Dia 17 de abril de 2021, meu pai estaria completando 65 anos.
Há quem diga que fazia aniversário dia 18.
A indeliberação surgia do fato de que seu registro de nascimento havia sido realizado meses depois de seu nascimento.
Dia 17 seria aniversário do “seu” Hélio Andel, pai do meu amigo Paulo-Roberto Andel, cronista muito melhor que eu. O “seu” Hélio faleceu no dia 21 de maio de 2008.
Enquanto no Rio, a família Andel vivia o luto, eu aqui na minha terra chegava em casa do trabalho, e era surpreendido com uma festa surpresa de aniversário. Sim, dia 21 de maio, é a data do meu aniversário.
Contando com a ajuda cúmplice da mais bela das esposas, meu pai, uma tia e uma prima, prepararam tudo sem que eu sequer desconfiasse.
Acontece que naquele dia, haveria o jogo de volta entre Fluminense e São Paulo, pela Libertadores de 2008. E claro, todos ficaram para assistir aquele jogo.
Durante a espera para a partida, enquanto refrigerante (que eu abandonei anos depois), e o bom e velho pão com salsicha rolava, uma minúscula gatinha entrou miando pela porta da sala.
Pequenininha, branquinha e faminta.
Todos foram unânimes em colocá-la para fora; afinal, ninguém queria um filhote de gato.
Eu, porém, em um momento filosófico só meu, sentenciei:
– Façamos o seguinte: se o Fluminense ganhar, eu adoto a gata. Se os paulistas levarem, eu mesmo a levarei amanhã ao centro de zoonoses, para que seja doada a alguém.
Os parentes louvaram a decisão. O esposo de minha prima inclusive disse que eu deveria ganhar um busto de mármore, por ser alma tão iluminada e portadora de sábias decisões, ao que eu empinei o peito como um pombo orgulhoso.
Quando o jogo teve início, assistiram ao primeiro tempo, mas no intervalo, todos foram para casa. Ficaram para acompanhar o segundo tempo eu, a mais bela das esposas e a gata.
O jogo chegou aos seus acréscimos de relógio com os cariocas vencendo por 2 a 1, mas este resultado daria a vaga aos paulistas.
Um tiro de canto a favor dos cariocas, seria o último lance. Decidiria o destino do campeonato e da pequena felina também.
Por instinto, olhei a gata que estava no meu colo. Como se soubesse que ali estava sendo decidido seu futuro, ela me olhou também.
Lembro-me como se fosse hoje: o jogador do time do Rio respirou fundo, como se buscasse fora de si, o fôlego que já não existia no seu corpo.
A bola viajou e encontrou a cabeça de Washigton Coração Valente. Jogador que ficara conhecido não só pelos gols, como também pelo fato de ter vencido uma doença cardíaca e ter voltado a jogar, mesmo proibido pelos médicos. Gol!
Os cariocas levaram a vaga, e eu adotei a gata que foi batizada como Pedrita, pela mais bela das esposas.
Como que por agradecimento, Pedrita todos os dias na hora de meu retorno do trabalho para casa, ia para o portão me receber, como se fosse um cão de raça, e não uma gata abandonada.
Viveu conosco o resto de sua vida. Vida que se findou, claro. Gatos vivem menos que seres humanos.
Findou-se também, a vida do “seu” Hélio, naquele distante 21 de maio de 2008. Anos depois, partiu também meu pai. Vencido por um problema de coração.
Ah, o coração. Quem o entende? Washington venceu o seu, o meu pai não resistiu ao dele.
E o meu vai guardando estas e outras histórias. Às vezes, batendo forte, as vezes batendo menos. Este também tem dias em que parece querer me lembrar que será o responsável por guiar meu caminho para a eternidade.
Da família, só restam minha mãe e eu. Ainda bem, tenho também ao meu lado a mais bela das esposas.
Não sei quantos dias 21 de maio ainda me restam, nem quero saber.
Basta-me viver e esperar o dia em que entrarei na mesma dimensão em que estão meu pai, meu irmão, minha avó Maria (a micoempresária), Pedrita e “seu” Hélio.
E torcer para que alguém também me guarde no coração.
Vai um pequeno segredo para quem leu até aqui: meu pai um dia me disse que acreditava ter nascido também em 21 de maio, e que seus pais haviam errado a data na hora do registro. Hoje, não sei se isso era verdade ou não. Talvez nunca saberei.
Mas sabe?
Prefiro a história assim, como eu escrevi aqui.