Nelson Rodrigues, 100 anos (por Paulo-Roberto Andel)

Nelson é 10, Nelson é 100!

Hoje Nelson Falcão Rodrigues completaria 100 anos.

Melhor dizendo, completa.

Não bastasse ser o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos, foi também o maior cronista da história do futebol deste país – gênero que conta com craques que vão de Mário Filho a Marcos Caetano, passando por João Saldanha, Oldemário Touguinhó e mais cinco seleções brasileiras. E continua sendo. E será.

Qual é o dia em que a torcida do Fluminense não se lembra de uma grande frase de Nelson? Uma grande crônica que livre o Fluminense de um mau presságio. Um comentário que nos ajude a abrir caminhos de vitória. Nelson é um escudo do Fluminense empunhado frente à eternidade. Ponto. Basta lê-lo.

Portanto, que fique claro: no dia de hoje, tudo fica pequeno em termos de crônica diante do mestre. Fez na literatura o que Pelé fez nos campos. Tornou-se imbatível. Nelson Rodrigues pertence a um rol de seres humanos que são distinguíveis de todos os demais. Exemplos? Miles Davis, Bob Dylan, John Lennon, Rubem Braga, Oscar Niemeyer. Os gênios incomparáveis, capazes de influenciar milhões e milhões de pessoas, mas, no entanto, transformar em ridículos todos aqueles que, sucumbidos frente à tentação, tentem imitá-los.

Nelson é inimitável.

Para o futebol brasileiro – e, em especial, do Fluminense – foi um Shakespeare, um Ibsen. Injetou teatro nas artérias dos gramados e arquibancadas. É obrigatório ler as crônicas esportivas de Nelson como biscoito fino da maior literatura – e maior do que todos os que tentam lhe impingir pechas como a de que “sequer” via o jogo. Para os que têm os horizontes literários curtos, fica difícil entender que Nelson fez os jogos, fez a história, o que é diferente de ser um mero expectador que transfere para o papel “apenas” o que viu. Não nasce um Nelson Rodrigues todo dia, assim como um Faulkner ou um Kerouac. Um Rubem Braga. Um Carlito Azevedo. São especiais, raros, estrelas das mais distantes constelações.

Para nossa sorte, o fato dele não estar mais aqui escrevendo não nos torna órfãos, tendo em vista sua obra colossal à disposição e a inevitável certeza da morte física – mas nem ela exime um torcedor de suas obrigações clubísticas, como nos ensinou o maior de todos os escritores de futebol deste continente Brasil. Nelson está presente. Morto? Não. Não produz material novo, mas é o verdadeiro combustível para N cronistas, muitos deles hoje em nossa apaixonante torcida. Quem pode falar de crônica esportiva no Brasil sem passar pelo mestre maior?

Meu caminho é geralmente inverso de muitos de seus admiradores permanentes no futebol. Ao contrario da maioria deles, eu o li pouco na infância e juventude em termos de crônica esportiva – ainda cheguei a lê-lo em jornais entre os oito e doze anos de idade, junto a outros craques como Achilles Chirol e o velho comunista Saldanha – Nelson era direita feroz, ambos gigantes. O problema é que estes quatro anos foram os últimos de Nelson na crônica esportiva, ele faleceu em 1980. Na adolescência, aí sim comecei a ter um primeiro contato com a obra teatral e ela era de arrepiar em todos os sentidos – “Vestido de noiva”, por exemplo, data de 1943 e hoje, quase 70 anos depois, permanece atual e impactante. As crônicas de futebol do mestre eu já comecei a sorver alucinadamente depois dos 25 anos de idade; mesmo assim, é claro que elas são uma inesgotável fonte de inspiração – ninguém fica imune diante de qualquer texto de Nelson Rodrigues. Minha formação comunista pode ter se chocado com suas afirmações vigorosas do passado, mas isso em nada afeta meu carinho especial e minha total admiração por quem escreveu as melhores letras da história do meu time, o time que eu amo tanto e que ninguém mostrou mais amor em literatura nisso do que ele, Nelson. O craque passa por cima de ideologias, certezas e dúvidas quando o caso é o Fluminense.

