Nunca fomos tão tricolores (por Paulo-Roberto Andel)

Os homens são mais humanos e fraternos quando se encontram para bebericar, trocar ideias, brindar com o chope dourado da felicidade, fazer dos pequenos entorpecentes legais um breve alívio para almas cansadas do dia-a-dia, os trabalhos, as dívidas, as responsabilidades, os amores, as dores inevitáveis.

Neste momento, não há como negar, nós tricolores somos os homens mais felizes do Brasil, ao menos quando falamos de futebol.

E por por isso que os amigos do Panorama estiveram à mesa na terça-feira passada no Vieira, bar que jamais nos trai, ao contrário do que a nomenclatura possa supor.

Chegamos cedo, eu e Beto. Rimos como sempre, falamos de dois ou três assuntos que jamais publicaremos, tanto assustadores quanto engraçados. Não era noite de grandes responsabilidades, apenas comer, beber e viver o bom da vida. Falamos de nossa torcida, as belas mulheres, os homens bons, a minoria de sacripantas, nossa dificuldade em entender porque não somos todos uma grande união transatlântica se torcemos pelo mesmo time, adoramos a mesma bandeira e gritamos pelos mesmos jogadores. Mas aí é culpa da ganância do homem, o orgulho tolo e coisas menores que não merecem atenção, apenas desprezo.

Depois vieram os outros amigos. Chegou Leo, pontualmente atrasado como sempre. Depois Thiago, que torce pelo Pelotas, o Grêmio, mais trocentos times. José, que compensa o pecado de ser rubro-negro com inúmeras qualidades. Por fim, Caldeira, nosso comandante de tropas e depois de uma partida de futebol com outros amigos. À mesa, todos sabíamos da dificuldade que vinha passando por conta da grave enfermidade de sua mãe; mesmo assim, fez questão de vir e fez bem. Maior dor para mim não há: meus pais faleceram nos meus braços de forma inesperada, isso tudo faz alguns anos e ainda me atinge como punhalada várias vezes por dia, mesmo que seja a inevitável lei da passagem na terra. Qualquer perda de qualquer pessoa digna também me dói.

Com nosso time formado, é claro que falamos de Fluminense e futebol. Ou de namoradas gordinhas, morenas, magras, louras, que um ou outro tem usufruído em momentos oportunos, amores de ocasião – não é meu caso, tendo em vista minha fidelidade matrimonial. O fato é que rimos bastante, rimos como nunca e por acaso o Fluminense é o grande líder do campeonato – se não o fosse, estaríamos ali do mesmo jeito com os mesmos risos: quem disse que o amor ao time do coração se altera por ter uma campanha espetacular em andamento ou não?

Brindamos a vida. Nosso grande momento. A inevitável expectativa de que tudo dê certo dentro de algumas semanas e o Fluminense seja de novo o grande campeão. Percebam: só um completo idiota lerá aqui alguma comemoração antes do tempo devido. Falo de confiança, de crença, de fé e de uma campanha que nos reforça a mesma esperança. Mas ainda temos nove jogos – que podem ser apenas seis, se soubermos manter a trajetória até aqui descrita. Será uma procissão de semanas, até o grande momento e todos torcemos muito por ele.

Brindamos à vida. Os amores. A despedida dos rancores. Fizemos piada com Robertão, emérito frequentador do bar e custou muito explicar-lhe que, se o Fluminense vencesse o Bahia e a Gávea perdesse para o Corinthians, o título rubro-negro tornaria-se impossível por questões aritméticas. Entre gargalhadas e operações fundamentais de cálculo, conseguimos.

Ficamos em nosso bar de coração umas cinco horas, quase seis. José teve que ir antes. Thiago e Caldeira seguiram o caminho da gare. Beto navegou para Niterói. Eu e Leo caminhamos pelas ruas da Lapa. Antes disso tudo, trocamos abraços fraternos como time que somos – para o desespero dos despeitados fascistas -, quase o nosso time em campo depois de um grande gol ou mais uma jornada fantástica.

No dia seguinte, pelos implacáveis caminhos do destino, quase todos nós voltamos a nos abraçar, mas numa situação que nenhum de nós queria: no cemitério de São João Batista, na despedida da mãe de Caldeira, o mesmo cemitério onde meus pais foram enterrados, o mesmo bairro de Botafogo em seus últimos passos até chegar à minha amada Copacabana, terra onde nasci e me criei.

A mesa de bar foi a véspera de um dia muito difícil para todos nós. Mas muito mais do que isso. Na verdade, o reforço de que caminhamos cada vez mais solidários e fraternos, cada vez mais um pelo outro em prol de uma causa que nos norteia desde nossa infância – o Fluminense.

A noite foi um grande réquiem para dona Arly: o Fluminense desafiou lógicas, mostrou porque é o grande líder do campeonato e, com competência e sorte na queda de um dos rivais, ampliou sua vantagem para o segundo colocado, nove pontos. Um passo muito importante para quem quer ser campeão.

A dor da perda de uma mãe é irreparável.

Mas o sentimento de amizade que nos cerca é um alívio permanente.

O Fluminense é um pequeno bálsamo até nas horas mais difíceis.

Caldeira merecia essa vitória sobe o Bahia como ninguém.

Pensei em meu 2008: meu pai falecido em cima da cama, os homens da UTI em despedida e aquele gol de Washington contra o São Paulo numa das nossas maiores vitórias em todos os tempos. Em algum lugar, o Helio gritou com aquela cabeçada contra Ceni – e o mesmo vale para dona Arly quando Sobis fuzilou no alto e decretou mais um grande passo do nosso Fluminense.

Tais coincidências não foram à toa. Nada é à toa.

Ainda vamos nos abraçar todos muitas e muitas vezes.

Amanhã, São Januário nos espera. Há todo um mundo a ser construído pela frente.

Nunca fomos tão tricolores.

Eu repito: nunca fomos tão tricolores. E isso basta.

 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem:

Contato: Vitor Franklin

7 Comments

  1. Parece que estou por aqui de penetra no meio de tantos amigos fraternos,mais me sinto também um amigo,parabéns a todos vocês que fazem o panorama tricolor,ST!!

  2. Maravilha, grande Andel!
    Infelizmente eu perdi essa bela confraternização!
    Teremos muitas outras pela frente. SEMPRE!
    Abração e SSTT!!!

  3. Mais uma vez, parabéns pela sensibilidade. No final das contas, é ela que cativará milhões de tricolores a se unirem por um único objetivo: o tetra campeonato. ST.

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