Naquele ano eu tentava me recuperar das coisas. A perda da minha mãe em 2007 foi um golpe muito duro, justamente quando vivíamos uma ótima fase familiar. Enfim, aconteceu e, do jeito que dava, fomos tocando o barco, eu, meu irmão e meu pai.

O Fluminense ajudou. Ganhou uma Copa do Brasil na raça, fez um grande campeonato brasileiro e voltou à Libertadores, depois de 23 anos.

Nossa casa era futebol. Ficávamos colados no rádio. Resolvi assinar um pacote de TV a cabo para que meu pai pudesse ver todas as partidas de maneira confortável (era cadeirante), e ele ficou bem contente. Tudo era Fluminense, o Fluminense era nossa arma para não chorar.

O Flu foi passando de fase, até que chegou o grande jogo de volta contra o São Paulo. Em condições normais, eu estaria no Maracanã mas quis o destino que eu não estivesse. Resolvi comprar material para cachorro quente e vermos juntos em casa. Já contei outras vezes: meu pai era paulista, são paulino e se apaixonou pelo Fluminense, veio para o Rio e nunca mais voltou. Era o dia do maior encontro entre seus dois amores no futebol.

Uma hora antes do jogo, meu pai morreu subitamente e minha vida mudou para sempre. Ele lanchou, gostou, me pagou uma graninha que eu tinha lhe emprestado, foi para a cama e caiu morto. Nunca mais fui o mesmo e não é exagero dizer que, das quase quatro mil páginas que escrevi neste espaço, todas de alguma forma têm a ver com este acontecimento.

A pior noite da minha vida. O que seria uma noite feliz foi uma desgraça. Mas meu irmão, menino ainda, mesmo desesperado, às vezes olhava para a TV da sala. Veio a funerária, você fica meio que desligado do mundo, em transe. Mas só o Fluminense, aquele Fluminense que talvez não exista mais – o de hoje é outra coisa -, tinha a capacidade de homenagear meu pai como o fez. Naquele último segundo, Thiago Neves cobrou o escanteio da direita e Washington fuzilou Rogério Ceni como Assis detonou Fillol. E o Fluminense conseguiu uma das maiores vitórias de sua história, sobre um tricampeão mundial. Meu irmão teve um minúsculo momento de alegria enquanto o Maracanã vinha abaixo de tantos abraços, gritos e lágrimas.

Só voltei ao Maracanã meses depois, num Fluminense x São Paulo pelo Brasileirão, vazio, vazio. O Flu estava lutando contra o rebaixamento, a dor da final da Libertadores deixou marcas profundas. Washington e Somália eram as torres gêmeas. Vencemos, seguimos e escapamos do descenso justamente contra o próprio São Paulo no Morumbi, na penúltima rodada da competição.

Desde então, já vi e revi muitas vezes os 3 a 1 sobre o São Paulo na Libertadores. É impossível deixar de pensar no meu pai, mas o tempo tratou de aliviar a tristeza imensa e priorizar um jogo daqueles, quando o Fluminense era raça e talento o tempo todo, quando a gente torcia pelo time e não por balanços fraudados, quando todo mundo cantar junto era muito mais importante do que anônimos deslumbrados em selfies, quando a gente vaiava mesmo se tinha algo errado – o Maracanã era democrático. Tem também o aniversário da querida Rita, que é dia 21, e ajuda no alívio.

Anos depois, o Fluminense voltou a ser bicampeão carioca, finalmente ganhou a Libertadores e deveríamos viver uma grande paz. Porém, isso não acontece porque o clube tem uma gestão desgovernada e isso reflete em tudo, inclusive dentro de campo. Nas arquibancadas também. É um time campeão, mas muito diferente – para pior – daquele que era uma das únicas alegrias do meu pai. Não pelo futebol, mas pelo seu entorno e, digamos, peculiaridades. Contudo, ainda estão rolando os dados; quem sabe o velho Tricolor não dá uma de suas guinadas históricas? Sem SAF dos amigos dos amigos, é claro.

Uma coisa é certa: o Fluminense precisa de uma revolução de caráter para retornar a seu curso original.

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A vida é difícil. Viver é estar em situações difíceis. Agora, tendo em conta que o futebol é algo que, com todos os defeitos, leva alegria para milhões de pessoas, vivo um paradoxo: algumas das piores pessoas que conheci na vida, das mais abomináveis e perversas, das mais escrotas, torcem para o meu time. Ou se locupletam dele.

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Toda covardia é abominável.