Mortífero! (por Paulo-Roberto Andel)

I

E então veio mais um clássico pelo caminho. Clássicos são truncados, difíceis, catimbados. O Botafogo apostando todas as suas fichas numa vitória redentora, que o permitisse sonhar mais à frente. O Fluminense defendendo sua liderança translúcida, evidente.

Com o branco da paz, viemos a campo e a torcida foi um poema também no branco do pó-de-arroz. O Engenhão teve lampejos de Maracanã. Éramos muito mais numerosos do que os alvinegros, o que parecia natural não fosse o mundo mágico de Assumpção. Fui um estrangeiro: ao longe, admirei nossas lindíssimas mulheres, abracei meus camaradas de lida e coração, solidarizei-me com o vizinho de cadeira. Como eu queria estar com Juliana. Senti a solidão do exílio forçado pela dor, mas o Fluminense foi ele mesmo e não me traiu.

Sim, o Botafogo começou mais ousado, contrariando o 4-5-1 que formou. Tentaram uma, duas vezes, três. Cavalieri é o melhor do Brasil e não se fez de rogado, três defesas esplêndidas e a garantia na defesa. Custamos a recobrar os sentidos para a partida, isso veio aos poucos. Um ataque maroto, outro, Fred se fingindo de morto e tentando botes, Wellington Nem também. Neves, reconheço, um brigador. Dele, veio nosso primeiro chute aos 10 minutos, torto, à esquerda do gol mas com sentimento. Não havia um único tricolor sem a alma em riste no Engenhão, frente à televisão ou o rádio ou o computador. Nos leitos de hospitais, tricolores sorriram confiantes com uma reação digna de líder. Em algum féretro da cidade, um viúvo ou órfão foi consolado: “O Fluminense será nossa honra em breve”.

Mas tudo aos poucos, como convém na melhor dramaturgia. Fomos matreiros em pequenas colheradas, um cruzamento ali, um escanteio acolá. Por outro lado, Fábio Ferreira poderia ter sido muito perigoso na cabeçada se a jogada não estivesse invalidada.

II

Caros amigos, o Fluminense tem a vocação da águia do Atlântico Sul. Assim tem sido neste campeonato. É um time de botes, de rasantes insuperáveis quando parece recolhido. E não havia outra maneira de vencer o Botafogo neste clássico tão truncado e dividido, apesar de poucas faltas. A marcação dos dois lados era a cristalina vontade de vencer. Um clássico, ora.

Seedorf cruzou com maestria, Gabriel podia ter escorado de cabeça. Em seguida, Deco chutou de primeira mas longe. Os times eram dois boxeadores, trocando golpes, estudando o melhor meio de levar o adversário ao nocaute.

Aos poucos, avançamos. E veio uma falta perigosa em cima de Nem. E mais outra falta. O Fluminense abriu suas asas de forma lenta e voou para o bote decisivo. O Botafogo, vibrante, não percebeu o risco e continuou agressivo.

III

Mortífero.

O Fluminense foi mortífero.

A jogada pela direita com Nem encontrou a volúpia de Fred dentro da área. Ajeitou e chutou, sem dar tempo de raciocínio ao excelente Jefferson, a bola morrendo macia nas redes. Todos sabiam no estádio que o gol de Fred era o réquiem botafoguense no começo da noite. Jogar melhor nem sempre se traduz pela posse de bola e nem mesmo pelas finalizações malsucedidas. Falo de ser mortífero, de saber a hora certa de nocautear o adversário. O Fluminense foi Ali, senhor do ringue verde. A torcida urrou como nunca, sabedora do que acontecia. Os botafogos ficaram amuados, conhecem o roteiro.

Thiago havia me dito que seria difícil e com um gol solitário. Ele também conhece o roteiro.

IV

Marcos Junio injetou sangue novo no time em lugar de Nem, que tinha feito teste de vestiário. Depois, a garra insuperável de Valencia trouxe a prudência que não tivemos com Diguinho no Fla-Flu. Ao fim, Wagner substituiu o aplaudido e suado Neves.

Edinho? Carrinhos e força a sete minutos do fim. Neves, garra num bote aos 39. Cavalieri, deus de gelo debaixo das traves. Digão domingou e mostrou categoria num mesmo lance derradeiro pela esquerda. Fred, o carrasco alvinegro, virou zagueiro e não se furtou a despachar duas bolas para escanteio. Não venham com falácias e reclamações ocas: ninguém é tão líder à toa.

V

O Atlético fez uma partida antológica no Independência e goleou de forma retumbante. Mais modesto, o Fluminense vestiu humildade da cabeça aos pés, venceu com o placar mágico do “timinho” de 1951 e segue mais líder do que nunca, com seus seis importantes pontos de reserva e duas vitórias a mais. As posições da dianteira não se alteraram. Porém, mais uma rodada disse adeus.

VI

O Botafogo foi valente até o fim e vendeu a derrota de forma muito cara. Um adversário respeitável e digno, muito além de seu presidente boquirroto.

Ao Fluminense, restou o papel de glorioso. E protagonista-mor do campeonato brasileiro.

VII

Hoje e amanhã não seremos os grandes heróis das manchetes. E nem precisamos. Domingo, segunda e terça serão dias em que o mais humílimo dos tricolores desfilará como um lorde londrino perto do Tâmisa. Tanto faz se tiver vestes poídas, nenhum níquel no bolso e a fome de três madrugadas: é e será um humílimo mas legítimo tricolor, um vitorioso, um acostumado a navegar os mares de vitória.

Não comemoramos absolutamente nada, caros amigos. Estamos apenas escrevendo o livro dos dias de história. Arregaçar as mangas, trabalhar à luz ou ao relento. Demos mais um passo. O caminho ainda é longo, mas o que temos feito nos permite sorrir. O sol nascerá.

Esta crônica é dedicada ao querido companheiro de mesa – e crenças – Marcus Vinicius Caldeira.

 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri

Imagem:

Contato: Vitor Franklin

8 Comments

  1. Essa é a palavra Paulo, esse time me lembra o James Bond de Sean Connery, simplesmente, mortífero!

    ST

  2. Depois de uma bicicleta, Fred papai noel deixou mais um presentinho pro pobrezinho do assunção.

    Se comporte ano que vem que vai ganhar muito mais presentinhos presidente.

  3. Se vc precisar da minha Águia capa da minha página do FB, não precisa se acanhar ela é uma legítima Águia do Atlântico Sul e está a disposição é sua rsrrsrsrs. Fantástica Crônica !!!

  4. Ae Paulo! Redenção e Botafogo são palavras que não combinam!

    O jogo do Botafogo de Minas terminou 7 a 0, porém, entre 1×0 e 7×0 continuamos com 6 pontos de diferença!

    Que o Patético Mineiro continue com esse lindo futebol. Que Ronaldinho Gaúcho continue fazendo 3 por jogo, que façam não 7, mas 10 gols por jogo!

    E para nós? Quero 9 vitórias por 1 x 0. Com sofrimento, por favor.

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