O futuro do Fluminense é hoje (por Paulo-Roberto Andel)

Dentro de poucas horas, encerra-se a década de 2010, com o pior ano do século XXI e certamente das últimas décadas.

Por incrível que pareça, uma década perdida para o Fluminense se pensarmos no começo dela.

Colocamos os pés nos anos 10 com um título brasileiro, depois ganhamos outro mas o resto não passou de ilusão, ou de luta contra novas tragédias. Os politiqueiros que enchem a boca para falar da queda à Série C, com dez jogos, deveriam ter vergonha na cara das cinco vezes em que comandaram quase cinco quedas, com 38 partidas em cada uma delas.

A pandemia é um desastre mas, mesmo sem ela, dificilmente o Fluminense conseguiria em 2020 algo que tem sido raro desde a inauguração do novo Maracanã: colocar mais de 50 mil torcedores como mandante, o que só conseguiu duas vezes no período (Vitória, 2014, e Corinthians em 2019). Os tempos mudaram, há muitas formas de se ver os jogos, mas este é um sinal grave: bem antes do lockdown dos estádios, o Flu já tinha aberto mão de seu maior patrimônio, sua torcida, em troca de palavras de ordem nas redes sociais para que todos se associem e paguem calados para beber urina como se fosse champanhe.

Até aqui, a atual campanha se assemelha a 2014 e 2016, anos de brilharecos efêmeros mas de figuração esportiva (por favor, a Primeira Liga tem seu valor mas foi extinta, nem chegou a ter uma série histórica). Pode ser que mude, embora seja pouco provável pelo que se tem visto em campo, mas num Brasileirão que deve colocar mais da metade de seus times na Libertadores, quem sabe o Fluminense não é puxado pelo puçá?

Percebam que o grande sonho de muitos é voltar à Libertadores, mas não se fala de conquistá-la. Há quem cochiche que o “lugar” do Fluminense é na Sul-americana, por motivos alheios ao esportivo.

Obsessão pela condição de figurante ou mero interesse nas cotas de TV? Em ambos os casos, uma situação desastrosa. É claro que o clube deve trabalhar para ajustar suas contas e sobreviver economicamente. Agora, quando um clube deixa de ter ambições esportivas para focar apenas no aspecto financeiro, sem nenhum planejamento futuro que não seja de curto prazo, é certo que ele se apequenou.

Ao contrário do que tentam dizer, com campanhas sórdidas diariamente na internet, financiadas por interesses duvidosos, o Fluminense não tem que abandonar o seu passado, nem é um Fulham, com todo respeito ao time bretão. Na nossa própria cidade, temos o exemplo do que a baixa política fez com o America, que hoje luta entre a primeira e a segunda divisão do futebol carioca, sem existir no cenário nacional. Há 40 anos, 45 anos, tempo de um espirro em termos de História, o America dividia o Maracanã conosco. Foi o primeiro grande clube a ter um bandeirão. Há 34 anos, disputava as semifinais do Campeonato Brasileiro. Melhor exemplo do risco que corremos não há.

Hoje somos uma vitrine para jogadores opacos de agentes questionáveis, enquanto nossos jogadores mais valiosos são rifados para pagar uma folha salarial repleta de veteranos, sendo a maioria deles também muito questionável: um verdadeiro Flu Master. E hoje deve ser lido como a década de 10, mas com ênfase na era pós-Umimed, a partir de 2015 e super aditivada agora. Com justiça, é bom que se diga: mesmo na época da grande patrocinadora, em troca de nomes de respeito fomos obrigados a engolir os Marcelinhos das Arábias, Andersons e Márcios Rozários da vida. O deboche em 2020 foi tamanho que um dirigente minimizou o papel da torcida, dizendo que ela não assinava cheques do clube, como se o mesmo colocasse seu próprio dinheiro nas Laranjeiras. E um agente de jogadores se viu também no direito de ridicularizar torcedores.

A campanha mediana no Brasileiro tem ajudado a aliviar o peso de tantos erros. O torcedor médio quer saber de resultados e, para um time que vinha de cinco lutas contra o rebaixamento em sete anos, o quarto, quinto, sexto ou sétimo lugares parecem até bons. Mas não, não são. O lugar do Fluminense não é de figurante, mas de protagonista e quem não entende isso deveria ser varrido das Laranjeiras.

Mas o que fazer? Daqui a dois anos o Fluminense terá eleições e, desta vez, não cabe mais o arranjo eleitoral para mais do mesmo. A disputa é clara: de um lado, alinhados ou aproximados de alguma forma, vão estar os que sabem o tamanho do Fluminense e querem resgatá-lo antes da tragédia final; do outro, ficam os fãs do Fulham, do gol sofrido que não vai abater, da figuração nas competições, dos críticos ao pó de arroz, dos que defendem o futebol de peças como esse Felippe Cardoso, dos que estão satisfeitos com vice carioca e sétimo ou sexto ou quinto, tanto faz, no Brasileiro.

