Eu não pude vê-lo jogar. Melhor dizendo: se vi, eu era tão pequeno que não registrei na memória. O certo é que, assim que tive noção de ser um torcedor atuante do Fluminense, eu sabia quem era Lula, ao lado de outros próceres como Denilson, Samarone, Manfrini e outros.
Ali pelo começo dos anos 1980, 1982, Lula teve uma passagem como treinador do Fluminense. Era uma época de chumbo, o time há quase dois anos sem ser campeão – por favor, não riam. Lembro de meu pai torcer muito por ele. Eu tinha 13 anos e começava a ir aos primeiros jogos sozinho. Foi o início de uma longa solidão que, de certa forma, permanece até hoje. Helio Andel adorava Lula e isso para mim bastava.
As crônicas de Júnior e Jocemar aqui publicadas dão o tom da situação: foram escritas de maneira simples, rápida mas carregada de emoção. Eles eram dois garotos quando viram Lula entortar o mundo afora, marcar gols decisivos – mais de 100 só pelo Flu – e garantir títulos imortais. Agora, jovens sexagenários, eles voltaram no tempo e se emocionaram com a fase mais bonita do futebol: garotos vendo seus ídolos eternizar seus nomes no clube. Meio século depois, o nome de Lula os tocou na alma.
A vida passa muito rapidamente e celebrar os grandes momentos é fundamental. Tudo é breve. Já, já, eu também serei um sexagenário emocionado com dribles de Robertinho, gols antológicos de Cláudio Adão e arrancadas de Edinho. Na quinta-feira foi emocionante ver os Sussekinds, pai e filha, comemorando muito a vitória do Fluminense – eu já puxei o pai pela mão, abracei a avó em grandes gols e agora a filha é o presente eterno em que vivemos. Meu pai me puxou pela mão e foi embora, eu puxei meu irmão pela mão e ele foi embora. A arquibancada celebra a vida e isso vai muito além de um jogo de futebol, mas só poucos entendem a essência disso.
Na quinta-feira também corri risco de morte ou, no mínimo, algumas porradas bem sérias no Engenhão. Não aconteceu por fatores que não sei explicar, mas pela primeira vez em décadas cometi um erro capital no encontro de torcidas. Esse erro acabou sendo fundamental para ajudar a Força Flu no transporte de instrumentos. Horas depois, eu estava com Gonzalez no mesmo carro, passando pelos mesmos lugares mas então com 200 livros na mala. Não tinha a menor ideia, mas tudo aquilo já era uma homenagem a Lula. Explico: 1971, fim do jogo, um gol apoteótico e um título sobre um dos maiores times que o rival já teve. Era a despedida do craque e não sabíamos, o prenúncio, o aviso.
Meu amado Fluminense, por favor: não insista em deixar seus ídolos morrerem no ostracismo esportivo. Não basta fazer uma festa e dar uma camisa a cada cinco anos. Há muitas iniciativas baratas que já deveriam pertencer à rotina do club. Preservar a memória é respeitar a nossa própria história. Samarone, Manfrini, Marco Antônio, Gil, Edinho, Denílson, Mario, Deley, Ricardo e tantos outros estão por aí, é preciso fazer e há muita coisa a ser feita. O Lula merecia mais, muito mais.
Em algum lugar que não sei dizer, meu pai disfarça e chora. É que de 1971, nem quem não viu se esquece.