Há poucos dias, o colunista Marcello Vieira, no diário Lance!, fez uma comparação entre o Fluminense e um notável aluno desinteressado. Há muito não lia uma analogia tão simples e certeira quanto.
Como todo notável aluno, inteligente e capaz mas desinteressado, o elenco tricolor me traz a impressão de apenas jogar nos dias em que todos do elenco acordam bem e em paz suficiente para isso. Indubitavelmente, o elenco, que tem vários alunos tais quais, olha criticamente o calendários de jogos da mesma maneira que um aluno insatisfeito com o sistema avaliativo olha um calendário de provas e sobre eles tece seus comentários. Seus alunos mais notáveis, ou pelo que ainda são ou mais pelo que já fizeram e falam, atribuem as atuações oscilantes e as notas entre vermelho e azul – sem trocadilhos políticos, ainda que pareça – ora à naturalidade de um campeonato longo ora ao calendário de “provas” em sequência, com cansaço, conteúdo e uma boa pitada de extracampo acumulados.
Neste cenário, imagine um professor de muito conhecimento, com dedicação impressionante aos livros e adepto às novidades em sua área, mas que tantas vezes muda ou deixa de alterar as peças durante as provas e dificulta a longa e sinuosa estrada para que seus alunos conquistem um bom resultado. Tal qual, porém, poucos em sua área, mesmo diante dos pontos e características a evoluir, hoje tem perspectiva real de se estabelecer entre os grandes nomes de sua profissão, com discrição e serenidade intrínsecas.
Ao final, adicione ainda neste imaginário alguns poucos cujo perfil é necessário em qualquer situação de trabalho conjunto, os esforçados “operários”, e você terá um esboço daquilo em que consiste nosso esquadrão atual.
Ainda que com tantos notáveis em desinteresse, temos aqueles cujo primor técnico não é esplêndido, mas que encontra contraste com sua disposição e dedicação dentro das quatro linhas e, por vezes, fora delas. Mesmo com uma torcida relativamente acostumada aos grandes nomes e que ocasionalmente torce o nariz para reforços oriundos de equipes menos tradicionais, este tipo de jogador no atual elenco tricolor faz-se mais do que necessário: faz-se imprescindível.
Nesse contexto e não apenas pelo último gol, poucos jogadores me causaram tão boa primeira impressão quanto o volante Edson, vindo do modesto São Bernardo. Em um de seus primeiros jogos com a camisa tricolor, na vitória contra o América de Natal no jogo de ida pela Copa do Brasil, assistir o jogo por inteiro, em toda dimensão do gramado, dentre várias percepções – algumas muito interessantes na própria arquibancada tricolor, sempre “abençoada” – me trouxe a sólida sensação de que Edson, além de boa técnica para saída de bola, algo em que o Fluminense careceu sobretudo na má fase em que Jean por muito tempo se encontrou, tem excelente senso de posicionamento e leitura tática, o que catalisa suas roubadas de bola, sempre notáveis em suas atuações.
Dois jogos são insuficientes, mas Guilherme Mattis parece seguir o mesmo caminho. Suas características encaixam perfeitamente nas necessidades de um setor questionado de nosso elenco, sobretudo por ter sua dupla tida como titular em um cenário de graves lesões e longos períodos de afastamento.
Carregadores de piano, peões, operários: qualquer que seja a denominação, se o Fluminense tem em sua perspectiva uma possível e necessária renovação em seu elenco, alunos interessados constroem o perfil que edifica a verdadeira alcunha de um time de guerreiros.
A aula, em alguns momentos, pode não ser das mais chamativas. A didática pode não atrair e a estrutura pode ser questionável. O compromisso com a torcida tricolor e com o Fluminense Football Club, porém, deve ser preponderante e a motivação cotidiana a qualquer um que tem a honra de vestir as três cores que traduzem tradição.
Um notável aluno, geralmente desinteressado, é sempre notável. Pode, sim, despertar diante dos grandes testes e falhar nos mais básicos. É quase uma característica intrínseca deste. Tanto quanto, certas vezes, despertar apenas quando já é muito tarde, além de, em alguns momentos, nem mesmo crer seriamente em sua própria capacidade.
O que mais incomoda no elenco atual é a sensação de que ele poderia ir bem mais longe, ainda que o alcance atual ainda possível seja de muito interesse.
Que a vitória contra o Santos tenha sido o despertar necessário. A oito rodadas do fim e a três pontos do primeiro “aluno” dentro das vagas, além de plenamente capazes por nosso poderio técnico, o despertador talvez não tenha tocado tão tarde quanto se parece e o desinteresse pode sumir tão eficientemente quanto se levanta da cama em um dia de provas.
É tempo de sentir com inteligência e pensar com emoção, jogadores tricolores. Alcançar a Libertadores é possível e lançar o pó-de-arroz sobre a América é um sonho e entalado.
Se despertamos tarde ou se os notáveis vão crescer nos momentos decisivos, apenas as oito batalhas que seguem dirão. Mas aos que torcem tanto pelos peões quanto pelos “desinteressados”, torcida tricolor, o “tarde” não existe e a matemática, sabemos, pode muito bem ser contrariada.
E não há nada de tarde em nossa próxima batalha. Sábado. 16:20. Fluminense versus um certo rubro-negro do Sul contra o qual todo tricolor de boa memória que for às históricas arquibancadas do Mário Filho tem a necessidade de apoiar e cantar com vigor e olhar fixo em campo.
Nos vemos no Maracanã.
Saudações tricolores.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: uol
Se é rubro-negro, eles tremem, “ai Jesus”…
Avante Flusão, Libertadores é logo ali.