Ou o Fluminense rompe de vez com esse modelo maligno de canibalização do clube, ou poderá ter o destino do America, também com todo respeito ao coirmão. Basta olhar o que foi prometido na década de 10 pelas sucessivas gestões e pelo que foi verdadeiramente entregue.

Estádio próprio? Piada. Laranjeiras no total abandono.

Uma fábrica de ações trabalhistas de jogadores, atualizada semanalmente. Jogadores que saem por valores irrisórios e até de graça, em transações defendidas com argumentos patéticos por parte dos guardiões de gestão.

Uma fila de funcionários que ganham salários de executivos de multinacionais, com pouquíssimo retorno para o clube. E o pior: decisões que afetam o interesse de dezenas de milhares de sócios – e de milhões de torcedores por todo o Brasil – são tomadas para atender os caprichos do “dono” da quadra, do “imperador” da piscina e do “rei” da sauna, enquanto as melhores ideias e ações são repelidas por caprichos e benesses pessoais.

Some-se a isso os desastres anuais na montagem de elenco e aí se entende o rombo quase (ou possivelmente) milionário do Fluminense. É só dar uma olhada no time que foi montado no começo desta temporada e no que tem jogado.

Isso para não falar de uma sede social que parece querer afugentar seus visitantes, seja para não haver críticas, seja para não incomodar os que fazem de Laranjeiras o seu playground particular, quando deveria ser um ambiente permanente de trocas sócio-culturais e esportivas, com programação permanente o ano inteiro (pós-Covid19, é lógico). Não adianta apenas dizer “Nós somos a história”: é preciso vivenciá-la, transmiti-la, fazê-la repercutir. É um interesse de milhões de pessoas, não um particular. O Fluminense sempre foi a casa dos artistas, dos intelectuais, das personalidades, dos professores, escritores, de gente que tem a somar para o clube. Quem não quer isso? Quem não quer pessoas pensando e vivenciando o clube dentro da sede?

Mudar esse sistema contaminado não é fácil, porém é possível. Os melhores precisam se juntar, os verdadeiros precisam atuar. Não é possível que o Fluminense seja tocado como um ponto de camelô, sendo que os bravos profissionais informais merecem todo respeito e nenhum deles vende peças novinhas baratas para acumular peças velhas.

O futuro do Fluminense é hoje, é todo dia e precisa ser discutido permanentemente. Não pode se limitar a likes e retweets, nem a comentários de posts, nem a pronunciamento de birutas que trocam de direção conforme o vento.

Em 2022 é a última chance que o clube tem de escapar da pequenez e até mesmo da sua extinção, faça as razoáveis ou boas campanhas que fizer até lá.

O Fluminense não aguenta mais outra década deste modelo colonialista, alimentado por transações duvidosas e puxa-sacos em troca de cargos e salários.

3 Comments

  1. Concordo plenamente, e precisamos a partir de agora nos reunirmos para debater o Fluminense e as mudanças que precisam ser feitas para que o Fluminense volte a ser protagonista nos campeonatos que disputar.

  2. Não me associei por nao ter sido implantado o voto online. Residindo 500 km longe das Laranjeiras, esse seria meu único incentivo. Caso já fosse sócio, não votaria no Mário, jamais. Não conheço o Tenório, lembro apenas que foi diretor de futebol na arrancada maravilhosa em 2009. Mas votaria nele por eliminação. Com Mario vamos virar um America. Ele é ruim demais.

  3. CARÍSSIMO ANDEL A DISSEMINAR A CULTURA GERAL E A INFORMAÇÃO DE MUITA QUALIDADE, ALIÁS, ACERVO GANHA PÃO LUMINOSO E, ADEMAIS, TAL QUAL UM ATENTO OBSERVADOR AINDA MAIS ATENTO E PREOCUPADO ANTE O TRÁGICO VALE DE LÁGRIMAS A QUE SOMENTE SE POSSA PROMETER SUOR E SANGUE, NESSE SOCIAL DESTROÇADO, AO ABRIGO DO FUTEBOL PÓS ESSA DESGRAÇADA E MORTÍFERA PANDEMIA, MAS, QUE SE IRÁ FATALMENTE, E, ENTÃO E AÍ, SALVE – SE O FLUMINENSE ENTRETANTO NÃO APENAS ÊLE NESSE MARACANÃ A ESTAR NOVAMENTE REPLETO QUANDO OS INTRUSOS E INÚTEIS ADORADORES DO HEDONISMO E DAS FACILIDADES DE TRAPAÇAS IMEDIATISTAS SEJAM…

Comments are closed.