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Ontem, por volta das sete da noite, eu conversava com o Fagner Torres na praça São Salvador quando começamos a conversar com um ambulante. Ele vendia suas bebidas num carrinho e, para nosso orgulho, usava camisa e gorro do Fluminense. Um tricolor de luta e trabalho num país marcado pela desigualdade.
Nos ontou que foi funcionário da limpeza do clube por anos a fio, no passado, coisa de dez ou quinze anos talvez. Um dia pediu demissão, por motivo insólito: seu superior imediato o proibia de ir à sede em dias de folga. Tricolor apaixonado que era e é, sem se vangloriar de capacetadas e tuitagem, tendo como sua única força a vassoura com o pano de chão, preferiu ir embora a ser repelido de estar no clube.
Com sua camisa tricolor surrada, algo em torno de 2003 ou 2004, contava-nos de sua esperança numa vitória logo mais, apertada, 1 a 0, gol de Gum, esse mesmo de tantas lutas e que foi personagem da mais estranha pichação dos muros tricolores em todos os tempos, já falada aqui hoje pelo Fleury e tantos outros próceres tricolores.
Em tempos onde o clube vive sua eterna luta política fratricida, com direito pleno à negação do passado e do presente, no que há de melhor e pior, e verdadeiros desrespeitos à mínima inteligência alheia e aos princípios rudimentares da Matemática, prevalecendo os ataques pessoais e as manchetes encomendadas em vez da troca de ideias e do entendimento, sempre atrapalhando o campo, nosso ambulante de ontem foi uma lição: Fluminense de cima abaixo, na pobreza e na labuta, com humildade, feliz pelo seu próprio sentimento. Um Fluminense da falecida geral, das cadeiras azuis a cinco reais, dos jogos de pouca gente onde até se ouvia o grande Victorio Gutemberg narrar com clareza as substituições – “Sudeeeeerj informa”.
Um Fluminense que precisa ser resgatado e cultivado. Nenhuma das maiores equipes do mundo atual consegue viver apenas em função de seus torcedores das classes mais abastadas. O mundo corporativo não abre mão da clientela de renda mais modesta. Se queremos ser modernos, e é um fato, nada mais natural do que reencontrar o passado onde o Flu era um patrimônio afetivo de todos. Como isso pode ser feito é palavra dos próceres do ramo. Taí o football alemão que não nos deixa mentir.
Minutos depois, conversávamos ainda perto do nosso ambulante torcedor quando um velhinho tropeçou e caiu de peito na calçada de pedra. Por sorte, foi só um susto – apenas arranhou uma das lentes do par de óculos. Fagner o levantou e juntos o levamos até a porta de seu prédio, cinquenta metros adiante, no imponente e veterano edifício Presidente Vargas. Basta ter uma atmosfera de Fluminense e a gente já toma um susto inesperado.
Quando fui embora, nosso herói tricolor estava firme nas vendas. Em pleno aniversário de 21 anos do gol de barriga, nenhuma imagem podia ser mais significativa do que a dele: o proletário, o brigador, o que defende cada dia com raça e dignidade. Um Fluminense de verdade.
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Daqui a pouco tem o jogo dos jogos. O Fla-Flu nunca é comum. O Fluminense precisará se reinventar, talvez na mudança de esquema tático. O problema é fazê-lo sem peças de grande qualidade.
Oto Glória, decano do futebol brasileiro, treinador que levou a seleção portuguesa da Copa de 1966, tinha a sentença clássica de que não se pode fazer uma omelete sem ovos.
Teorias, desenhos, esquemas, tudo isso é importante. Contudo, sem o material humano, a coisa fica por demais complicada.
Seguimos acreditando. Às vezes, torcer é sair na porrada com a realidade.
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Detesto cornetar jogadores, até mesmo os que não são de minha predileção. No entanto, isso não pode significar imunidade parlamentar a críticas construtivas e opiniões firmes (tem gente que, se pudesse, acabaria com todos os sites e blogs sobre o clube, exceto os que não se enquadrassem trazendo as chamadas “informações positivas”, com todo o ridículo contido nesta sentença).
Agora, que diabos tem a conotação daquela pichação com o nome do pobre Gum?
Se ainda fosse o do Henrique, vá lá.
Em tempo: o cetê é importante demais e não há a menor dúvida disso, mas não custa lembrar de um fato importante no Rio de Janeiro de 1979. Naquele ano, sabem quem ergueu a sede de clube mais moderna da America do Sul em pleno charme de Campos Sales? Ele mesmo, o America.
A História ensina. Prudência é qualidade.
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Imperadores do casuísmo político tricolor: não percam um segundo de suas vidas em me adicionar nas redes sociais para a prática hater.
É inútil. Não terão qualquer espaço meu.
Vocês nunca apoiaram meu trabalho literário – aliás, boicotaram-no! – “esse livro não dá dinheiro para o clube” -, nunca apoiaram este PANORAMA em nada e ainda debocharam quando o camundongo de vocês tentou me atingir. Riram, inclusive, da mesma maneira que fazem com alguns dos seus soldados, pelas costas. O que não contavam é que cem sócios do clube me prestariam solidariedade no ato, em questão de duas horas. Metade de uma chapa? Uau!
Usem o casuísmo como supositório.
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Todos merecemos uma vitória neste Fla-Flu. Para serenar os ânimos, deixar o time minimamente longe do desconforto, ter uma segunda-feira de paz.
Todos nós, do ambulante querido ao deslumbrado de ocasião – e como tem gente ridiculamente deslumbrada nessa internet tricolor, infelizmente. Mas acontece que o sol nascerá.
Oxalá o carnaval aconteça. Especialmente para o nosso amigo da praça São Salvador. Ele merece.
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Alva Benigno escreve pra ca%*ۤlho.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: rap
Hola Tricolores;
Pois bem Andel, estou aqui, de camisa e de bandeira, pronto para “sair de porrada na realidade”. Só espero que ela, a tal realidade, não tenha calçado as luvas de Muhamed Ali. Prá cima FLU, e estou como o nosso ambulante, que o gol da vitória seja feito pelo Gum.
ST