Assim como muita gente se apaixonou pelas cores, a camisa e o escudo do Fluminense, outros seguiram caminhos diferentes. Eu virei tricolor sem conhecer nada disso, mas pelo nome, pela palavra que aprendi junto com o nome de Felix. Eu tinha quatro para cinco anos, em 1973, num prédio já morto do alto da rua Santa Clara, em Copacabana. Aliás, de todo o prédio e seus moradores, sou o único ainda vivo. Às vezes olho para trás e penso que estava tudo escrito desde aquele dia: cinquenta anos depois, a palavra escrita me vinculou ao Fluminense para sempre, em nada importando a opinião de sua atual gestão e respectiva vassalagem.
Muita gente gostaria de mudar o passado, o caminho. Eu não. Acho que meu caminho como torcedor deveria ser exatamente como é, sem tirar nem por. Foi como tinha de ser. Chorei muito, ri também e sofri porque a vida é assim. Claro que se o Fluminense tivesse dirigentes melhores nos anos 1990 e nos últimos 15 anos a minha vida seria facilitada, mas não deu. Paciência. Eu não trocaria nenhuma das alegrias para não ter as tristezas – quem estava lá nos gols de Assis, de Renato Gaúcho, em 1980, na Máquina e em outros momentos fulminantes sabe o que quero dizer.
Quando criança, me tornei Fluminense sem saber o quanto aquilo era especial. Fui aprendendo com o tempo. O Fluminense era essencialmente elegância em todas as áreas. Ser Fluminense era automaticamente ser sofisticado, mesmo na simplicidade econômica. Não à toa, nossa história é cheia de gênios sofisticados, sem distinção de riqueza como alguns imbecis travestidos de showmen querem dizer agora. Pense em Cartola e Tom Jobim, por exemplo. Hugo Carvana e Chacal. Fernanda Montenegro e Bibi Ferreira. Letícia Spiller e Fernanda Rodrigues. Garotinho e Cícero Mello. Saraceni e Mário Carneiro. Noca da Portela e Marquinhos de Oswaldo Cruz. Todos esses e inúmeros outros tricolores têm uma característica em comum: a elegância, que não depende de roupas caras nem de endereços privilegiados, verdadeira antítese dos “sucessos” tricolores de hoje, com seus vídeos de chiliques e com melancias no pescoço, faltando só expor a própria hemorróida em público para aparecer.
Meu desgosto profundo nem é piada com o eterno rival, ainda mais depois de um Fla x Flu chocho. Ele não está em nenhum título perdido, em nenhuma campanha horrível e nem mesmo nos rebaixamentos de quase 30 anos atrás. Não. Ele não está sequer nessa barafunda que o Fluminense se tornou, uma agência de aluguel de jogadores que ocasionalmente ganha um título mas que, na verdade, tem a prioridade de dar lucro a empresários e seus comissionados.
O que hoje me enche de vergonha e tristeza é ver tanta gente estúpida, primitiva, rasteira, incapaz de enxergar o óbvio, enchendo a boca gosmenta para se dizer Fluminense e defender dezenas de sandices. Tanta gente estúpida que quer reescrever a nossa história de maneira analfabeta. Gente estúpida e grosseira capaz de seguir e imitar o roteiro dessas cracatoas de Youtube, que não conseguiriam passar de fase nem no falecido Show do Milhão de Silvio Santos. É a perda do nosso senso crítico coletivo, da incapacidade de enxergar o mal que estão fazendo para o nosso clube e toda a nossa torcida.
Dois minutos de redes sociais e você comprova a verdadeira tragédia da ignorância, da falta de lucidez e de senso crítico, que juntas servem de verdadeira procuração em branco para que a gestão tricolor promova as maiores barbaridades. É esse batalhão de imbecis que alimenta o capital político dessa gestão perdulária e medíocre.
Dirá um idiota: “Ah, mas ganhamos a Libertadores”. Uma vez idiota, sempre idiota: 123 anos de história não se resumem num único campeonato. O Fluminense é muito mais do que isso. Aliás, mais de dez anos antes da Libertadores nascer, o Fluminense já tinha sido consagrado com a Taça Olímpica como organização desportiva de excelência mundial.
A mais nova idiotice ecoa que o Fluminense não pode ser um clube de mendigos. Precisa de um bilionário para comprá-lo. Sequer tratarei da estupidez preconceituosa e que beira o racismo enrustido. Eu diria que qualquer mendigo tricolor é mais digno do que os pulhas que se aproveitam do clube para autopromoção rasteira, vagabunda. Mas, sinceramente, ninguém pode ser tão idiota a ponto de achar que o Fluminense terá um Castor de Andrade (tricolor, por sinal) jogando dinheiro para o alto e montando um Real Madrid no CT da Cidade de Deus. A solução do Fluminense virá de gestão séria e capacitada, e isso exige formação, experiência e currículo – justamente o que nenhum dos idiotas com melancia no pescoço tem, se houver uma avaliação criteriosa. É incrível que seus fãs não pensem nisso. Bom, a maioria sequer pensa…
Talvez o Fluminense ainda tenha solução, se livrando de tanta gente ruim. Mas uma coisa é certa: é preciso resgatar o senso crítico e a elegância que sempre permearam o convívio tricolor até bem pouco tempo atrás. Mais profundidade e menos memes. Mais raciocínio e menos chiliques. Mais profissionalismo e menos histeria.
Não sou dono da verdade, mas minha história de 50 anos como torcedor do Fluminense, e uma das autoridades literárias da história do clube, me obriga a dizer aos mais jovens: a torcida do nosso clube já foi a mais intelectualizada e crítica do país. Parte dela hoje está contaminada pelo Telecurso Zero Grau da internet tricolor. É hora de combater a burrice e a sapiência de araque. Chega dessa internet cheia de ninguém.