalho de criação.

Deus me livre de ver o Fluminense voltando a praticar Fredbol, seja no campo, seja fora dele, principalmente na gestão financeira.

O que espero do Fla-Flu é um jogo eletrizante, digno do tamanho do clássico, que tanto tentam reduzir. Espero, também, um grande teste para o nosso modelo de jogo, mas que os indicadores dele decorrentes sejam analisados com sabedoria. Apesar dos resultados e do que temos visto, o trabalho ainda está no começo do começo, mal atravessamos a linha de partida.

Saudações Tricolores!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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