Prezado Fluminense,

Somos e sempre fomos fieis. Somos e sempre fomos vaidosas. Somos e sempre fomos a moça mais bonita e mais difícil da classe, aquela que todos queriam conquistar, mas que fingia não saber ser cobiçada. Somos e sempre fomos vossa alma, ainda que, por vezes, falte vosso corpo.

Nós somos a torcida do tricolor, a única torcida do Brasil, do único tricolor do Brasil. Somos a única torcida porque a associação entre “torcer” e “apoiar” foi criada nas Laranjeiras, quando cronistas esportivos descreveram o torcer dos lenços de nossas damas nos jogos do estádio. Torcedores, apenas no Fluminense; nos outros, há fãs. Somos o único tricolor porque tivemos entre os nossos o maior cronista esportivo de todos os tempos, que sentenciou do alto de sua sabedoria: tricolor, só o Fluminense; os outros são times de três cores.

Desde há muito tempo, estou espalhada em todos os cantos do país, em todas as áreas de atuação. Faço-me representar expressivamente na música brasileira, por exemplo, a começar pelo quarteto que revolucionou a sonoridade nacional na última metade do século 20: Chico, Cartola, Gil e Tom. Também não desprezo ou desfaço o mais tímido e modesto trabalhador. Justo ao contrário, acolho-os com prazer, demonstrando assim publicamente que todos têm igual direito à felicidade.

Tenho andado, contudo, amuada, triste, ressentida mesmo. Meus olhos de paixão continuam convosco, mas parecem, há tempos, não encontrar reciprocidade. Parece que tens andado com outras, cobiçado outras, ou ocultado interesses transversos, distantes de nossa relação. Estou onde sempre estive, a vosso lado. Mas parece que fugistes de mim, de maneira que não nos encontramos fisicamente com a frequência de antes.

Talvez tenhas esquecido que, na verdade, não sou um eu apenas. Sou um nós, que por vezes encarna como eu. Mas continuo sendo um nós, mesmo nesses casos, cheio de diversidade, de contradições, de virtudes e defeitos, porque apenas os deuses não os têm. Não temos pretensão da divindade, apenas queremos ser o que somos: absolutamente tudo. Mas o que quero mesmo dizer é que, no nós que me constitui, muitos parecem ter desistido da relação convosco.

Essa é uma falsa impressão, não vos deixe levar por ela. Como disse, continuo a vosso lado e, hoje, mais do que nunca, anseio por um convite para a festa, para reatar o que parece perdido: o romance, o sonho, a alegria. Não sei se foi impressão minha, mas domingo, em São Paulo, muitos do nós acreditam ter percebido uma piscadela em vosso olho esquerdo. Pela primeira vez em três anos, parece ter finalmente tentado me cortejar. Não parece ter sido uma piscadela súbita, como as do ano passado, mas algo muito mais sugestivo. Finalmente parece que o dia chegou.

Como disse Masagão (Marcelo, cineasta), nós que aqui estamos, por vós esperamos. Já esperamos três anos. Não vos deixaremos nem se esperarmos outros vinte. Mas não gostaríamos que isso acontecesse, não há necessidade. Temos muitos encontros agendados para as próximas semanas. Temos também muitas dúvidas. Mas tenho, de minha parte, uma certeza: assim que perceber que sou bem-vinda na vossa presença, levarei como sempre minha alegria incomparável. O resultado, como em muitas ocasiões na vida, será celebrado com taças.

Panorama tricolor

@PanoramaTri

Imagem: JLM / PRA