(ou o craque pune)

Mil milhas longe de casa, em mais uma das tenebrosas transações do futebol brasileiro, Fluminense e Botafogo fizeram o clássico carioca da noite de ontem na “Arena” (detesto esta palavra por mil motivos! – sempre teremos estádios, bem me lembrou o amigo Antonio Leal) Pernambuco, enquanto o Maracanã teve mais uma tarde de silêncio. E deu Botafogo, escore magro, chute de Seedorf no fim. General Severiano fez um segundo tempo melhor do que o primeiro, teve mais chances, mas o placar não primou pela justiça com todo o ridículo contido nesta sentença: se nem a vida é justa, o que dirá do futebol? Não falarei da maldita bola tutti frutti que inventaram para a competição.

Perdemos o jogo no fim, ainda estamos no G4, sabichões e sabichonas já prevêem a derrocada do Fluminense em 2013 – afinal, as férias destes também terminaram – nenhum deles é um Márquez, um Scott Fitzgerald e todos sonham em ser muito lidos e aplaudidos mesmo sem razão alguma – também não são Corso, Ferlinghetti ou Ivan Lessa – grande vencedor do clássico, esteja onde estiver – passa longe.  Perder nunca é bom. Ler a derrota é sempre importante.

Por favor, não me venham com as estatísticas do ano passado: elas foram de outro planeta. Basta ler o histórico da era dos pontos corridos.

Queríamos voltar com força total depois da pausa para a Copa de dona Fifa. Não voltamos.

Ainda que nosso primeiro tempo tenha sido com razoável qualidade e tentativas de gol, há um problema crônico que precisa ser resolvido e logo: a escassez de soluções criativas que se espera de uma meia de ligação. Com Deco fora – entrou no fim do jogo – e Felipe sem escalação, hoje o Flu não tem um jogador que supra esta necessidade. Às vezes o próprio Fred é quem se incumbe disso, mas naturalmente a coisa fica fora do ponto: lugar do craque matador é na finalização e não na armação. Apesar dos pesares, não teria sido surpresa sair na frente na primeira etapa. O Botafogo tinha mais a bola, o Fluminense era mais incisivo na hora de finalizar. Fred é decisivo, mas Dória colou com precisão e encurtou as chances.

Não se despreza o Botafogo. Tem um excelente técnico, mesmo às vezes afeito a escalações extraterrestres – como diria Márcio Guedes -; Lodeiro é um azougue sempre disposto a aporrinhar as Laranjeiras. Tem bons jogadores, é o campeão do Rio E Seedorf, definitivo – fez o gol de longe porque tentou, mesmo que Cavalieri tenha afrouxado a mão, reflexo direto do tempo sem jogar – não, sem cornetagem, falhou, mas é um dos melhores do Brasil – Berna acabou de ir embora, foi herói em 2006 e 2010, poucos tiveram a dignidade de lembrar. Antes do Alvinegro abrir o marcador perto do fim, perdemos duas ou três chances – Sóbis tentou, quase marcou por cobertura, noutra chutou no meio do gol – tivemos um pênalti a nosso favor não marcado. Podia ter dado empate, era o que parecia esculpido até o chute do craque botafoguense. Deco e Samuel substituíram Wagner e Sóbis. Podia ter sido uns vinte minutos antes para Deco vir a campo. Samuel é outra história. Biro-Biro também, mas não tenho a vocação de atira-pedras; para este papel, há gente bem mais equipada do que eu na respeitável imprensa convencional. Espero que o garoto mude o paradigma de suas atuações desde que subiu. E só.

Ficou longe do que a gente queria, bem longe mesmo. Talvez um pequeno retrato desta vida de injustiças, onde a felicidade é um gole e a tristeza é um tonel cheio. Mas o que resta é trabalho. Recomeçar. O que o futebol mais oferece a quem o ama: a chance de se reinventar, mudar tudo em três dias e uma semana. Ontem foi dia de lembrar 23 anos de ausência de Cazuza – mas não de seu gênio, permanentemente oferecendo lufadas de inteligência a um Brasil que ainda tenta entender a si mesmo. Cazuza contou numa poesia: “O nosso amor a gente inventa pra se distrair/ e quando acaba a gente pensa/ que ele nunca existiu”. Ontem o amor eterno tentou levar o Fluminense ao triunfo. Não deu certo. Felizmente já temos chance de redenção a seguir. Ontem também foi o dia do velho Ringo Starr, que leva tudo a caminhos de simpatia e risos. A vida tem seu charme do mundo.

Sábado tem Macaé, lá estarei contra o Internacional.

Será bom estar com os fiéis em procissão.

A estrada voltou – e eu pensei que estivesse tudo perdido! – e pensei em tantas coisas que meu coração me deu como sofrimento! – quem sabe onde mora o fim da estrada? Alguém me chamará de idiota por isso e rirei com o rigor que todo imbecil merece como resposta: tenho mais o que escrever, sem precisar humilhar quem fala muito, mas não raciocina sem quatro patas. Alguém dirá que sou um péssimo escritor e rirei duas vezes: só aceitaria esse elogio de verdade se viesse de um escritor idem – infelizmente não sou Manoel de Barros para me encantar por tais elogios. Profetas do apocalipse não dizem nada para um ateu que viu milagres e pensa em Deus por causa de uma linda mulher.

Continuarei acreditando no Fluminense, com todas as estrias e varizes de agora – aos que rirem disso, oferecerei o silêncio de futuro, aquele mesmo que tantas vezes calou estúdios, redações e os racionais da onomatopéia. Eu sempre rio no fim para mim mesmo, mesmo quando o final não é feliz – e por isso estou aqui. Estamos em julho, quero ser primeiro em dezembro.

Não tenho vocação para a tristeza, por mais que ela me persiga diariamente.

A realidade oca é para os que não brilham, a vida sem sonho é uma inutilidade enorme.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri