Mário Carneiro, luz tricolor (por Paulo-Roberto Andel)

Já escrevi sobre o tema outras vezes, mas nunca é demais lembrar e relembrar. Escrever é reescrever.

Há pouco, espiando o Facebook, me deparei com uma postagem de meu amigo Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, consagrado cineasta e poeta. Na publicação, a lembrança do lançamento de uma biografia de Mário Carneiro, admirável artista do nosso cinema, datada de 2008.

As palavras especiais de Bigode sobre Mário: “pintor que se tornou um dos mais importantes Diretores de Fotografia, um coautor de vários filmes do Cinema Novo, com sua cultura e sensibilidade, construindo uma luz que obedecia a utilização de poucos recursos técnicos a favor da linguagem específica de cada filme.”

Anos atrás, quando tive a honra de entrevistar Paulo Cezar Saraceni, tirei aquela que provavelmente é sua única foto na maturidade com uma identificação tricolor. Foi uma tarde de sábado excelente em sua casa. Não bastasse ser um dos expoentes da nossa cultura, Saraceni teve um envolvimento profundo com o Fluminense: tricolor de coração, foi craque dos juvenis, fez golaço numa preliminar em pleno Maracanã, quase disputou as Olimpíadas de Helsinque (foi substituído por contusão, entrando o futuro bicampeão mundial Vavá) e acabou seguindo no cinema, depois de muito influenciado por Octávio de Faria, escritor e também dirigente do Flu – sempre atento aos juvenis. Imagine a emoção de Octávio ao saber que um de seus pupilos era fã de cinema e artes em geral. O Fluminense perdeu um craque, mas o cinema brasileiro ganhou outro.

Depois da ótima tarde na casa de Saraceni, o generoso anfitrião insistiu várias vezes: “Por favor, não deixe de entrevistar Mário Carneiro, ele tem muita história sobre o Fluminense. Fala todo dia de Fluminense, ouve todas as resenhas no rádio, sabe tudo da história do clube. É um amigo querido, gentil, uma pessoa especial”. Eles foram parceiros profissionais a vida toda, e muito da grande obra de Saraceni no cinema teve a atuação direta da mão de Mário.

Cineasta brasileiro nascido em Paris, Mário Carneiro foi um dos principais diretores de fotografia do país. Estudou na Faculdade Nacional de Arquitetura, em Paris (1955). Sua carreira no cinema ganhou importância com o advento do Cinema Novo. Com “Porto das Caixas” (1962), de Saraceni, fez sua primeira direção fotográfica em longa. A partir de então, realizou a direção de fotografia de “Garrincha, alegria do povo” (1962) e “O padre e a moça” (1965) ambos de Joaquim Pedro de Andrade, “Todas as mulheres do mundo” (1965) e “Edu, coração de ouro” (1966), ambos de Domingos Oliveira, entre outros. Foi ainda câmera e diretor de fotografia de “Di” (1978), curta-metragem de Glauber Rocha premiado em Cannes. Teve uma longa trajetória como pintor, gravador e fotógrafo, além de diretor e montador, diretor e roteirista de cinema, o que fez dele um personagem único da cinematografia nacional (neste parágrafo, reprodução do site do Instituto Moreira Salles).

Diversos problemas impediram a marcação imediata da entrevista e, infelizmente, Mário Carneiro faleceu logo depois, em 2007. Contudo, é fundamental lembrar e registrar que um grande artista brasileiro foi um apaixonado torcedor do Fluminense, daqueles que não largavam o radinho de pilha para saber todas as notícias sobre o time – cá em entre nós, bem melhor do que o requentado copy paste dos tempos modernos. Um não: três. Afinal, não somente Mário, mas os próprios Paulo Cezar Saraceni e, claro, Octávio de Faria. Que time!