Hoje, os livros emergem das gráficas, a imprensa alternativa tricolor é um sucesso, há uma mobilidade colossal em torno do tema. Velhos guardiões da malversação tricolor nos veículos convencionais torcem o nariz. Nelson é nossa bandeira eterna, tudo do que aí está nesse sentido tem a ver com o que ele escreveu e viveu como ninguém. Ele é a semente de incontáveis e qualificados cronistas do time das Laranjeiras – e todos lhe devem gratidão eterna além de dever curvar-se como súditos diante do rei. Quem não fizer isso simplesmente não é digno de ser lido.

Eu, como súdito que sou – e é absolutamente minúscula a minha importância nesse processo, assim como deve ser a de todos os que prezam pelas próprias dignidade e bom-senso – dobro minha coluna cansada e revejo o velho rei da máquina de escrever, sempre a escrever poesia, prosa e literatura das mais sofisticadas quando o assunto era o Fluminense. Nelson fez do Fluminense um lindo e arrebatador poema por décadas, distribuído entre suas crônicas monumentais. Teatro puro, fascinante e arrebatador, realidade em vestes de fantasia. Simplesmente a vida em si.

Continuaremos a ganhar grandes títulos. Muitas serão as vitórias arrebatadoras no último minuto. Sempre seremos a mosca na sopa das redações “oficiais”. Um dia, tanto faz se nublado ou de puro azul, daremos adeus à terra.

Ficarão apenas duas certezas.

A primeira, ensinada pelo mestre, de que o Fluminense tem a vocação da eternidade.

A segunda, de que ele mesmo, Nelson Rodrigues, também tem a mesma vocação e por um motivo simples: o mestre É o Fluminense, assim como Marcos Carneiro de Mendonça, Preguinho, Romeu, Castilho, Telê, Pinheiro, Edinho, Assis e tantos sujeitos, cujas admiráveis biografias tricolores não cabem em duas páginas. Para que Nelson caiba, assim como todos eles, vale uma única palavra: “eternidade”.

Nós, tricolores, temos Nelson Rodrigues como um troféu, uma bandeira. Um escudo de carne, osso e agora alma, capaz de nos conduzir pelos melhores caminhos. Uma bússola permanente a guiar os paradigmas do torcedor do Fluminense. E isso dói em muitos: quem há de ter algum dia alguém com o talento de Nelson entre seus frequentadores de arquibancada? Mais ainda: quem há de ter um Nelson Rodrigues como permanente correspondente da guerra nos gramados por cinquenta ou sessenta anos?

Quem?

Só o Fluminense. Só a imensa e apaixonante torcida do Fluminense.  A exclusividade incomoda.

Por ora, recordo algum canto de página dum jornal onde havia um texto destacado, cercado com moldura, coisa de 1978. “Pai, porque isso está assim?”, indaguei. “É uma coluna, meu filho, é o texto do Nelson Rodrigues”, respondeu Helio. “Ele é tricolor, né?”. “Claro, meu filho”. E risos. E risos.

É que os clássicos são eternos.

Comemorar os cem anos de Nelson Rodrigues não é apenas celebrar o aniversário de alguém muito especial. Na verdade, é vibrar com um título, o maior de todos, que jamais outro clube há de ter. Em 2112, dirão: “Hoje, Nelson Rodrigues faz 200 anos – e permanece eterno”.

Ao mestre, com carinho. E obrigado por tudo.

Paulo-Roberto Andel

@pauloandel

Panorama Tricolor/ FluNews

Imagens: Panorama Tricolor/ globoesporte.com

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Contato: Vitor Franklin

4 Comments

  1. Mestre Paulo Andel, eu aqui na minha Poa, pelo rádio ouvi esse monstro sagrado. E você, dentro da sua humildade, esta tornando-se, um igual, parabéns.

  2. Emocionante, GG!
    Ainda hei de comparecer à tarde (para o tempo ser suficiente antes de mudar o dia) de autógrafos da biografia que tu escreverá do imortal TRICOLOR Nelson Rodrigues. Ele merece mais do que a “oficial” que anda por aí, escrita por aquele tosco lotado de soberba.
    Grande abraço e ST!!!

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